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“Aquele que aceita passivamente a dominação compulsória de seus impulsos sexuais não se importará em encontrar pessoas reprimidas e dominadas. (...) Ele está preparado para adotar sem problemas o papel de dominador e/ou dominado”.Manifiesto ‘Sexo y Revolución’, 1973, Frente de Liberación Homosexual (FLH)[1]

Adriano FavarinMembro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

terça-feira 7 de abril de 2015 | 00:14

Opressão e dominação: os fatores por trás da submissão

Partimos de que vivemos no sistema capitalista, no qual a produção serve para o benefício de uma classe dominante, a burguesia. O interesse dessa classe é estabelecer a dominação sobre o resto da humanidade. Para isso, moldam com mecanismos ideológicos e instituições sociais os atos de todos os indivíduos para assegurar a exploração da força de trabalho. Esse vínculo entre a estrutura de exploração e a ideologia cotidiana faz com que cada ato, privado ou público, termine sempre cumprindo uma função política.

O ser humano é o animal cujo processo de aprendizado (infância) é o mais prolongado, requerendo uma instituição social específica encarregada de sustentá-lo e orientá-lo durante esse processo. Essa instituição é a família. Porém, contraditoriamente ao papel de sustentadora do novo indivíduo, a família, como base da sociedade, reproduz todas as suas características e produz seres humanos condicionados ao atual sistema de exploração e alienação do trabalho.

Família: o Estado opressor na sua expressão mais direta

Na estrutura familiar tradicional, o homem – detentor do poder econômico e político – estende o seu domínio para todas as relações familiares, inclusive sexuais. A mulher continua submetida às tarefas do lar e à escravidão doméstica, e ainda que a autoridade do homem tenha diminuído relativamente com a inserção da mulher no mercado de trabalho, o núcleo de opressão continua intacto, buscando manter a mulher como objeto de prazer e reprodução.

A sexualidade infantil, ainda que objetivamente exista, continua sendo negada pela ideologia do sistema. Essa negação, potencialmente reprimida pela condição social da criança como objeto de posse dos pais, funciona na prática como uma mutilação. A potencial energia sexual do indivíduo é desviada desde a infância para a meta social do trabalho alienado a partir da: 1) castração da sexualidade, que introduz e naturaliza a dominação/submissão na mente e na intimidade do ser humano; 2) redução da sexualidade somente aos órgãos genitais, direcionando o resto do corpo somente para o trabalho alienado.

Conforme o capitalismo se desgasta devido às suas próprias contradições internas e vai revelando toda a miséria econômica, social e sexual, esse esquema vai mudando sua rigidez e sendo reorganizado. Na falta de uma plataforma revolucionária, porém, o próprio sistema se recicla mantendo as mesmas bases, mas proporcionando satisfações ilusórias ou substitutivas, na qual o sujeito deixa de ser um alegre ator de suas fantasias e se torna mero espectador: como exemplo, a massificação e variedade da indústria pornográfica.

Trans e Homossexualidade: os bodes expiatórios

Assim sendo, aqueles indivíduos que não cumprem com o papel sexual estabelecido não apenas desafiam o sistema como também desmentem a pretensão dominante de naturalizar a ordem social exploradora. Tanto é assim que aqueles que violam suas leis escritas ou sua moral e tradição pregada não recebem somente a culpa como sanção, mas são também penalizados através do próprio aparato repressivo do Estado: polícia, justiça e milícias paramilitares. Os setores LGBT’s são então os bodes expiatórios dessa repressão sexual, sobre os quais recaem os castigos mais severos e imediatos.

No início do “movimento gay”, na década de 60, os LGBT’s não reivindicavam nada mais do que a liberação de todas as possibilidades da libido humana, mutiladas pelo sexismo e machismo social. Buscavam retornar ao sexo a sua função primordial de unir os seres humanos de forma constantemente renovada e criativa e não reduzida a somente uma de suas possibilidades: a reprodução.

Posteriormente, a partir da década de 80, o próprio sistema reestruturou suas bases de modo a absorver a “visibilidade” e o “orgulho” gay como nichos de mercado, garantindo um restrito espaço político e de sociabilidade para uma pequena parcela de LGBT’s, retirando do movimento todo o seu caráter socialmente questionador e de ruptura para domesticá-lo, reduzindo-o à reprodução da mesma estrutura patriarcal heteronormativa. A prova da cooptação de grande parte dos setores LGBT’s pelo sistema está na aceitação passiva da ideologia determinista de que a dicotomia (homo ou hétero) seria algo inato e biológico e não que a dessexualização do corpo humano e sua limitação seja algo construído socialmente.

Porque uma organização proletária pela liberdade e diversidade sexual?

Como demonstrado, a perseguição e marginalização que sofrem aqueles que não estão dispostos a exercer apenas uma das formas da sexualidade têm uma raiz claramente politica. O sexo mesmo é uma questão política. Nessa medida, a libertação aqui postulada não pode ter lugar dentro de um sistema econômico de dominação, tal como o é o capitalismo. Também não é possível uma revolução que liquide somente as bases econômicas e políticas do sistema. Se a luta pela liquidação de suas bases ideológicas sexistas não forem tomadas simultaneamente o sistema de opressão se reproduzirá automaticamente depois da revolução.

As mulheres, os trans e homossexuais são os setores que padecem mais violentamente dessa repressão discriminatória do sistema, e que é internalizado pela maioria da população, inclusive trabalhadora. Os homens que se identificam heterossexuais possuem uma condição mais favorecida dentro da sociedade, com mais direitos, e são educados dentro da família, da escola, e pela mídia para assumirem um papel de opressor e dominador. Mas a partir do momento em que estiverem dispostos a reconhecer essa situação e renunciar dos valores impostos culturalmente pela sociedade de dominação, escolhendo exercer um questionamento revolucionário desta sociedade também na esfera da moral burguesa e na atividade cotidiana privada, individual e interna, devem participar da organização e militância para integrar no processo de luta sindical, político e revolucionário as reivindicações específicas dos setores trans e homossexuais e das mulheres.

Essa organização deve ter um conteúdo anti-capitalista, anti-imperialista e anti-autoritário que busque subverter a estrutura ideológica intimamente internalizada pelos membros dessa sociedade que sustenta a dominação da mulher e do homem pelo homem. Cada homossexual, mulher e verdadeiro revolucionário esta chamado a questionar cada padrão e norma estipulada pelo sistema de exploração capitalista, sendo parte ativa e militante em combater os preconceitos condicionados sobre a classe trabalhadora e a população que constituem uma trava para o desenvolvimento de uma revolução sem retrocessos.


[1] O artigo foi baseado nesse “Manifiesto...” de 1973, que segue sendo extremamente atual, e também em considerações próprias do autor.




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