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Tragédia capitalista | Mapas, pesquisas, doações, abrigos: a potência da UFRGS no combate à crise do RS

Diante da catástrofe ambiental no RS com mais da metade das cidades do estado completamente debaixo d’água, centenas de milhares de desabrigados e a total incapacidade do Estado de responder estruturalmente a essa situação, inúmeras ações de solidariedade estão sendo organizadas pela própria população. Em especial alunos, professores e técnicos da UFRGS estão dando exemplo através de várias iniciativas que mostram o potencial da universidade quando seu conhecimento serve para atender as necessidades da população. É isso que a UFRGS deve fazer nesse momento, potencializando essas e outras iniciativas sob controle dos estudantes e trabalhadores, ao invés de ter aulas normais como se nada estivesse ocorrendo.

Giovana PozziEstudante de história na UFRGS

terça-feira 7 de maio | Edição do dia

Estamos atravessando uma crise histórica no estado do Rio Grande do Sul. Os dados de mortos e desaparecidos não param de subir. Oficialmente até o momento são mais de 90 mortes confirmadas, mais de 130 desaparecidos, outras quase 300 pessoas feridas, 19 mil em abrigos e simplesmente quase 122 mil pessoas desalojadas. Ao mesmo tempo, são quase 900 mil imóveis sem água no RS e ao menos 443 mil sem energia elétrica, totalizando mais de 1 milhão de pessoas afetadas de alguma maneira pelas enchentes. Os dados são alarmantes, as cenas vistas em fotos e vídeos são chocantes e ainda mais presencialmente. O cenário é de colapso, tristeza e revolta.

Em meio a tudo isso, muitas ações de solidariedade estão sendo organizadas pela população, desde o auxílio nos resgates até a doação, triagem e entrega de mantimentos, roupas, colchões e tudo que está sendo solicitado nesse momento para os desabrigados. Chamou atenção nos últimos dias várias dessas ações sendo feitas por estudantes e também técnicos grevistas da UFRGS. Para citar algumas. Um aluno da UFRGS criou uma plataforma que agrupa todas as informações essenciais, desde os pontos de abrigos, resgates, números para pedir ajuda e mapas informativos (informações que estavam todas espalhadas em grupos de whatsapp com informações contraditórias entre si, sem que o Estado desse conta de simplesmente planificar todas as informações importantes à população, algo essencial que foi feito não pelo governo, mas sim por um aluno da UFRGS). Também há estudantes do curso de farmácia fazendo coleta e distribuição de remédios; assim como vários outros de diversos cursos, junto aos técnicos grevistas, estão empenhados no auxílio aos abrigos e doações, produzindo centenas e até milhares de marmitas diariamente. O Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS tem sido responsável pela produção de mapas e previsões mais corretas diante da situação, setor que inclusive já vinha avisando o risco dessa enchente ocorrer devido às fortes chuvas que estavam sendo indicadas, mas foram sumariamente ignorados pelos governos. A UFRGS também liberou todas suas embarcações para auxiliar nos resgates e o campus da ESEFID está servindo como ponto de acolhimento.

Esses são alguns dos exemplos do que a UFRGS já está fazendo e, na maioria dos casos, sem nenhum tipo de orientação oficial para isso, mas sim por iniciativa voluntária dos estudantes e trabalhadores (vários em greve, inclusive, deixando mais gráfico do que nunca que a luta dos grevistas é em defesa da educação e de melhorias nos direitos ao conjunto da população e não contra ela, como os governos e a grande mídia tentam fazer parecer). Agora imaginemos se toda produção de conhecimento, recursos materiais, tecnológicos e humanos que existem na UFRGS estivessem girados nesse momento para atender todas as necessidades da população atingida e, a médio prazo, auxiliar também no processo de reconstrução das cidades? As iniciativas já muito boas que existem seriam potencializadas em mil e estaríamos produzindo um conhecimento útil às demandas sociais, não para a iniciativa privada que em muitos cursos coloca suas garras nas pesquisas universitárias, como a exemplo da Tramontina, da Gerdau, da agente genocida Elbit Systems, entre outras.

