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Quais os interesses por trás das investigações da Abin?

As investigações da Abin que atacam os setores mais radicais bolsonaristas podem vir a fortalecer o PT ou mesmo os setores mais moderados e institucionalizados da extrema direita, tendo em vista as eleições no final do ano. O que fica claro é que não se pode confiar no autoritarismo do STF, que ora ataca os bolsonaristas, ora se vira contra os trabalhadores, sendo necessário a confiança na força da luta, com a unidade entre trabalhadores e todos os setores oprimidos

Juliane SantosEstudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

sábado 3 de fevereiro | Edição do dia

Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) está no centro da investigação da Polícia Federal que apura o uso ilegal da ferramenta de espionagem FirstMile. A suspeita é de que, durante o governo Bolsonaro, a Abin — que era chefiada por Ramagem, um amigo próximo da família Bolsonaro e atualmente deputado federal pelo PL no RJ e pré-candidato à prefeitura da cidade — tenha usado o software para monitorar ilegalmente opositores.

A apuração teve três fases deflagradas no último período e as duas mais recentes atingiram pessoas próximas a Bolsonaro. Em 25 de janeiro foi deflagrada a segunda fase de diligências sobre o caso: a operação "Vigilância aproximada", na qual Ramagem foi alvo, com buscas em seu gabinete e no apartamento funcional da Câmara que ocupa. Ramagem foi diretor-geral da Abin entre julho de 2019 e março de 2022. Os mandados foram expedidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Entre os possíveis alvos da espionagem ilegal realizada pelo órgão estavam autoridades e adversários de Bolsonaro, como o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e uma promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro que investigava milícias e as mortes de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Outro alvo chamativo da investigação da PF foi Carlos Bolsonaro (vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Republicano). Foram autorizadas buscas na residência de Carlos e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro nesta segunda (29), com a suspeita de que seus assessores, que também são alvo da operação, pediam informações para o ex-diretor da Abin, Ramagem. Também houveram mandados cumpridos em Angra dos Reis, onde os Bolsonaro têm uma casa, Brasília, Formosa (GO) e Salvador. Durante o mandato do pai, Carlos Bolsonaro atuava como chefe do chamado gabinete do ódio, uma estrutura paralela montada no Palácio do Planalto para atacar adversários e instituições – como o sistema eleitoral brasileiro.

Outro membro do PL também vinha sendo parte da investigação: Carlos Jorgy (PL-RJ), líder da oposição na Câmara. Jordy também tornou-se o primeiro parlamentar federal alvo da Operação Lesa Pátria, da PF, que busca identificar setores e pessoas envolvidas no ocorrido em 8 de janeiro. Fica explicitado que as recentes investigações e investidas contra setores bolsonaristas vem na esteira da conjuntura pós 8 de janeiro, em que houve uma maior coesão de setores da burguesia para estabilizar o regime político brasileiro, o que envolveria o ataque aos setores bolsonaristas mais duros. Um mesmo setor do grande empresariado e políticos que no último período se colocam "contrários" aos bolsonaristas mais duros são os mesmos que outrora apoiaram em 2018 a eleição de Bolsonaro, tendo também apoiado o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão arbitrária de Lula, o que abriu um brutal espaço ao bolsonarismo e possibilitou ataques mais profundos e com uma maior rapidez à classe trabalhadora do que o PT seria capaz de fazer.

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que a operação de investigação sobre a abin representa uma "falta de autoridade do Congresso". Pelas redes cobrou que o presidente do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reaja às buscas realizadas no gabinete de Ramagem. Para se defender das situações de investigação dos membros do PL, o partido decidiu que fará a defesa de uma Proposta de Emenda à Constituição, de autoria do deputado Rodrigo Valadares (União Brasil - SE) fixando que ações judiciais, mandatos de busca e apreensão e investigações contra deputados e senadores só podem ocorrer mediante aprovação da Mesa Diretora das Casas.

A tentativa de reação bolsonarista cria mais um componente de tensão na volta do Legislativo, em 5 de fevereiro. Essa pressão deverá recair sobre Lira e, principalmente, Pacheco, que é o presidente do Congresso. Lira e Pacheco terão que decidir sobre a tramitação da PEC defendida pelo grupo.

Um outro flanco que o núcleo mais duro bolsonarista, que está sendo atacado, está utilizando é a carta feita por um grupo de oito senadores incluindo Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na qual acusam o Ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF, de perseguição política. A expectativa é que haja reuniões tanto com Lira como com Pacheco na volta do recesso.

A Abin, no período do governo Bolsonaro, estava subordinada ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional, antiga Casa Militar), que assumiu o controle também dos orgãos de inteligência das três forças, que na época possuía o general Augusto Heleno como ministro, o que abre um questionamento sobre o papel dos militares nessa situação bastante complexa e o porquê, até o momento, não há um maior nível de questionamento a isso, havendo apenas uma convocação do general Heleno para depor da 3° feira, dia 06, sobre o caso. Que interesses levam a que os militares possam estar sendo poupados e distanciados do bolsonarismo, que outrora teve parte importante de sua cúpula bastante próxima?

