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O Syriza está perante o momento mais difícil do seu governo. O método predileto do Banco Central alemão. Em questão a política de contenção do movimento de massas. Conselhos de Larry Summers. O caráter efêmero das missões redentoras do capital.

Paula BachBuenos Aires

terça-feira 23 de junho de 2015 | 00:01

Como afirmamos no sábado passado, a eventual saída da Grécia da Eurozona é uma das vulnerabilidades que ameaçam a imagem de calma na economia mundial. A negociação do Syriza com a Troika chegou, nos últimos dias, a um ponto extremamente crítico. Depois do fracasso da última reunião com o Eurogrupo a fuga de depósitos dos bancos gregos se acelerou e, se continuar no ritmo atual, em poucos dias o sistema financeiro estaria diante de uma bancarrota. Em 30 de junho vence o mal chamado programa de “resgate” firmado pelo governo anterior, enquanto se acumulam novos e velhos vencimentos da dívida com o FMI. Se o governo não chega a um acordo com a Troika ante desta data não disporia da última liberação do “resgate”, o que impediria garantir os pagamentos. Para segunda-feira foi convocada, de emergência, uma nova roda de discussão. Por sua vez, o Banco Central Europeu (BCE) aceitou o pedido da Grécia para ampliar as linhas de liquidez e emergência numa quantidade tal que permitiria evita a quebra até a próxima reunião.

Movimento de pinça

O BCE, o FMI e a União Europeia preparam um dispositivo macabro, com o qual apertam, por um lado, a Grécia na mesa de negociação e, por outro, a asfixiam no “território”. Com as concessões já feitas pelo Syriza, a Troika exige um superávit fiscal que seria obtido cortando as aposentadorias e aumentando o [imposto sobre consumo] IVA. Na medida em que o governo se nega a acelerar a retirada de depósitos dos bancos, prevendo uma provável bancarrota e alimentando o fantasma de um eventual controle de capitais e saída da Grécia do Euro.
Quando se espera que o sistema financeiro se afogará, o BCE libera alguns bilhões de euros para evitar o “Grexit” até a próxima negociação agendada. No “ momento oportuno”, o Banco pode se negar a ampliar a linha de liquidez para exigir a rendição total. É o método predileto do Bundesbank (Banco Central da Alemanha). A última vítima foi Chipre, em 2013. Naquela oportunidade o BCE impediu o acesso dos bancos cipriotas ao financiamento de emergência, assim o governo – que se negava a aceitar os termos do “resgate” – acabou tendo acesso em troca de uma reestruturação da dívida. Ainda que o método se pareça, neste caso a questão é incomparavelmente mais complexa. Não se trata de qualquer governo, mas justamente do governo do Syriza que, apesar de notavelmente ter rebaixado seu programa – abandonando o não pagamento da dívida para a reestruturação –, ganhou as eleições prometendo o fim da austeridade. Não apenas o Syriza tem que enfrentar as ilusões de importantes setores operários e do movimento de massas que depositaram sua confiança, não só enfrenta alas resistentes “a entregar tudo” dentro do próprio governo, como enfrenta a Troika que, para afugentar qualquer contágio, deseja deixar bem claro que toda tentativa de frear a austeridade está condenada ao fracasso.

Papel apaziguador

Tudo indica que [o primeiro-ministro] Tsipras está muito disposto a novas concessões. Por meio do coordenador da equipe de negociação grega, Tsakalotos – que substituiu o aparentemente “irritante” ministro das Finanças Varoufakis – se conheceu sua intenção de “reformar” as aposentadorias, sem “cortá-las”. E o que significa a reforma? Nada mais, nada menos que um corte, porém programado para um futuro distante das promessas eleitorais, em troca de uma reestruturação da dívida. A Troika, por sua parte, está empenhada em impedir as mais simples ilusões do movimento de massas. O papel apaziguador que o Syriza se propõe está em questão. Se Tsipras cede completamente à Troika se arrisca a retroceder todas as posições avançadas. Poderia provocar a indignação dos seus eleitores, sem descartar possíveis rupturas em suas tropas. Se a Troika aceita que o Syriza não cruze – ao menos por agora – o que se considera a nova “linha vermelha” das suas promessas eleitorais, se arrisca a que o exemplo seja copiado pelos países meridionais da Eurozona que estão em más condições. Trata-se de uma negociação in extremis. Num cenário no qual nem Tsipras nem a Troika parecem desejar uma ruptura, não se pode descartar que novas concessões do Syriza lhe permita salvar a “honra” – ao menos por um período –, conduzindo a um acordo. Ainda que essa “honra” tenha que ser tão moderada a ponto de que, na medida do possível, se mostre incapaz de provocar efeitos de contágio. Mas no curso deste movimento tenso e complexo, tampouco se pode descartar a possibilidade de que a Troika passe dos limites e que a Grécia fique, finalmente, fora do Euro. Larry Summers avalia no Financial Times, mesmo que haja boas razões para pensar que se estabeleceram suficientes mecanismos para prevenir um contágio financeiro, o mesmo foi dito quando quebrou o LTCM, as hipotecas subprime e, finalmente, o Lehman. Aqui se vê que a atual utilização extrema do recurso de última instância das taxas de juros nos Estados Unidos e na maioria dos países avançados poderia revelar-se como política esgotada, incapaz de voltar a conter eventuais novas catástrofes.

