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TRIBUNA ABERTA | A #brequedosapps nacional do dia 09/06/2023 e o texto armorial o Auto da Compadecida

quinta-feira 8 de junho de 2023 | 18:13

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O texto do auto da compadecida é um dos tesouros mais valiosos do nosso Nordeste e do movimento armorial. Tendo como contexto o sertão nordestino, Ariano Suassuna conta em rima, a sina de Chicó e João Grilo em busca de renda. Com irreverência e franqueza, Suassuna inclui personagens que fazem uso de concessões ardilosas o bastante, para lhes levarem ao purgatório. E assim a audiência vai se divertindo com personagens como, o Bispo e o Padre, que pelos diversos atos de corrupção, como cobrar para enterrar um cão, e Severino e o Cangaceiro, que embora fossem assassinos confessos, se dizem arrependidos de seus atos.

E nesse engraçado enredo, os amigos Chicó e João Grillo estão sempre à margem da fome e propensos as mais perversas violências.

A criação do escritor paraibano, em verdade, denúncia as consequências do abandono social: coloca os dependentes do Estado em situação de vulnerabilidade em que tudo é possível.

Ninguém gostaria de ter sempre que ofertar o próprio trabalho e criar situações para que seja visto e considerado útil, e assim, receber alguma renda. Contudo, está posto aos nossos olhos, nas ruas e praças, sempre com celulares na mão, cabeça baixa e uma mochila nas costas, trabalhadores em busca de um “clique”, de uma “oportunidade”.

Essas aspas existem porque a autonomia defendida pelas empresas de plataforma já vem sendo desmascarada pelos sistemas de avaliação, conhecido pelos entregadores como “score”. Para o IFOOD, por exemplo, os três níveis de avaliação são medidos pela disponibilidade para o trabalho e sua condição máxima em aceitar as corridas, apesar de. Apesar da distância, apesar do perigo, apesar do desconhecido. Além disso, a mesma empresa criou o sistema ilegal de terceirização, ao sedimentar seu atendimento em entregadores “nuvens” e entregadores “OL”.

Os entregadores de primeira categoria, pertencem ao sistema de “score” e precisam “lutar” para estarem aptos a conseguir receber chamados, ainda que isso implique em ficar 12h por dia fora de casa, esperando chamados em praças e ruas, enquanto as refeições mais saborosas seguem em suas mochilas, em tempo recorde, sob pena de ser desclassificado.

Já os Operadores Logísticos – Ols, são vinculados a uma empresa de moto entrega, que por sua vez firma contrato de prestação de serviços com o IFOOD. Esses conseguem tem preferência no recebimento do chamado, trabalham em escala de turnos e recebem por quinzena. Mas não são empregados. Não são terceirizados. E são constantemente banidos do IFOOD sem receber a rescisão devida, que corresponde a proteção trabalhista de quem tem o vínculo de emprego.

E nesse constante rearranjo empresarial para escapar do óbvio que é tratar seus entregadores como empregados, o IFOOD, Rappi, Uber, continuam não só lucrando como sendo responsáveis por um novo modo de organização capitalista em que o juslaboralismo é ignorado para dar lugar a era dos falsos autônomos. O descaramento é tamanho que tem sigo uma constante nas empresas ditas “criativas”, que, ao ofertar emprego, exigem que a contratação do empregado seja via “Pessoa Jurídica".

Nesse contexto de violência, a única opção possível aos trabalhadores é se organizarem. E para isso teremos amanhã, 09 de junho, um dia de paralisação nacional em que os entregadores buscam melhores condições de trabalho.

Pauta como criação de pontos de apoio, aumento das taxas de entrega em domingos e feriados, aumento do valor das promoções, fim do “score”, fim das rotas duplas (dois pedidos por chamado); liberação dos entregadores bloqueados indevidamente; melhoria no atendimento do suporte; investimento e disponibilização de EPIs, aparecem como medidas de urgência, para salvar os entregadores do purgatório que já vivem.

Como Chicó e João Grillo, esses entregadores buscam um lugar ao sol. Inseridos na racionalidade da banalização do mal, esses trabalhadores pedem o mínimo. Enquanto os outros atores sustentam seus discursos ardilosos, facilitando a manutenção desse modo de organização dito como uberizado, como anunciado no voto do Ministro do STF, Alexandre de Moraes [1], ao afirmar que a justiça do trabalho não é competente para julgar os casos de trabalho em plataformas digitais, eles resolveram se unir, ao não promoverem a entrega dos pedidos solicitados dos locais mais frequentes, como shoppings e fast-foods.

Espera-se que, assim como João Grillo foi perdoado do purgatório pela justificativa de agir em defesa da exploração de sua mão de obra, que o #brequedosapps agendado para amanhã, seja o prelúdio de uma maior e melhor organização coletiva desses trabalhadores, para que unidos, presencial e virtualmente, vejam no futuro, sua pauta atendida.

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Flora Oliveira é mulher, nordestina, advogada, Professora e Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Católica de Pernambuco.
E-mail: [email protected]

Notas:

[1] STF cassa decisão da Justiça do Trabalho sobre vínculo de emprego de motorista de aplicativo. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=507792&ori=1. Acesso: 25/05/2023




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