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GRÉCIA | Parlamento grego vota o "resgate", deixando Tsipras debilitado

Em uma sessão exaustiva, que durou mais de 20 horas, o parlamento grego finalmente votou o "resgate", acordado entre Tsipras e a Troika, que inclui um brutal pacote de privatizações, apoiado pelos partidos da direita. O mal-estar se fez sentir nas ruas com as marchas na praça Sintagma e dentro das fileiras do Syriza, em que Tsipras perdeu a maioria parlamentar.

Juan Andrés GallardoBuenos Aires | @juanagallardo1

sábado 15 de agosto de 2015 | 00:28

Do total de 149 representantes que o Syriza possui no parlamento, 118 votaram a favor do novo memorando, menos que o necessário para poder governar com maioria própria. Isso significa que a votação que terminou nesta madrugada deixa Tsipras às portas do pedido de um voto de confiança para manter-se no governo, ou, na ausência deste, de chamar eleições antecipadas.

Embora a votação do pacote de "resgate" tenha sido aprovada por 222 votos a favor, 64 contra e 11 abstenções, o governo de Tsipras segue profundamente debilitado pela crise dentro de seu próprio partido. Assim como nas últimas votações, Tsipras apoiou-se nos votos da oposição de direita da Nova Democracia e To Potami (além do PASOK), enquanto o apoio dentro do Syriza foi diminuindo. Na votação de ontem, 47 de seus deputados se pronunciaram contra (mais de 30 pelo não, 11 abstenções e 1 ausente).

O acordo aprovado pelo parlamento grego, que deverá ser referendado nesta sexta-feira pelos ministros de finanças do Eurogrupo, exige um programa de privatizações em tempo recorde e sua auditoria no mês de Outubro para liberar uma primeira parte do "resgate", que deveria ser de 85 milhões de euros durante os próximos três anos. O rascunho do documento aprovado por Tsipras e pela Troika inclui a privatização em um prazo de seis meses dos principais portos (Piraeus e Tessalônica), da rede de energia elétrica, dos aeroportos regionais e da rede de ferrovias, entre outros. Com essas medidas, pretende-se arrecadar em torno de 6,4 mil milhões de euros nos próximos anos. No entanto, não são poucos os analistas que preveem que essas empresas vão terminar se vendendo a preços irrisórios, submergindo ainda mais os trabalhadores e o povo grego na pobreza.

A magnitude da entrega desse terceiro memorando é tal, que o debate parlamentar foi atormentado por grosserias e acusações políticas e pessoais entre as distintas bancadas e também no interior do Syriza. Ao mesmo tempo, na praça central Sintagma, milhares de manifestantes pronunciavam-se contra o memorando e o novo plano de ajustes.

Tsipras na corda bamba

Em um cínico discurso antes de começar a votação, Tsipras defendeu a decisão de aceitar o programa de privatizações, aumento de impostos e corte de gastos sociais, com o argumento de que teriam de escolher entre "seguirem vivos ou o suicídio", e acrescentou "Não lamento a decisão. Não estamos exultantes, mas tampouco em luto. Tenho a consciência limpa porque é o melhor que pudemos lograr, frente ao atual equilíbrio de poderes na Europa e às condições de asfixia econômica e financeira que impuseram a nós."

O resultado é que o Syriza, que se apresentou como um governo anti-austeridade (para não falar em um governo de esquerda), terminou sendo o governo da austeridade, aprovando um memorando ainda pior que os anteriores e hipotecando o futuro da Grécia.

Com essa votação parlamentar, Tsipras logrou um triunfo que lhe trouxe mais danos do que conquistas. Fazendo o "trabalho sujo da direita" e com o memorando aprovado, agora se vê obrigado a chamar um voto de confiança para manter-se no governo e em uma situação de extrema debilidade. Em apenas sete meses, não só ganhou as eleições e traiu seu programa de governo original, como também traiu os milhões de gregos que, em massa, votaram pelo Não (OXI) ao acordo com a Troika no início de Julho. Já feito o trabalho sujo, a bancada do opositor Nova Democracia, que aprovou o memorando apresentado por Tsipras, disse que não lhe daria seu apoio parlamentar, o que o deixaria à mercê de um chamado a eleições antecipadas, com futuro incerto.

A votação desta sexta expressou as fortes tensões no interior do Syriza, que já vinha de uma reunião do Comitê Central, há duas semanas, na qual Tsipras havia se imposto sobre a Plataforma de Esquerda do partido, que pedia a convocatória urgente a um congresso para discutir as linhas do governo. O Comitê Central finalmente resolveu chamar um congresso partidário, mas para Setembro, isto é, quando tiverem sido aprovados todos os acordos com a Troika no parlamento. Apesar dessa resolução, nenhum dos membros da Plataforma de Esquerda (encabeçada pelo ex-ministro de energia, Lafazanis), nem de outros setores críticos, abandonou o Syriza. Em prol da "unidade", preferiram permanecer dentro do partido, ainda que, à luz da votação de ontem, exista a possibilidade de que, para Setembro, o Syriza ou não seja governo, ou tenha formado uma nova coalizão para transformar-se abertamente no governo do ajuste.

O chamado a uma frente anti-austeridade e anti-memorando

Na quinta-feira, antes de se iniciar a votação parlamentar, o periódico eletrônico Iskra (porta-voz da Plataforma de Esquerda) publicou uma declaração assinada por uma dezena de dirigentes, entre os quais se encontram os da Plataforma de Esquerda, das organizações fundadoras de Antaryza (Aran e Aras), ex-membros do Partido Comunista (PPK) e do Partido Socialista (PASOK), entre outros. Nessa declaração, chama a conformação de comitês para levar até o final a luta pelo Não, expresso no referendo de 5 de Julho, para lutar contra a austeridade e o acordo com a Troika. Entretanto, o texto que chama a mobilização para enfrentar o memorando não especifica ao menos um programa claro ou um plano de ação para levá-lo adiante. Faz apenas uma referência à luta por "democracia e justiça social na Grécia", esta ainda mais deixada de lado do que o programa de Tessalônica que o Syriza havia aprovado como plano de governo antes de assumir. Como se poderia lutar até o final contra a austeridade com organizações que não estão dispostas a deixar de ser parte do partido do que está aplicando o ajuste?

Stathis Kouvelakis, porta-voz da Plataforma de Esquerda, reforça esse chamado, dizendo que se trata de uma "Frente pelo Não", sem tocar minimamente nesses aspectos. Não vê nenhuma contradição em que sua organização permaneça dentro do Syriza, ao mesmo tempo em que chamam a enfrentar a austeridade. Pelo contrário, considera essa convocatória "o primeiro passo até a constituição de uma nova frente política que possa reagrupar todas as forças da esquerda radical que se oponham ao novo memorando e ao giro neoliberal do governo do Syriza".

Sem dúvida, é necessário organizar toda a energia expressa em anos de lutas, dezenas de paralisações gerais, e materializada no retumbante voto pelo Não de Julho passado. Porém, a luta por um "Não até o final" não pode apagar as lições que o governo do Syriza já deixou. A conformação de meras frentes anti-austeridade, sem programas claros, sem chamar os trabalhadores, nem convocar uma greve geral contra os ajustes, não seria mais do que repetir a tragédia do Syriza.




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