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ENTREVISTA | Eleições Portugal: Por que a direita e a extrema-direita se fortaleceram?

Após oito anos de governo do Partido Socialista, as eleições em Portugal neste fim de semana viram a vitória da direita, bem como um avanço sem precedentes da extrema direita. Andrea Carvalho, correspondente em Portugal, analisa as razões desta virada.

sexta-feira 22 de março | Edição do dia

Andrea Carvalho é correspondente em Portugal para o site Révolution Permanente da França, parte da Rede Internacional do Esquerda Diário. Publicamos abaixo a tradução da entrevista que lhe foi realizada, na qual ela analisa os resultados das eleições de domingo.

Qual é o panorama geral em que estas eleições ocorreram e em que sentido elas marcam um ponto de inflexão em Portugal, após oito anos de governo do Partido Socialista?

Andrea Carvalho: Esta madrugada de apuração de votos foi a mais longa e incerta da história recente de Portugal. Até o último momento, a "Aliança Democrática" - a coalizão de direita que se proclamou vitoriosa nessas eleições - esteve lado a lado com o Partido Socialista. A Aliança Democrática conseguiu finalmente eleger 79 deputados, enquanto o Partido Socialista (PS) segue logo atrás, com 77 deputados. Essa distribuição de assentos na Assembleia não é completamente definitiva, pois ainda estamos aguardando os resultados da votação dos portugueses no exterior, que representam 4 assentos.

Embora os dois partidos de centro estejam muito próximos, é, no entanto, uma vitória objetiva para a direita. O PS reconheceu sua derrota, uma vez que aos 79 deputados da Aliança Democrática somam-se também 8 deputados da "Iniciativa Liberal", partido ultraliberal que já anunciou que assinaria um acordo parlamentar com a Aliança Democrática. Mas, acima de tudo, a extrema direita representada pelo partido Chega, que se tornou a terceira força política, com 48 deputados, quadruplicando assim sua representação na Assembleia. Eles haviam obtido 12 deputados em 2022 e agora estão com 48. Portanto, a Assembleia se inclinará principalmente para a direita, ou mesmo para a extrema direita.

Portanto, estas eleições marcam o fim de oito anos de governo do Partido Socialista e um forte retorno da direita, do qual já podemos fornecer alguns elementos do programa. Luís Montenegro, o provável futuro Primeiro-Ministro, vem das fileiras do partido social-democrata, o PSD [que lidera a coalizão Aliança Democrática], que é a direita tradicional portuguesa. Até agora, ele era líder da oposição ao Partido Socialista e presidente do grupo PSD no parlamento, especialmente durante o governo de direita de Pedro Passos Coelho entre 2011 e 2015. Seu mandato foi marcado pela intervenção da Troika e por medidas de austeridade, ataques aos direitos trabalhistas e privatizações muito importantes. Luís Montenegro vem dessa tradição política.

Os diferentes partidos de direita têm apoiado amplamente, ao longo desta campanha, um programa neoliberal destinado a reduzir ainda mais os encargos fiscais para os grandes empresários e grandes empresas portuguesas, especialmente nos setores da indústria, finanças e imobiliário. Outro tema forte da campanha da direita foi a questão da abertura à privatização dos serviços públicos, em particular da saúde e educação, que estão em crise devido às diversas medidas de austeridade aplicadas ao longo dos últimos anos.

A despeito desta clara vitória, o próximo governo promete ser muito instável devido à falta de maioria absoluta da direita, o que, entre outras coisas, tornará extremamente difícil aprovar os orçamentos anuais necessários para governar. Uma pergunta que surgiu ao longo da campanha foi se haveria um acordo pós-eleitoral entre a direitista Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal com o ultradireitista Chega. Até agora, Luís Montenegro disse e reiterou que é contra e que é uma linha vermelha para ele. Ele repetiu isso em seu discurso de vitória. No entanto, ele terá que chegar a acordos em um Parlamento que contará com 48 deputados de extrema direita, sabendo que o PS, por sua vez, se opôs a votar os próximos orçamentos da direita. Portanto, o governo já se encontrava em um tipo de impasse. Para alguns comentaristas, surge a questão de se nos próximos meses Portugal não será obrigado a organizar novas eleições legislativas.

