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EXPOSIÇÃO | Carolina em nós, por Ilú Obá de Min – a mulher negra resiste

No dia 3 de outubro se iniciou a exposição “Carolina em nós” sobre a escritora Carolina Maria de Jesus, no Museu Afro Brasil no parque do Ibirapuera. A exposição começou a ser pensada em junho de 2014 pelo Ilú Obá de Min junto com as homenagens que seriam feitas a escritora. Até o dia 31 de janeiro pode se ver parte de Carolina e várias apresentações e oficinas seguem para homenagear e trazer essa escritora tão subvalorizada à tona.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

quinta-feira 10 de dezembro de 2015 | 02:13

“E o povo inteiro ouviu o que ela falou

Foi assim que Carolina de Jesus o mundo conquistou

E hoje o Ilú Obá dez anos vem celebrar

Cantando Carolina de Jesus

Com benção de Oxalá”

- canção do Ilú Obá de Min em homenagem a Carolina Maria de Jesus -

Sob a coordenação de Beth Beli, pesquisadora de manifestações culturais de matizes africanas, mais de 150 mulheres compõem hoje o Ilú Obá de Min, sendo “as mulheres que tocam tambores” para o rei Xangô, como cantam em uma de suas músicas. O grupo existe desde 2004 e hoje, comemorando 10 anos, é um dos blocos do carnaval de rua de São Paulo mais esperado e aclamado; no fim de todo ano já se cria expectativa em saber qual mulher será homenageada por elas.

Sempre houve e ainda há uma tentativa de apagar a história dos negros, inclusive através do apagamento de sua cultura e o Ilú Obá de Min tem como principal força a tentativa de resgatar essas culturas. O bloco traz manifestações de matizes africanas nos instrumentos, nos toques, nos cantos e danças bebendo na fonte de ritmos do candomblé, afoxé, jongo, maracatu, boi, ciranda, ritmos afro-latinos e africanos. Além dos instrumentos elas trazem para o bloco bailarinos e brincantes que trazem em seus movimentos os orixás.

Sempre houve também uma tentativa de apagar a história das mulheres, por isso é tão forte o Ilú Obá de Min resgatar manifestações da cultura africana trazendo mulheres à frente nessa tarefa, resgatando para isso uma tradição nigeriana em que as mulheres, assim como os homens, podem tocar tambores. Colocando nas ruas a regra de que quando uma mulher avança nenhum homem retrocede hoje as 150 mulheres que compõem o Ilú Obá de Min tomam as ruas anualmente e mostram a força da cultura negra e das mãos femininas em cada instrumento, seu lugar de voz e corpo fazendo não nascer apenas um deslumbramento e admiração, mas principalmente um reconhecimento e respeito em relação à força do negro e da mulher, um reconhecimento e respeito em relação à força da mulher negra.

Ressaltando esse aspecto do empoderamento das mulheres todo ano o Ilú Obá de Min escolhe uma mulher para homenagear em suas apresentações, criando para essa mulher letras, composições e espetáculo próprios; esse ano foi escolhida a escritora Carolina Maria de Jesus, mulher negra, moradora de uma favela. Carolina viveu na favela do Canindé, favela que ficava as margens do rio Tietê, o seu mundo, que ela retratou em seu livro “Quarto de despejo” – “da favela pro mundo, e o mundo é o Canindé”, como canta as mulheres do Ilú Obá de Min. Seu livro, que é em realidade o registro dos escritos de seu diário trazem poesia e a realidade da catadora de papelão, negra, que diariamente tinha que batalhar para conseguir o alimento do dia para seus filhos. Sua obra, apesar de ter chegado aos ouvidos até de Simone de Beauvoir, como conta a francesa em sua autobiografia, caiu no esquecimento e hoje mal é lida e estudada; esse fato vem se modificando no ultimo período com a retomada de sua obra por artistas como o Ilú Obá de Min. Sua obra é negligenciada por ser uma obra escrita por uma negra, que viveu na favela e que desnuda a realidade da periferia sem romantizar, retratando a realidade assim como ela é.

Pensando que a história dos negros e das mulheres sofrem tentativas de apagamento para que esses não saibam da força de resistência que tem diante de uma sociedade capitalista, racista e machista, que quer os fazer acreditarem que são fracos a ponto de não enfrentar esse sistema, ou fazer acreditarem também que são incapazes de qualquer criação digna de ser admirada, Carolina sofreu e ainda sofre uma dupla tentativa de apagamento, por ser mulher e negra, e ainda não é estudada com a devida atenção. Isso demonstra um caráter racista e patriarcal da nossa sociedade e coloca a importância do Ilú Oba de Min resgatar Carolina através das manifestações da cultura africana e a importância que tem a exposição que vai até o dia 31 de janeiro no Museu Afro Brasil.

A exposição recebeu o nome “Carolina em nós”, e dizer que cada um de nós traz Carolina é relembrar que cada um traz em sua história o peso de viver em uma sociedade patriarcal e racista construída em cima de um sistema escravocrata, que tratou o negro, assim como mulher, como posse e não como ser humano, e que tenta fazer isso até hoje. Mas hoje o negro e a mulher, a mulher negra, furam o circo construído ao redor dela excluindo-a apenas a periferia, e através de sua voz, de sua cultura, corpo e expressão resistem. Essa é a grande importância da exposição realizada pelo Ilú Obá de Min no museu Afro Brasil retomando a história de Maria Carolina de Jesus, e a importância de serem hoje um dos blocos mais importantes do carnaval de rua de São Paulo, que retomam e tornam os espaços públicos do povo, trazendo a cultura africana para o centro.




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