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OPINIÃO | Lava Jato, construção e crise da hegemonia burguesa no Brasil

segunda-feira 17 de abril de 2017 | Edição do dia

A lista de Fachin, que atinge praticamente todos os principais partidos que são pilares do regime “democrático” burguês brasileiro e suas principais figuras foi um grande abalo dentro da política oficial do país. O fato de inclusive uma das principais figuras da esquerda ter sido implicada na lista, Luciana Genro, do Psol, apoiadora da lava jato, ainda sem nenhuma comprovação de corrupção da parte dela, reaviva o debate na esquerda sobre o significado da operação que pretensamente combate a corrupção e que foi a grande resposta da burguesia para tentar recompor sua hegemonia abalada a partir das jornadas de manifestações massivas que aconteceram em junho de 2013.

É fundamental à esquerda que se pretende revolucionária entender o significado dessa operação que certamente é um fator chave da política nacional no último período. É na tentativa de contribuir para a compreensão do papel da operação lava jato na construção da hegemonia burguesa no Brasil que é escrito esse artigo.

CRISE DA HEGEMONIA BURGUESA NAS JORNADAS DE JUNHO E RESPOSTAS DOS CAPITALISTAS

As jornadas de lutas e manifestações massivas de junho de 2013 foram um verdadeiro marco na política nacional, a marca fundamental do fim da etapa de restauração burguesa em nosso país, que até aquele momento ainda estava num destempo em relação a luta de classes em nível internacional, dado o caráter contracíclico que apresentavam as economias de certos países semicoloniais em relação a crise capitalista, dado o alto preço das commodities que ainda se mantinha.

Aquelas jornadas de luta jogaram por terra o pacto social que sustentou uma relativa estabilidade na luta de classes durante todo o período do lulismo em nosso país. A partir daquele momento um amplo processo de politização, à esquerda e à direita, passou a perpassar toda a sociedade brasileira, com todas as classes, sujeitos sociais, setores oprimidos, se colocando de maneira cada vez mais ativa, mas ainda tateante, na cena política do país.

Junho, com todas as suas contradições e com a falta de protagonismo da classe operária organizada, certamente foi um marco à esquerda na história recente do país, momento em que os setores oprimidos e subalternos, e mesmo a classe operária, de forma desorganizada, fizeram ouvir alto sua voz novamente depois de um amplo momento de relativa letargia.

Foi necessário, a partir daí, que a burguesia buscasse construir novas estratégias para reorganizar sua hegemonia social, posto a crise da mediação que tinha sido até ali o sustentáculo dessa hegemonia, o petismo/lulismo. Adenda-se a isso que amplos setores da burguesia sempre viram com muitas ressalvas os governos petistas, apesar de toda sua funcionalidade à sua dominação, posto que num país semicolonial como o Brasil mesmo reformas e concessões muito parciais às classes subalternas, como as oferecidas pelos governos petistas, são difíceis de serem absorvidas pelas classes dominantes; a isso se soma também que esse atraso material leva a um gigantesco atraso subjetivo da burguesia nacional, que em suas críticas ao petismo descarregava parte de seus preconceitos atávicos, disfuncionais à sua própria dominação.

Um dos discursos chave para a construção de hegemonia da burguesia em nosso país sempre foi o falso discurso moralista de um pretenso combate a corrupção. Da vassourinha de Jânio Quadros, à caça aos marajás de Fernando Collor, o falso moralismo anticorrupção sempre foi um dos relatos prediletos da direita brasileira para construir o consentimento ativo das classes subalternas a sua dominação de classe.

A operação lava-jato, que tem seu inicio na primeira metade de 2014, assim, foi uma das respostas centrais da burguesia nacional a crise da sua hegemonia que se inicia com as jornadas de junho de 2013, tentando resgatar o relato do combate a corrupção como forma de absorver toda a insatisfação e politização de amplos setores da sociedade para dentro das instituições de sua “democracia”, renovada e “limpa”. Também poderia servir a operação para substituir o agora disfuncional lulismo por outro projeto de governo mais adaptado as novas condições da crise que passavam a se desenvolver no país, ou pela sangria do governo de Dilma Rousseff, naquele momento ainda no final de seu primeiro mandato, ou por sua substituição por fora do processo eleitoral, caso a operação não tivesse tempo hábil para abalar o enorme capital político que o lulismo tinha construído com seu populismo assistencialista durante todo o período do ciclo de crescimento baseado nas commodities.

Vemos dessa forma o quão equivocados estão todos os setores que se reivindicam classistas ao reivindicar, mesmo que parcialmente, tal operação. Ao contrário de representar qualquer coisa, mesmo que muito limitadamente, de progressista a operação lava-jato é a resposta demagógica da burguesia nacional a crise de hegemonia que se abre em junho de 2013, tentativa de desviar esse processo de politização para dentro das instituições de seu regime ‘‘democrático”.

A CONTINUIDADE DA LAVA-JATO E A CRISE ENTRE OS DOMINANTES

As proporções tomadas pela operação, a maior de combate a corrupção na história do país segundo a imprensa patronal, é diretamente proporcional ao tamanho da crise econômica, política e social que atravessa o Brasil, posto ser ela a resposta da burguesia a essa crise. É evidente que o fato de um número relativamente grande de políticos e capitalistas de peso indo efetivamente para a cadeia no país, algo realmente sem paralelo histórico, não tem haver com uma pretensa renascença moral da venal burguesia nacional, mas sim com a necessidade objetiva de dar uma resposta de fundo à crise.

