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MUNDO OPERÁRIO | Mais uma vez o peão vai trabalhar doente, é isso ou demissão!

Crônica de um operário trabalhando em meio a pandemia. O Esquerda Diário está ombro a ombro com os operários de todo o Brasil. Que seja tomado nosso Jornal como uma ferramenta de luta e organização.

terça-feira 6 de abril de 2021 | Edição do dia

Foto: José Paulo Lacerda

La vai o operário às 05 da manhã.

Em cada vagão enxerga o desprezo da burguesia, o sofrimento do trabalhador, enquanto um engomadinho segue em demagogias... “Fique em casa, todos contra a Covid-19” nessa frase ele sente o que chamam de ódio de classe, ódio em lembrar do “fique em casa”, de ter ficado em casa e ter a semana mais letal durante a pandemia, ou seja, o que se expressa as massas é a necessidade de ficar em casa, mas pra conseguir ficar em casa, precisa-se de dinheiro e se precisa de dinheiro, precisa-se ser explorado obviamente. A cada estação ele sente o coração pulsar na fonte, a cabeça dói, ao mesmo tempo que um homem retira a máscara para espirrar dentro do vagão, ele sente vontade de chorar, engole o choro e pensa que a dor de cabeça não há de ser nada, mas se for, pode acabar morrendo, morrer trabalhando, o gozo burguês de fato.

Se afasta e desembarca em uma das estações do ABC, para em um bar, e visualiza dezenas de trabalhadores tomando seu café preto, fumando seu cigarro, comentando sobre os parentes, amigos, irmãos que morreram, que estão às vésperas ou que estão com suspeita. Pede o café, ao mesmo tempo que o estômago embrulha com a ideia de tomar um café em jejum, logo esse operário que sempre teve o café como aliado da manhã, o recusa com o estômago embrulhado e paga a conta e segue para o trabalho preocupado.

Notificação de mensagem:
“Seu pai ta com dificuldade de respirar, eu estou com uma dor de cabeça desde o final de semana, vou levar ele no pronto socorro, use a máscara e não esquece do álcool, te amo”.

O coração do operário dispara, a dor de cabeça aumenta, lembra do final de semana com os pais, várias perguntas ao mesmo tempo: “Será que fui eu? Será que meu pai vai morrer? Será que eu to contaminado? Será que falo no trabalho? E o aluguel? E as contas? Será que eu to e passei para mais alguém sem saber?”
Chega na portaria verifica a temperatura, higieniza as mãos, responde perguntas “Sintomas? Dores de cabeça? Falta de ar? Sem paladar? Viajou? Encontrou pessoas?” responde todas as perguntas, engule seco, tem a impressão de faltar o ar, mas não sabe se é a ansiedade ou se é de fato mais um sintoma.

A cada parte do processo produtivo a cabeça do operário doía, para além das latejadas, culpa e agonia!

Ele precisa respirar ar puro, o ruido das máquinas, o calor do chão de fábrica, tudo potencializava sua dor de cabeça, foi para o lado de fora, em frente a um local para fumantes é proibido andar sem máscara pela fábrica, advertências são assinadas por estar sem máscara, se sente incomodado com o número de pessoas fumando, totalmente aglomeradas, uns tossindo, outros espirrando, outros mostrando conversas no whats, o problema não era fumar para o operário, o problema eram as medidas rasas que a empresa encontrava pra lidar com a pandemia.
Sentou-se desconfiado, culpado e cansado. O celular toca, o companheiro de máquina o chamando para almoçar. Chega o operário no refeitório, diversos trabalhadores recompondo suas forças para voltar a trabalhar, lá estava ele com sintomas, tendo que tirar a máscara para Almoçar.

O operário angustiado comenta com o companheiro de máquina que estava preocupado, estava sentindo dor de cabeça, ficou enjoado, a mãe disse que o pai estava indo para o hospital, enfim, se lamentou o operário, os que estavam próximos olharam, abaixaram a cabeça e seguiram comendo. O que o operário disse até o final não pareceu ser estranho, sem apetite segue a se lamentar, quando decide levantar pra entregar a bandeja com o prato da mesma forma que se serviu, um dos que estavam próximos, disse que não era para o operário se preocupar, porque poderia ser uma gripe porque mudou o tempo ou poderia ser rinite, um outro operário, levantou para pegar um suco enquanto falava com o companheiro que estava contaminado, que todos de sua casa estavam contaminados, mas ele por estar assintomático, vai continuar trabalhando normalmente. A explicação daquele operário foi que se ele pegasse 14 dias de afastamento por ter testado positivo e caso tivesse alguma complicação, digamos, no décimo terceiro dia, corre risco dele ter que entrar no INSS e isso ele não quer. O operário acrescenta a necessidade de bancar as contas da casa, o alimento dos filhos e etc, entrar no INSS seria viver a miséria. Outros operários ouviram o que foi dito, mas ninguém o entregou.
Ao ouvir tais palavras, o operário sente que é irracional a forma como querem lidar com a pandemia, ele assim como todos os outros, podem a qualquer momento serem contaminados e seguirem passando para os demais trabalhadores que se alimentam no mesmo refeitório, circulam nos mesmos corredores, frequentam os mesmos banheiros, se trocam nos mesmos vestiários e naquele momento ele odiou com toda força a burguesia.

Olhou para a fábrica e todos os departamentos, não visualizou nada que fosse essencial, nem que de fato ajudaria a combater a pandemia. Pensou no trajeto de casa até o trabalho, o número de pessoas aglomeradas enquanto Doria segue no seu “fique em casa”, o número de mortes por dia, olhou pra si e se viu com medo, sentiu o medo que todos estão sentindo, o medo do desemprego.
Sentiu medo de estar com a COVID-19, sentiu medo de pegar atestado, sentiu medo de entrar no INSS, sentiu medo de ter que precisar do auxílio emergencial, sentiu medo de perder amigos e familiares, sentiu medo de precisar ser entubado, sentiu medo de morrer. Naquele dia, tão intensamente, o operário em meio a sua dor de cabeça, sentiu o que o capitalismo oferece aos trabalhadores, a sua miséria, a sua ruína, trazendo o sofrimento e morte a classe menos favorecida.




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