Qual é o balanço do Partido Socialista depois de 8 anos no poder? Ao que se deve sua derrota?

Andrea Carvalho: Em primeiro lugar, devemos lembrar que estas eleições legislativas estão sendo realizadas antecipadamente: as últimas eleições legislativas ocorreram em 2022. O primeiro-ministro socialista António Costa viu-se obrigado a renunciar após uma investigação sobre suspeitas de corrupção contra um membro de seu governo e membro de seu gabinete político.

Para o PS, estas eleições representam uma derrota significativa: eles passaram de uma posição em que, em 2022, haviam conseguido conquistar a maioria dos assentos na Assembleia, para uma eleição em que estão em segundo lugar, obrigados a liderar a oposição. Esta derrota se deve a vários fatores, mas principalmente ao cansaço geral dos eleitores portugueses em relação ao Partido Socialista, que foi afetado nos últimos meses por uma série de escândalos.

Mas além desses escândalos, também marca o fim de um ciclo que tem sido marcado nos últimos anos por uma deterioração na qualidade de vida dos trabalhadores, das camadas mais precárias da sociedade e dos jovens. Em Portugal, há uma grande preocupação com o poder de compra e os salários. Embora tenham aumentado ligeiramente nos últimos anos, esse aumento está longe de compensar o impacto da inflação que tem afetado duramente o país.

A essa situação se soma uma crise imobiliária significativa: nas grandes cidades, os preços dos aluguéis dispararam nos últimos anos, especialmente em Lisboa. Após a crise financeira, o governo socialista liderado por António Costa implementou uma política para incentivar o capital estrangeiro a investir pesadamente em imóveis em Portugal, o que saturou o país com investidores estrangeiros com um poder de compra muito maior do que o dos portugueses. Além disso, há uma forte política de promoção do desenvolvimento turístico, o que levou a que uma proporção de moradias destinadas ao turismo atinja quase 80% em determinadas áreas da capital. Essa situação resulta em uma oferta de moradia muito limitada e, consequentemente, um aumento considerável nos aluguéis, tornando quase impossível para um jovem encontrar um alojamento decente em Lisboa. Por exemplo, um apartamento de dois quartos custa cerca de 1.000 euros, enquanto o salário mínimo em Portugal é de 850 euros. Portanto, o descontentamento social é muito evidente. Muitos jovens portugueses estão considerando emigrar, especialmente os jovens graduados.

Ao que se pode atribuir o avanço da extrema-direita nestas eleições?

Andrea Carvalho: Esta situação de descontentamento generalizado foi um terreno muito fértil para a extrema direita portuguesa, completamente marginalizada durante décadas em Portugal, até o surgimento em 2019 do partido Chega, liderado por André Ventura, que é o primeiro deputado de extrema direita a ser eleito membro do Parlamento português desde a Revolução dos Cravos de 1974. A revolução, que derrubou o regime autoritário de Salazar, permitiu, em particular através de processos de auto-organização de trabalhadores e camponeses, purgar o país da extrema direita.

Esse ressurgimento da extrema direita com o Chega baseou-se principalmente no voto de protesto, principalmente nas zonas semiperiféricas do país, cada vez mais precárias e lutando para viver do fruto de seu trabalho. O Chega aproveitou esse ressentimento para surgir e crescer, especialmente em torno de um discurso particularmente xenófobo que pretende apontar a imigração como responsável por todos os males do país.

Outro aspecto muito preocupante é que o Chega capitaliza muito o voto jovem. Segundo um estudo recente, os jovens portugueses, ao contrário de seus idosos, têm muito mais probabilidade de votar em partidos de extrema direita e especificamente no Chega, devido à sensação de que os anos de governo socialista não trouxeram nenhuma melhoria significativa na vida dos jovens. André Ventura é também uma personalidade, um fenômeno político e midiático particular, de estilo bastante rude, que incorpora uma forma de "radicalismo" em sua maneira de ser, o que atrai um setor dos jovens.