Larry Summers… entregar até a retórica

Em seu editorial de sábado no Financial Times, Larry Summers pressiona pela necessidade de um acordo urgente, alertando para o cenário de risco que poderia provocar o temido “Grexit”. Pretendendo-se equidistante e conciliador, manda recomendações para Tsipras, Merkel e o FMI. Por um lado, sugere-lhes não se equivocarem a respeito das consequências de um colapso. Diz para Tsipras que com o fim da ajuda europeia, os fechamentos de bancos e, por conseguinte, os problemas de crédito, a austeridade na Grécia se tornará muito pior do que é hoje, levando-a, provavelmente, à quebra, com grandes custos para toda a população e sua liderança. Faz lembrar para Merkel e as autoridades da Europa que com um estado grego quebrado a Europa receberá muito menos dívida do que obteria com uma reestruturação ordenada. Do mesmo modo, uma emigração massiva de gregos para o norte colocaria à prova os orçamentos nacionais de toda Europa. Tudo isso sem falar dos desafios futuros, como uma maior presença da Rússia na Grécia. Ao FMI adverte que está olhando com distância para o maior calote de um devedor em sua história.

Porém, a pretensão equidistante de Summers, se dissipa nas exigências colossais que predica ao primeiro-ministro grego. Alexis Tsipras teria que fazer o que fosse necessário para propor um acordo politicamente viável para seus sócios europeus. Questão que significa – o que assinala em primeiro lugar – abandonar a retórica ideológica a respeito de um novo enfoque europeu. Deve reconhecer que os problemas da Grécia foram criados em parte significativa pela própria Grécia, deixando claro que está absolutamente comprometido a fazer o que seja necessário para manter o país na zona do euro. Teria que dizer com todas as letras que aceitará elevar o IVA e reformar as aposentadorias para conseguir metas de superávit primário neste e no próximo ano, mas que espera, em troca, uma promessa de desconto em grande escala da dívida. Se este programa pode se corresponder, em grande parte, com as intenções de Tsipras – como mostramos acima –, parece ir muito além. Sobretudo no que respeita à implementação imediata de determinadas medidas e, em particular..., ao abandono da retórica. De outra parte, Summers recomenda a Merkel e às autoridades europeias que devem fazer o necessário para que as políticas de ajuste sejam politicamente sustentáveis para a Grécia. Isso significaria reconhecer que a grande maioria da ajuda financeira concedida ao país helênico foi para pagar os bancos em vez de fortalecer o orçamento. Devem chega a um acordo sobre o alívio da dívida e reconhecer o grande ajuste já realizado nas despesas gregas. Também significa anunciar sua intenção de acelerar o crescimento econômico em toda a Europa.

Por último, o FMI teria que aceitar que não se trata de uma questão de números, mas da alta política europeia, pelo que deve perseguir qualquer acordo que evite uma ruptura. O “poeta” Summers alerta que, mesmo sendo tarde, amiúde a noite se torna mais escura quando estamos mais próximos do amanhecer...

O Syriza em sua própria armadilha

O problema de fundo é que as promessas do Syriza têm fortes elementos de contradição em seus termos: pagar a dívida – mesmo que reestruturada –, jurar fidelidade à zona do euro e acabar com a austeridade. Tudo isso não apenas num país que, como disse Summers, está sofrendo mais do que qualquer outro país industrializado desde a Grande Depressão, mas, sobretudo, sem mobilizar que seja um grego ou um europeu. Ao contrário, o objetivo do Syriza é apaziguar os ânimos, que os gregos voltem para suas casas, que não façam greves, que os trabalhadores e as massas pobres da Europa não movam um dedo pela Grécia. Se alguém alimentava alguma dúvida, essa intenção [do Syriza] se reafirmou com a nomeação como ministro da Defesa de um membro do partido da direita nacionalista xenófoba, o Gregos Independentes. Prometendo manter a situação sob controle, o governo do Syriza se propõe a estabilizar e salvar o capitalismo europeu de “si mesmo”, como afirmou com todas as letras seu ministro de Finanças, Yanis Varoufakis.

Isso num contexto de recessão e deflação europeia, com a moeda atrelada ao euro – ou seja, sem poder apelar sequer ao mecanismo tão perverso para os trabalhadores, a desvalorização –, o Syriza pretende fazer na Grécia o que fizeram os governos pós-neoliberais na América Latina, como os Kirchner, Evo Morales, Chávez, Lula-Dilma, depois da crise de 2001. Porém, a verdade é que esses governos triunfaram – por alguns anos – em sua missão pacificadora e redentora do capital num contexto muito diferente do que o Syriza vive. Por um lado, a consolidação deles se efetivou por uma forte recuperação econômica mundial e, posteriormente à crise de 2008, foram muito beneficiados pela recomposição dos preços das matérias primas, assim como pelo aumento da demanda mundial. Além disso, o controle nacional das políticas monetárias lhes permitiu relativa liberdade para desvalorizações e manipulações de taxas de juros que, gerando altos lucros internos, permitiu uma recomposição relativa da situação dos trabalhadores e das massas pobres, muito castigados durante as crises precedentes. A maioria destes governos, como os da Venezuela, Brasil e Argentina, estão enfrentando, no período atual, seus respectivos fins de ciclo, e assim começam a dissipar as ilusões reformistas. Estão aí, para mostrar como exemplo, as cinco paralisações gerais na Argentina e os levantes da juventude e da chamada “classe C” no Brasil que começaram em 2013 e que nos últimos anos assumiram cada vez mais a forma de greves operárias. Seja qual for o rumo declinante que a situação assuma no próximo período imediato, nas condições particulares da Grécia e da situação econômica internacional, o papel apaziguador do Syriza parece ser ainda mais efêmero do que os governos pós-neoliberais latino-americanos e de modo algum se pode descartar que o paradoxo programático do governo, cedo ou tarde, tenha que enfrentar um colapso econômico e/ou a desilusão do movimento de massas. Por sorte, e como afirmamos em outras oportunidades, as forças dos trabalhadores e do povo pobre da Grécia ainda estão íntegras e transitando as primeiras etapas de um processo que apenas começa.




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