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Editorial do MRT | Vitória de Milei na Argentina mostra o fracasso da conciliação de classes

A acachapante vitória de Javier Milei na Argentina derrotando Sérgio Massa, candidato peronista e do FMI teve impacto internacional e em particular na América Latina. Muitas são as comparações com Jair Bolsonaro, mas ainda maiores são as diferenças. O que fica mais claro é que mais uma vez a política de conciliação de classes pavimentou o caminho da extrema-direita.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

sexta-feira 24 de novembro de 2023 | Edição do dia

A Argentina que se encontra em uma crise econômica enorme deixada pelo governo peronista-kirchnerista está em uma semana de enormes mudanças e, como nós em 2018, se perguntando, como se chegou até aqui? São muitas as considerações a serem feitas sobre essas eleições, que são quase uma síntese das experiências políticas dos últimos anos na América Latina, onde os ciclos políticos já começaram a alternar os governos de extrema direita com as variantes reformistas guardiãs do Estado capitalista. Como apontou Fernando Rosso em Editorial publicado no La Izquierda Diario da Argentina: “parte da extorsão para conseguir o alinhamento incondicional com Sergio Massa consistia em afirmar que o ‘fascismo’ estava do outro lado. Porém, depois do segundo turno o ‘fascismo’ foi bem recepcionado pelo governo [Alberto Fernández recebeu Milei no Palácio de Governo, a vice-presidente ligada aos genocidas, Villaruel, foi recebida por Cristina Kirchner no Senado, NdT]. Ou deram um giro copernicano para se tornarem democratas após as eleições ou, na realidade, tudo não passou de uma ideologização excessiva da campanha para conseguir resultados eleitorais que, além disso, não conseguiram ter”. Da mesma forma vale dizer que Lula desejou boa sorte e êxito ao novo governo. Por acaso é possível conceber a ideia de “desejar boa sorte e êxito” por exemplo a um “candidato Hitler” no caso de vencer uma eleição?

O fenômeno internacional do populismo de direita em suas variantes mais aberrantemente capitalistas surge como subproduto das derrotas da crise capitalista internacional, do esgotamento de um período de restauração burguesa pós neoliberalismo e segue em convulsão em momentos internacionais tão intensos como agora, atravessados por uma Guerra da Ucrânia e pelo massacre do Estado de Israel na Palestina. A busca de saídas “antissistêmicas” em respostas de extrema direita são também expressões do quanto os baluartes da democracia se tornaram defensores dos elementos mais contraditórios e autoritários dos regimes políticos, que atuam permanentemente contra a classe trabalhadora. É dessa maneira que os reformismos em toda a América Latina atuam diante do fenômeno da extrema direita: o definem como “fascismos” e, portanto, é preciso construir uma frente ampla (sempre somente eleitoral e no terreno parlamentar) com deus e o diabo para derrotá-lo. E quando fracassam, a saída é resignação. O meme da Mônica abraçando a Mafalda com a frase “Vai passar” é o emblema do que o PT sugere aos argentinos nesse momento: respeitar as instituições democráticas que elegeram o suposto “fascismo” e aguentar 4 anos desse governo para depois tentar novamente nas eleições, com uma frente talvez mais ampla, que entregue ainda mais nossos direitos.

Mas a entrada de Milei no governo deveria ser um alerta de que o caminho da conciliação de classes cada vez mais pavimenta o espaço para a extrema direita. Foram os anos de ataques, com o governo descarregando a crise nas costas da classe trabalhadora argentina, com inflação (150% esse ano), pobreza (em quatro anos, passou de 27% a 40%), fome, desemprego, foi isso que gerou nas massas uma desilusão tamanha a ponto de buscarem alternativas que apareçam como mais radicais, ainda que o resultado não signifique uma adesão ideológica completa ao projeto de Milei. Durante a campanha, Sergio Massa, candidato peronista, ofereceu a proposta de um governo de unidade nacional com toda a direita argentina, incluindo o partido de Milei, os “fascistas” do La Libertad Avanza, e com Gerardo Morales, que prestou seus serviços reprimindo o levante de Jujuy neste ano. Ajudou Milei ao ponto de alentar suas chapas eleitorais em várias províncias. Ademais, Massa fez campanha com entidades sionistas como a DAIA, enquanto o Estado terrorista de Israel massacrava o povo palestino em Gaza. Que tipo de combate à direita se pode fazer assumindo quase toda a agenda dessa mesma direita? Para enfrentar a extrema direita não há atalhos, é preciso construir a frente única operária para impedir todos os ataques, sem falsificar a tática fundada pela III Internacional como se fosse um instrumento eleitoralista, onde cabem inclusive burgueses e empresários. No próximo mês, Milei tomará posse e terá a companhia não somente de Jair Bolsonaro, mas também de Tarcísio de Freitas, governador reacionário de São Paulo, que está atacando os trabalhadores com um enorme plano de privatizações, e que faz parte do Republicanos, partido que tem um Ministério e faz parte da base do governo Lula-Alckmin.