Depois de um turbulento momento de governo Bolsonaro, em que os ataques contra os trabalhadores e os setores mais oprimidos - tanto desde a aprovação de reformas anti-operarias, passando pelos discursos de ódio proferidos abertamente contra mulheres, negros e LBGTs, ataques aos povos indígenas, além do negacionismo expresso na pandemia - foram a tônica do governo, vemos uma tentativa de setores da burguesia de estabilizar o regime político, tentativa essa que se consolidou mais fortemente na frente ampla que uniu Lula, Alckmin e uma gama de setores conservadores e reacionarios, mas também a esquerda reformista como o PSOL, em nome de uma unidade pra estabilizar o regime e manter toda a obra de ataques realizadas desde o Golpe Institucional e seguir aplicando ataques. Essa tentativa de estabilizar o regime, que hoje mostra-se que se conseguiu uma estabilização conjuntural mas que passa longe de ser uma estabilização estrutural mais profunda, envolveu também uma maior preservação de setores que em diversos momentos apoiaram abertamente Bolsonaro: os militares.

Outro elemento importante a ser remarcado é o fato de que fim do ano ocorrerão as eleições e os partidos já refletem sua atuação política levando em consideração esse fato e pensando quais as melhores formas de se localizarem bem nesse contexto. As disputas que hoje vemos também estão relacionadas a busca de conter setores bolsonaristas mais radicais para que não tenham grandes ambições e outros setores possam conseguir melhores resultados nos pleitos municipais. O efeito imediato e que impacta o processo de constituição das candidaturas municipais é de colocar o bolsonarismo na defensiva, e até mesmo os jornalistas da Jovem Pan, a mídia de massas mais bolsonarista e com maior influência reconhecer a necessidade de desbolsonarizar a Abin.

Esse ano de fato é bastante importante para o PT, partindo de que em 2020 o Partido dos Trabalhadores não conseguiu eleger prefeitos para nenhuma das 26 capitais brasileiras. Agora em 2024 embora o PT tenha nomes competitivos em algumas cidades, há ainda uma forte dificuldade do partido encontrar novas lideranças e de conseguir de fato eleger seus candidatos - o PT possui 11 candidaturas, podendo chegar a 14 a depender das negociações, porém sem chances majoritárias de ganhar as disputas em jogo. Tal situação leva a tanto o PT ter a política de apoiar aliados em lugares em que busque não perder mais espaço político, mesmo que não seja com nomes próprios (como é o caso de São Paulo com Boulos), e com certeza não é favorável para o PT, e para os setores que hoje são "oposição" ao bolsonarismo duro e buscam estabilizar o regime, que haja alguma possibilidade do PL e/ou do bolsonarismo mais duro ganhar mais espaço político nas prefeituras do país. Diante disso, poderia-se dizer que toda essa operação da Polícia Federal, com mandatos do ministro do STF Alexandre de Moraes, deflagrada contra o clã Bolsonaro, PL e aliados (ainda mais tendo-se em vista que o Bolsonarista Ramagem é pré candidato à prefeitura do Rio de Janeiro) é algo que pode vir a favorecer o PT, sendo também uma aposta que pode favorecer os aliados de direita da Frente Ampla e também abrir o caminho para que alernativas mais institucionalizadas e moderadas da extrema direta possam ocupar o espaço da oposição ao governo federal, além de fortalecer o próprio autoritarismo do STF.

As operações estão sendo levadas a frente pelo STF, que possui um profundo histórico de ataques autoritários contra a classe trabalhadora como no episódio do impeachment de Dilma Rousseff, tendo sido um importante pilar do golpe Institucional e da prisão arbitrária de Lula, tudo em nome de atender aos interesses de setores da burguesia para atacar com reformas e inúmeras medidas a classe trabalhadora e os setores mais oprimidos. Como dito, atualmente com a reabilitação de Lula, o fim do governo Bolsonaro e o início do governo Lula há importantes tentativas de estabilização do regime, usando-se para isso a "unidade" da política de Frente Ampla e o ataque aos setores mais duros bolsonaristas. Nesse cenário vê-se uma proximidade conjuntural entre o STF e o Governo Federal, ao passo que o Congresso segue sendo um terreno mais heterogêneo, em que o governo petista busca dialogar distribuindo verbas, emendas e rifando os direitos da classe trabalhadora.

Outro aspecto que se destaca nessa conjuntura que nos encontramos é que a lógica de Frente Ampla segue sendo aprofundada pelo governo Lula/Alckmin, algo expresso na candidatura do Boulos em São Paulo, que aponta para um cenário de conseguir o maior número de aliados para em tese "combater a extrema direita", ao mesmo tempo que toda a lógica levada pela Frente Ampla até hoje foi justamente conciliar com os setores mais conversadores, de direita e extrema direita (vide a distribuição de ministérios do governo Lula), ao mesmo tempo em que não estão sendo revogadas as reformas passadas no governo Bolsonaro e no governo do Golpista Michel Temer, como a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirizacao Irrestrita, que busca acabar com o presente e futuro dos trabalhadores, e nem pensa-se em revogar os ataques como privatizações e todo tipo de medida que garantam o lucro dos grandes empresários, como a Reforma do Ensino Médio, que seguem sendo inclusive levadas a frente pelo governo. Isso tudo só demonstra o quanto a conciliação abre espaço e fortalece a extrema direita, essa mesma que no discurso se diz "combater".

Portanto, somente a luta dos trabalhadores, aliados os setores mais oprimidos, confiando nas suas próprias forças de forma independente pode combater todos os ataques deixados pelo legado bolsonarista; todo o racismo, machismo e LGBTfobia e ataques levados a frente pela extrema direita; também combater o autoritarismo do STF, que ora se vira contra os bolsonaristas, ora se vira contra os trabalhadores, deixando bem claro que defende os interesses dos grandes capitalistas; sem nenhuma confiança na conciliação de classes que já expressou de inúmeras formas que é incapaz de atender as demandas dos trabalhadores e da população pobre, mas sim cumpre o papel de fortalecer aqueles que nos atacam.




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