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SOCIEDADE | Ataques de pânico: um mal dos tempos?

É um dos padecimentos mais frequentes e produz uma sensação de intenso mal-estar psíquico e corporal. Afeta a homens e mulheres e condiciona, cada vez mais, a vida de milhares de jovens.

Virginia EspecheLicenciada e Professora em Psicología

segunda-feira 4 de julho de 2016 | Edição do dia

Desde alguns anos, os denominados “ataques de pânico” aparecem como um tipo de padecimento frequente em amplas camadas da população. Segundo os especialistas, há um aumento de consultas que também se correspondem com uma multiplicação de fatores e situações cotidianas geradoras de ansiedade, terreno propício para desencadear esta crise.

Um “ataque de pânico” (panic attack) se caracteriza pela irrupção brusca de um episódio de intenso medo, não associado a nenhum perigo real e que vem acompanhado de sintomas físicos, cardiorrespiratórios e neurovegetativos que associam, geralmente, a ideia de morte ou loucura. Na crise, de inicio brusco e espontâneo, a angústia que emerge é muito intensa, com palpitações, sudorese, vertigem, sensação de afogamento e outras manifestações corporais.

Estas crises, que podem aparecer uma única vez ou se repetir ao longo do tempo, estão classificadas dentro do transtorno de ansiedade e foram caracterizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das “pragas do século XXI, englobam toda uma série de quadros clínicos que compartilham, como característica comum, a presença de múltiplas disfunções e desajustes a nível cognitivo, comportamental e psicofisiológico.

Condutas como evitar viajar em transporte, distanciar-se de casa ou permanecer em lugares muito concorridos, geralmente ocorrem na maioria dos casos. Se as crises continuam, geralmente ir associando com diversos lugares ou situações que começam a decodificar-se como “perigosas” e, portanto evitadas. Pela predominância de sintomas físicos, muitas vezes se buscam consultas guardas, com médicos clínicos e outras especialidades, acarretando uma história de múltiplos diagnósticos inespecíficos e exames complementares.

As estatísticas: números em ascenso

Segundo alguns estudos e investigações, as consultas por ataques de pânico estão aumentando e registram números exorbitantes. A OMS refere que 3 de cada 10 pessoas em todo mundo sofre de ataques de pânico. Na Argentina, ainda que não se conte com estatísticas oficiais, estima-se que mais de 6 milhões apresentaram algum sintoma de ansiedade relacionado e em torno de 1 milhão sofre concretamente deste transtorno.

Por sua parte, Alfredo Cía – especialista em transtornos de ansiedade – refere que na última década se registrou um aumento de jovens que apresentam sintomas patológicos de ansiedade e que a maior taxa de consultas corresponde à faixa de pessoas entre 21 e 30 anos. Os dados de outra investigação explicam que de 872 pacientes tratados por ataques de pânico entre fevereiro de 2000 e fevereiro de 2006, 82% eram mulheres e que, em termos de prevalência, havia uma proporção de três mulheres para cada homem, proporção que costuma se repetir em distintas partes do mundo.

Na Espanha, por citar um exemplo, o centro NASCIA publicou que 50% das mulheres experimentaram alguma vez ataques de pânico ou ansiedade e ainda que os fatores desencadeantes costumem ser múltiplos, consideram que a incorporação ao mercado de trabalho, as dificuldades para conciliar a vida pessoal e familiar e o estresse que a falta de tempo costuma provocar se tornam elementos importantes para explicar estes números.

Levando-se em conta que os dados refletem uma incidência em ascenso, muitos profissionais não duvidam em se referir ao “ataque de pânico”, como um sintoma contemporâneo, que muitas pessoas padecem e que revela um modo de sofrimento particular.

Sintomas contemporâneos?

Ainda que a extensa bibliografia fale de múltiplos fatores desencadeantes (biológicos, psicológicos e ambientais), cada vez se presta mais atenção aos elementos externos ao sujeito para tentar explicar a aparição destas crises de medo, pânico e intensa incerteza. Se pensarmos o sujeito como ser social e ainda que não se possa ser exaustivo em relação a grande quantidade de padecimentos psíquicos que produz o sistema em que vivemos, se faz pertinente considerar que as características dos tempos , possam operar como verdadeiro mal-estar em amplas esferas da vida social, familiar e ocupacional.

Em um nível de análises, os fenômenos de competitividade e insegurança ocupacional junto às enormes exigências e pressões do meio vão configurando um vertiginoso ritmo de vida que gera, progressivamente estados de angústia, esgotamento emocional, transtornos em ritmos de alimentação, atividade física, de descanso, problemas físicos e psicológicos e fatores de risco para a saúde que acabam cerceando a vida dos sujeitos que não podem “escapar” às consequências de um sistema que impõe condições de vida terríveis.

Se nos centramos no âmbito ocupacional, por exemplo, as condições de trabalho podem produzir sintomas de cansaço e fadiga, tanto física como psicológica, que se traduzem paulatinamente em uma sensação de “não poder dar mais de si aos demais”. Fenômenos como a despersonalização, a irritabilidade, a perda de motivação e os sentimentos de baixa realização pessoal e ocupacional, que costumam traduzir-se em incapacidade para suportar as pressões. Trata-se de padecimentos impostos, na maioria dos casos, pelas demandas de um maior rendimento produtivo, temor a perder o trabalho, incerteza e instabilidade ocupacional, etc. Como consequência, vemos proliferar diagnósticos de estresse ocupacional e sua fase avançada, a síndrome de burnout ( ou de “estar queimado”) que estão ligados, diretamente, com a vivência de situações altamente estressantes.

Desta linha de análises, por exemplo, muitos especialistas tentaram explicar o forte impacto psicológico que provocou em nosso país a crise de 2001 e que se prolongou durante os anos posteriores, aumentando o número de consultas por ataques de pânico e o emprego de medicação ansiolítica e antidepressiva de maneira alarmante. A respeito disso, a psicanalista Silvia Bleichmar referia que as mudanças produzidas nas condições de existência social em nosso país, com sequelas devastadoras como o desemprego, a marginalidade e coisificação das pessoas, provocaram padecimentos de grande magnitude em amplos setores da população, gerando o que foi definido como “uma situação inédita de mal-estar psíquico tanto pela quantidade como pelas características dos quadros que se apresentam”, explicando que muitos especialistas começam a ver nestes padecimentos “verdadeiros processos de desconstrução da subjetividade”, ou seja, de mutação sobre os eixos em torno dos quais o sujeito organiza sua relação habitual com a realidade (...) um signo de alarme preocupante...”

Desta forma, se partirmos de considerar que o social produz efeitos importantes e significados na subjetividade, o que se coloca em discussão são as “causas” de um grande número e sintomas e transtornos psicológicos. Dito de outra maneira há padecimentos psicológicos, no dizer de Bleichmar, em que “as determinações representacionais, de origem social, são determinantes” e nos permite, como primeira aproximação, concretizar uma relação entre a angústia e as pressões do sistema, relação de onde o ataque de pânico pode emergir como grito desesperado.

Tradução Milena Bagetti




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