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França | Partido de Macron instrumentaliza a questão do antissemitismo para legitimar o massacre em Gaza

Na França, o partido Renaissance, do atual Presidente Emmanuel Macron, junto ao Les Républicains, de Sarkozy, chamaram uma manifestação “contra o antissemitismo”. Uma tentativa grosseira de instrumentalizar a luta contra o racismo antissemita de forma a legitimar o massacre em curso em Gaza e criminalizar aqueles que recusam a conformar no país uma “unidade nacional”. Os militantes do Révolution Permanente explicam porque não irão marchar juntos com os partidos que hoje também estão votando a favor de uma lei de imigração de brutalidade histórica contra a população racializada e imigrante na França.

sexta-feira 10 de novembro de 2023 | Edição do dia

Foto: TF1 - Yaël Braun-Pivet e Gérard Larcher, presidentes da Assembleia Legislativa e do Senado, respectivamente, defendem uma “grande marcha cívica” contra o antissemitismo na França.

Em uma tribuna publicada no jornal Le Figaro na última terça-feira, a presidente da Assembleia Legislativa, Yaël Brau Numa (do partido Renaissance), e o presidente do Senado, Gérard Larcher (Les Républicains), fizeram um chamado por uma “grande marcha cívica” contra o anti-semitismo, a se dar no próximo domingo, 12 de novembro, em Paris. Um chamado que se baseia na comoção legítima suscitada peloaumento dos ataques a pessoas judias na França e internacionalmente nas últimas semanas, para tentar impor uma “unidade nacional” totalmente reacionária.

Desde 7 de outubro, o interesse do governo francês e da direita no antissemitismo têm fundamento claro: trata-se de explorar esta questão a serviço da criminalização de qualquer apoio à Palestina. Já em 8 de outubro, Élisabeth Borne, primeira-ministra francesa, criticou a posição do partido La France Insoumise, de Mélenchon, afirmando que o “antissionismo” era “às vezes também uma forma de mascarar uma espécie de antissemitismo”.

Posteriormente, Darmanin, ministro do interior da França, continuou a usar o antissemitismo para qualificar atos de apoio à Palestina, como o uso de uma bandeira palestina, buscando ligar artificialmente o antissemitismo a "uma forma de islamismo radical e uma forma de extrema-esquerda". Assim, utilizou deste pretexto para proibir manifestações, nas quais o Estado Francês teve, no entanto, enorme dificuldade em identificar palavras de ordem ou atos antissemitas.

A luta contra o antissemitismo é legítima e fundamental. No entanto, no contexto atual, é claro que a marcha convocada por Yaël Braun-Pivet tem outros objetivos. Não à toa, ela afirmou no décimo sexto dia dos bombardeamentos de Netanyahu, que “nada deveria impedir Israel de se defender”. No domingo, ela, assim como o governo francês e as figuras republicanas presentes, não marcharão contra o antissemitismo, mas pela sua instrumentalização a serviço da defesa da política do Estado de Israel, da islamofobia, da legitimação da repressão da solidariedade com a Palestina. Repressão que hoje tem como alvo organizações políticas, associações, deputados e ativistas que denunciam o massacre em Gaza.

Se fossem necessárias mais provas da manobra, através da qual o governo quer recuperar o controle após a manifestação contra o genocídio de Israel na Palestina que reuniu 60.000 pessoas em Paris, o chamado foi rapidamente acompanhado por todos os partidos políticos de extrema-direita,cujo antissemitismo é evidente.

O Rassemblement National anunciou que irá à manifestação. Este partido, da reacionária Marine Le Pen, foi fundado por ex-SS nazistas, colaboradores do regime de Vichy que governou a França ocupada, e foi dirigido durante muito tempo pelo negacionista do holocausto Jean-Marie Le Pen, que Jordan Bardella insistiu esta semana em reabilitar.

Marine Le Pen, próxima de antigos militantes do GUD (Grupo União Defesa) que manifestaram com os neonazis em Paris em maio passado, chegou a chamar a todos seus eleitores para se juntarem à manifestação. Outros representantes da extrema-direita como Eric Zemmour, que afirmou que “Pétain salvou os judeus franceses”, e Marion Maréchal também estarão presentes, junto a sua comitiva composta por antigos membros da Action Française, do GUD e outros inimigos declarados dos judeus.

A oportunidade serve para estas organizações continuarem a sua operação de “limpeza republicana”, que nas últimas semanas incluiu, mais uma vez, uma exigência incondicional do direito do Estado de Israel a “defender-se”, e uma tentativa de transformar a guerra em curso numa “conflito de civilização” que deveria continuar na França, contra muçulmanos e estrangeiros.

A maioria presidencial pode tentar acobertar a ida da extrema-direita no ato e “deplorar”, pelo porta-voz do governo da França, Olivier Véran, a sua “presença”, mas é evidente que toda a operação do Renaissance contribui para reforçar a legitimidade da extrema-direita. Uma extrema-direita que não hesita em inspirar-se na lei de Imigração do governo Macron que está em vias de passar, levando assim uma histórica ofensiva xenófoba na França.

Numa tal manifestação, não há qualquer perspectiva possível de lutar contra o anti-semitismo. Pelo contrário, esta luta apenas será manchada pela sua associação com a defesa da política do Estado de Israel, que inúmeras vozes judaicas denunciam corajosamente em todo o mundo. Neste contexto, a posição do Parti Socialiste, do Europe Écologie les Verts e do Parti Communiste, que anunciaram que iriam participar na manifestação formando “um cordão republicano” para se distinguirem da extrema direita, é um profundo escândalo, e um novo sinal da integração completa destas forças no autoritário regime francês.

Um endosso “de esquerda” que já podemos prever que permitirá redobrar a criminalização das forças políticas e associações que se recusam a participar nesta farsa. Porque este é o objetivo final da manifestação: endurecer a ofensiva contra aqueles que se recusarão a participar, seja a France Insoumise, a CGT (Confédération GÉnérale des Travailleurs), organizações de extrema-esquerda como o NPA ou o Revolução Permanente, ou coletivos e associações anti-racistas.

Apesar destes ataques previsíveis, é evidente que aqueles e aquelas que sinceramente se preocupam com a luta contra o anti-semitismo, mas também contra o massacre em curso na Palestina, a ofensiva contra os estrangeiros que constitui a Lei de Imigração de Macron e o fortalecimento da islamofobia nas últimas semanas, devem recusar esta unidade nacional reacionária.

Em contraponto à manifestação de “unidade nacional” chamada pelo governo, muitas pessoas estarão presentes neste fim de semana no ato pela Palestina organizado no sábado, às 15 horas, em Paris. Que será, mais uma vez, uma oportunidade para reiterar que a solidariedade com a Palestina nada tem a ver com anti-semitismo, que a luta contra o anti-semitismo enraizado na sociedade, sobretudo europeia, é inseparável da luta contra um Estado que sequestra as palavras dos judeus a serviço de um projeto colonial e genocida inaceitável, e que a luta pela emancipação do povo palestiniano é a condição para a possibilidade de coexistência de judeus e árabes em uma Palestina socialista governada por seus trabalhadores.




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