Qual foi o papel da denominada “extrema-esquerda” nos anos de governos socialistas e quais são as perspectivas para os anos vindouros?

Andrea Carvalho: Para contextualizar isso, em 2015 o Partido Socialista chegou ao poder com o apoio da esquerda radical. Na verdade, durante as eleições legislativas daquele ano, não foi o Partido Socialista que venceu, mas a direita, embora não tenha conseguido a maioria parlamentar. Assim, o Partido Socialista e os partidos de esquerda mais radicais, como o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, formaram uma aliança parlamentar com o objetivo de permitir que o centro-esquerda governasse e evitar um segundo mandato da direita. Esse período aconteceu após quatro anos de governo de direita de Pedro Passos Coelho, marcados por medidas de austeridade muito severas, mas também pelas maiores manifestações desde a revolução contra a troika e a austeridade, lideradas por jovens precários.

Entre 2011 e 2013, Portugal vivenciou vários movimentos sociais contra a austeridade e o governo de Pedro Passos Coelho, acompanhados por dias de greve nacional. Naquela época, era principalmente o Partido Comunista que liderava as maiores centrais sindicais do país. No entanto, esses movimentos se limitaram a greves pontuais em certos dias, sem buscar estender o movimento no tempo ou dialogar com toda uma geração de trabalhadores precários não sindicalizados, especialmente entre os jovens que se organizavam contra o trabalho precário. Esse movimento acabou perdendo força, levando, em 2015, a uma forte capitalização desse descontentamento social pelos partidos da esquerda radical, em particular pelo Bloco de Esquerda. Este último até se tornou a terceira força política durante as eleições legislativas, o que resultou em um acordo com o Partido Socialista.

Quanto aos resultados deste período de aliança, muitas vezes os eleitores de esquerda e extrema esquerda os reivindicam em uma lógica de "mal menor". Isso permitiu bloquear a chegada ao poder da direita após anos de austeridade, e algumas medidas progressistas foram implementadas, como um leve aumento do salário mínimo e a restituição de certos feriados eliminados durante o período da Troika. No entanto, é importante notar que esta aliança não questionou todas as medidas estruturais implementadas pela burguesia portuguesa, como os ataques à legislação trabalhista, os acordos coletivos do setor e o congelamento de carreiras no serviço público.

Essa aliança também colocou a esquerda radical em uma posição de subordinação à agenda política neoliberal do Partido Socialista, o que contribuiu para sua reeleição em 2022, ao contrário da maioria dos outros partidos socialistas na Europa, que estão morrendo por causa de suas políticas neoliberais. Durante esse período de governo "de esquerda", os movimentos sociais diminuíram, e os partidos de esquerda capitalizaram o descontentamento em um terreno eleitoral e parlamentar, em vez de se organizar e desempenhar um papel na luta de classes. Hoje em dia, esses partidos aparecem muito pouco como oposição às políticas do Partido Socialista, mas sim como apoio, o que explica por que as áreas rurais e empobrecidas que antes eram bastiões do Partido Comunista, como o sul de Portugal, estão sendo cooptadas pela extrema direita.

Em termos de representação política, a esquerda radical manteve aproximadamente o mesmo número de assentos no Parlamento, embora o Partido Comunista tenha perdido alguns deputados e um novo partido, o LIVRE, mais social-democrata, tenha ganhado assentos. No entanto, Portugal ainda carece de um partido com uma política verdadeiramente independente, de classe, capaz de organizar trabalhadores e jovens no campo da luta de classes para propor soluções da classe trabalhadora para problemas sociais urgentes, como educação, habitação, saúde, salários, sem ilusões sobre o impasse das estratégias eleitorais e parlamentares.

Apesar do período de relativa estabilidade política, a situação social continua tensa, com uma juventude precária e questões sociais explosivas como a habitação. Portanto, não devemos subestimar a possibilidade de novas explosões sociais nos próximos meses e o desafio que surge das forças políticas que se desafiam a si mesmas a intervir corajosamente para reconstruir as organizações revolucionárias.




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