O curso de agronomia, por exemplo, ao invés de servir como pesquisa exploratória a setores do agronegócio gaúcho, um dos principais responsáveis pelo desmatamento que causa eventos climáticos extremos como o que estamos vivendo, poderia estar servindo para desenvolver um tipo de agricultura sustentável e não predatória, sem o uso de agrotóxicos, que seja harmônica com o meio ambiente e planejada de acordo com as necessidades reais da população, não do lucro. Já o curso de arquitetura em parceria com cursos de engenharia poderiam auxiliar no mapeamento dos imóveis vazios (em 2022 beirava os 605 mil em todo estado do RS) que poderiam servir para abrigo e uma redistribuição racional das moradias, junto de uma reforma e reestruturação da arquitetura urbana, hoje pensada para o lucro das grandes construtoras e não para o bem-estar da população e do meio ambiente. A tecnologia existente e produzida em diversos cursos da Universidade poderia auxiliar no desenvolvimento inteligente para o melhor funcionamento das casas de bombas d’água e da rede elétrica da cidade, o que vai contra o sucateamento e privatização ocorrida nesse último período no estado com a entrega da CEEE e da Corsan (mais a tentativa de venda do DMAE) ao setor privado. Os cursos de saúde possuem muitos recursos humanos para girar tudo ao atendimento dos atingidos pelas enchentes, enquanto os cursos de humanas podem cumprir o papel de registro histórico e sociológico para compreender os impactos sociais a curto, médio e longo prazo, além de diversos estudos demográficos, topográficos e antropológicos que podem ser feitos. Os espaços físicos da universidade poderiam ser bem mais aproveitados, desde os laboratórios até o uso dos carros da UFRGS para realizar as entregas de doações. Esses são apenas alguns exemplos que poderiam se multiplicar com mais cabeças pensando junto e com as ferramentas e recursos necessários à disposição, que poderiam se expandir não apenas para agir nesse momento, mas também quando for necessário reconstruir cidades inteiras após a água baixar.

Medidas como essas por certo não virão como portaria da reitoria. Não esperamos nada de Bulhões nem da estrutura de poder antidemocrática que hoje rege a UFRGS, responsáveis (junto de todas as reitorias que antecederam essa) por manter a ingerência da iniciativa privada dentro da universidade - incluindo os acordos com a AEL Sistemas, subsidiária da Elbit Systems responsável por construir tecnologia para massacrar o povo palestino. Os únicos que podem levar uma proposta como aquela até o final, para que o conhecimento produzido dentro da UFRGS esteja a serviço de atender as necessidades da classe trabalhadora e da população pobre, são os próprios estudantes auto-organizados juntos dos técnicos, professores e terceirizados. Não queremos ter aulas, avaliações, TCCs normalmente (como alguns professores estão tentando fazer acontecer) enquanto a maior tragédia da história do estado está ocorrendo. Os governos estão se mostrando totalmente incapazes de resolver estruturalmente a crise social e climática que vivemos, já que foram estes os responsáveis, junto do agronegócio, pela catástrofe ambiental que vivemos. O governo Leite e o prefeito Melo privatizaram e sucatearam todos os serviços públicos que hoje estão beirando o colapso diante das enchentes enquanto o governo de Lula-Alckmin faz demagogia com o discurso ambiental e na prática fortalece setores do próprio agronegócio, flexibilizando leis ambientais. Ou seja, a resposta precisa vir de baixo, da juventude auto-organizada em unidade com a classe trabalhadora.

Por isso as entidades estudantis e sindicais precisam, além de prestar auxílio aos estudantes e trabalhadores atingidos de alguma maneira pela crise, organizar essa base da UFRGS, que quer fazer algo (e já está fazendo!) diante da tragédia que acomete o estado. Que sejam construídas brigadas populares dentro da universidade, com independência da reitoria e do Estado, para impulsionar a auto-organização e através disso traçar uma estratégia de luta que enfrente os governos capitalistas e o agronegócio, responsáveis pela crise que vivemos. Organizar os estudantes pela base em unidade com os trabalhadores é central porque também será a única via de impor a revogação de todos os cortes na educação aplicados até aqui, assim como a revogação integral do arcabouço fiscal (pauta central da greve dos técnicos administrativos das Federais que já chega a quase 2 meses em luta), pois estes são ajustes fiscais que afetam centralmente os recursos e o funcionamento da universidade.

Diversos estudantes, professores e pesquisadores da UFRGS já vinham avisando há tempos sobre o avanço a passos largos da crise ambiental e o risco de eventos climáticos extremos ocorrerem com cada vez mais frequência. Os governos capitalistas se mostram incapazes de resolver essa crise, pois são produto e pilares estruturais do sistema que lucra com o desmatamento, as queimadas, o garimpo ilegal, entre outras mil práticas predatórias que destroem o meio ambiente, o levando ao colapso. É preciso puxar o freio de emergência e isso o discurso verde demagógico da ONU, das potências imperialistas e mesmo da frente ampla com Lula-Alckmin no Brasil não é capaz de fazer. Não é possível defender que eventos como esse não voltem a acontecer e, ao mesmo tempo, abraçar os setores do agronegócio despejando milhões em suas contas com o Plano Safra ou abrindo as portas do governo a esses setores como Carlos Fávaro no Ministério da Agricultura. Que os exemplos de solidariedade ativa dos estudantes e trabalhadores da UFRGS sejam o impulso para construirmos uma alternativa com independência de classe que responda com um programa anticapitalista ao problema da crise ambiental.

É em base a essas reflexões que nós da Faísca Revolucionária defendemos a manutenção da suspensão das atividades acadêmicas da UFRGS, sem prejuízo no calendário aos estudantes e aos professores, e o giro imediato de nossa produção de conhecimento para pensar medidas de combate à crise no RS.




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