Como viemos apontando, a ideologização excessiva em relação ao termo ‘fascismo’, da mesma forma que foi utilizada no Brasil, agora na Argentina cumpre um enorme desserviço para a luta dos trabalhadores. E vários dos que defendem esse termo o fazem dizendo que os fenômenos não se repetem da mesma forma como foi nos anos 1930, o que é ainda pior, já que trata o fascismo de verdade, caracterizado pela política de eliminação física das organizações operárias, como algo que supostamente teria ficado no passado. Ao contrário, o fato é que, por enquanto, as crises orgânicas, ou tendências a ela, têm dado como resultado não governos “fascistas”, e sim governos bonapartistas débeis, mas só porque as classes dominantes ainda não tiveram que lançar mão da alternativa fascista, por não existirem ainda níveis de luta de classes que o exijam. Mas isso não quer dizer que vá continuar sendo assim, que os “novos fascismos” (mais “pacíficos”) tenham substituído o fascismo “clássico” (guerra civil). A possibilidade deste último não está no passado, mas sim no futuro, assim como a da revolução. É por isso mesmo que distinguir entre diferentes gradações da ofensiva burguesa, e entre diferentes fenômenos como bonapartismo e fascismo, é fundamental para a estratégia revolucionária. Essa distinção está a serviço da tarefa de identificar o momento preciso do desenvolvimento da luta de classes, definir o tipo de resposta que ele exige dos revolucionários agora (que em nenhum caso seria apoiar a campanha eleitoral de frentes burguesas, é claro), e se preparar estrategicamente para a necessidade de enfrentar fenômenos como Milei e inclusive, futuramente, o fascismo.

No caso da Argentina essa farsa se mostrou como tragédia. O exagero “fascista” em relação a Milei se desmontou no dia seguinte da eleição, com Alberto Fernandez sentando com o fascismo e Lula desejando “boa sorte” ao fascismo. E o que dizer do PSOL, que estava com sua presidente no bunker de Massa, parabenizando o peronista pela eleição - cujo governo foi responsável por um triunfo esmagador de Milei - e por aceitar a vitória eleitoral da extrema direita?

Quem irá sofrer com essa estratégia de subordinação é a classe trabalhadora argentina. Até o momento é difícil dizer como será efetivamente o governo Milei, o que conseguirá levar adiante ou o quanto se disciplinará, seja pelo regime político, para se adequar a setores do regime argentino, seja pela correlação de forças geral do país, com a resistência da classe trabalhadora. Milei não se apoia em setores das Forças Armadas como Bolsonaro ou das forças evangélicas, e na Argentina não existe o chamado “Centrão” que rapidamente integrou o “antissistêmico Bolsonaro” no “toma lá dá cá”. Além disso, o Brasil que elegeu Bolsonaro foi o Brasil do golpe institucional, meses depois de Marielle ter sido assassinada e com Lula preso arbitrariamente, após enorme desmonte da luta pelas centrais sindicais, que negociaram a Reforma Trabalhista em 2017. É preciso ver como vão se desenvolver as tendências neste país. Mas ao mesmo tempo é um alento o fato de que a esquerda trotskista revolucionária tenha peso na Argentina, com a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade, com figuras de peso de massas como Myriam Bregman, Nicolas Del Caño, Alejandro Vilca, e deputados federais como Romina Del Plá e o recentemente eleito Christian Castillo, dirigente histórico do PTS. Mais importante ainda que tenha sido uma ínfima minoria da FIT-U que tenha tido a equivocada posição de chamar voto em um candidato do FMI, como Sérgio Massa. O PTS, que encabeçou a candidatura da FIT com Myriam Bregman, teve a firmeza de estar lado a lado com os trabalhadores compreendendo sua posição, mas sempre dizendo a verdade aos trabalhadores, como expressou nesta declaração.

Agora, contra as forças que a extrema direita evoca dos céus, é preciso evocar as forças das ruas. Da tradição que enfrentou Videla e os genocidas, que fez o Cordobazo e inúmeras lutas operárias, os enfrentamentos de 2001, as fábricas ocupadas, desta tradição também está a força para, neste momento, colocar de pé milhares de assembleias de base em todo o país para construir nas ruas a resistência contra todos os ataques de Milei. Essa é a batalha que o PTS já está dando em cada local de trabalho e estudo e através de suas figuras, combatendo o chamado à “transição democrática pacífica”, batalhando por organizar pela base uma forte resistência em base à luta de classes, única forma de enfrentar Milei e seus ataques. Desde o Brasil, como parte da tarefa internacionalista de construir uma organização internacional, porque somos trotskistas, faremos parte dessa batalha. Em defesa da classe trabalhadora e da juventude argentina, que os capitalistas paguem pela crise!




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