A operação lava-jato não pode cumprir essa papel de resposta à crise apenas com apelos demagógicos; a grande proporção da crise de hegemonia pede medidas mais profundas para que a operação possa conseguir minimamente se apresentar como uma resposta concreta a crise de representatividade das instituições burguesas até então existentes, se apresentando como uma efetiva renovadora da política e das instituições nacionais. Qualquer saída muito limitada e parcial pareceria apenas uma nova “pizza’’, e não conseguiria minimamente estancar a sangria da legitimidade. Era preciso à burguesia “cortar na carne”, amputar alguns dedos para não perder a mão inteira.

Contudo, isso colocava um novo problema para os dominantes: quem seriam aqueles que pagariam para que seu sistema e sua dominação de classe de conjunto pudessem se relegitimar? Quem seriam os “bodes expiatórios” para a salvação de todo o corrupto sistema capitalista?

É essa contradição entre os interesses individuais e os interesses coletivos, de classe, dos capitalistas o motor das crises entre eles causadas pela operação lava-jato. Instrumento essencial da tentativa de reconstruir sua hegemonia em crise ela só pode ser um instrumento útil se ataca efetivamente um setor dos capitalistas, todos eles corruptos. Ao chamar amplos setores das classes medias (pequena-burguesia) a se mobilizarem contra a corrupção a operação sai do controle imediato de seus formuladores para ganhar uma vida própria, um impulso independente.

Os instrumentos que constroem as classes dominantes para construir sua hegemonia, o consentimento ativo das classes subalternas, à sua dominação não podem ser manipulados a seu bel prazer. Ao construir entusiasmo nas classes médias em torno dessas bandeiras a burguesia não pode controlar essas ferramentas de forma totalmente planejada, pois os setores que se colocam em movimento passam a ser uma pressão independente contra os planos originais de seus formuladores. A operação lava-jato, assim, aparece para a burguesia como o feitiço que fugiu do controle do aprendiz, pois a todo momento ela tem que se aprofundar e todo pacto que tentam eles fazer para estancá-la gera uma nova e grave crise entre seu sistema de dominação e os setores da classe média que acreditaram no relato anticorrupção.

Novamente aqui o reconhecimento da crise objetiva que é a continuação da operação para a manutenção da hegemonia burguesa não deve em nada confundir os revolucionários em relação ao caráter inerentemente reacionário da operação. A única maneira de aproveitarmos as contradições objetivas da resposta burguesa à crise que foi a lava-jato é entender e denunciar esse seu caráter reacionário. Nossa resposta à crise (e como parte dela também a corrupção) só pode ser classista e independente de toda resposta patronal.

O PROTAGONISMO POLÍTICO DO JUDICIÁRIO

Outro movimento chave de resposta dos capitalistas a sua crise de legitimidade com as jornadas de junho, muito ligado a lava-jato, mas não imediatamente idêntico a ela, é o protagonismo político maior do judiciário no último período.

Com toda deslegitimação da corrupta e inepta casta política brasileira frente ao conjunto da população o judiciário passou a ocupar um papel cada vez mais preponderante no cenário político nacional. Novos heróis foram forjados, até com capas e aparentes superpoderes de combate ao crime, para recriar sobre novas bases uma ligação entre as instituições e o conjunto da população que permitisse reorganizar ainda dentro das instituições do regime de 88 a hegemonia capitalista no país.

Se esse movimento funcionou bem num primeiro momento ele cada vez mais vendo dando mostras de esgarçamento. O protagonismo político do judiciário lhe tira seu principal capital anterior, que era exatamente aparecer como o poder apolítico ou até antipolítico. Imerso na política o judiciário passa a cada vez mais a sentir os efeitos da deslegitimação de que goza a casta política frente ao conjunto da população.

Dessa forma, mesmo esse movimento de tentativa de legitimar sua “democracia” através de um maior protagonismo de seu poder aparentemente menos político passa cada vez mais a mostrar seus limites para os capitalistas. As saídas da burguesia parecem ser cada vez menores para uma crise que não parece dar sinais de superação a curto ou médio prazo.

CRISE DOS DOMINANTES E LUTA DO PROLETARIADO

Essa crise relativamente profunda entre os dominantes abre amplos espaços aos trabalhadores em luta contra os ataques patronais. Ela pode representar uma maior crise na coordenação que demonstram até aqui os capitalistas, que foi uma de suas principais fortalezas para impor duras derrotas aos trabalhadores.

Toda a trama que se desenrolou até aqui com a operação lava-jato já teve vilões e heróis como Cunha e Moro, cenas espetaculares como a morte mais que suspeita de Teori Zavascki, cenas cômicas e extravagantes. Um novo capítulo se abriu com a lista de Fachin. No “salve-se quem poder” que se instalou em Brasília é possível que não haja possibilidade de que a burguesia e seus representantes políticos consigam construir o nível de coesão e coordenação necessários (e junto a isso a legitimidade) para desferir ataques tão duros quanto os que são gestados e que já tem levado a respostas importantes dos trabalhadores.

É necessário, contudo, que as organizações que se pretendem dirigentes dos trabalhadores em luta reconheçam esse espaços que se abrem, e também suas contradições, para superar seu isolamento em relação a classe operária e aproveitem esse momento particularmente propício para conquistar posições importantes no campo de batalha entre as classes. Conseguir dar uma resposta contundente que barre a reforma da previdência seria uma primeira vitória defensiva que poderia marcar uma grande virada na conjuntura e fosse a trincheira a partir da qual organizaríamos o contra ataque de nossa classe. Esse esquerda diário se propõe um instrumento na realização dessa tarefa.




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