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ENTREVISTA | Por trás das câmeras com Panteras Negras: Uma entrevista com o fotógrafo Stephen Shames

O Left Voice, parte da rede internacional Esquerda Diário nos Estados Unidos, falou com Stephen Shames, um fotógrafo documental que passou anos cobrindo as(os) Panteras Negras no auge de suas atividades.

quarta-feira 9 de agosto de 2017 | Edição do dia

Muitas das fotos de Shame estão no livro, Power to the People: The World of The Black Panthers, ("Poder para o Povo: O Mundo dos Black Panters", em tradução livre) em co-autoria com o cofundador Black Panter, Bobby Seale. Nós falamos com o renomado fotógrafo sobre os objetivos dos Panteras, o governo, a campanha da mídia contra o partido e as ligações com as lutas das população negra hoje.

Para começar, nos fale como você entrou na documentação fotográfica e o que te define como um fotógrafo.

Eu comecei tirando fotos quando estudava na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Minhas primeiras fotos documentaram agressões policiais a estudantes durante protestos. O que me define como um fotógrafo são meus projetos a longo prazo, onde eu me incorporo à comunidade.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a luta pelos direitos civis dos Afroamericanos passou por um ponto de inflexão. O slogan "Double V for Victory" (ou "Duplo V para Vitória"), foi propagandeado contra o Fascismo externo e o racismo interno (aos EUA). Em 1966, conduzidos pelo movimento anti-guerra, os ativistas negros Bobby Seale, Huey P. Newton e Eldridge Cleaver fundaram o Partido Panteras Negras em Oakland, California - uma das cidades com maiores índices de mortalidade infantil, desemprego e brutalidade policial. Você esteve lá para documentar esta experiência. Por que você decidiu expressar este fenômeno?

Os anos de 1967 e 1968 foram de protestos e resistência à Guerra do Vietnã, e foi também o nascimento do movimento Black Power. Como estudante em Berkeley, eu me envolvi nos protestos. Os Panteras eram lideres da revolução. Então, além de fotografar as marchas pelo Vietnã e os protestos estudantis, eu comecei a documentar o Partido Panteras Negras. Meu profundo grau de envolvimento com os Panteras é o que faz o livro "Power to the People" um importante documento da história das Panteras. O livro é co-autoral com Bobby Seale e inclui as palavras de uma parcela de Panteras. De certa forma o livro é dele - a versão dele sobre este histórico movimento.

“Eu queria mostrar a figura ampla do Partido Panteras Negras. A maioria da mídia focava nas manifestações procurando por controvérsias. Eu tive a intenção de mostrar o que foi por trás das câmeras e retratar uma imagem mais completa e detalhada dos Panteras.”

O Partido Panteras Negras estava sediado em Berkeley. Eles sempre estavam ao redor da universidade. Eu levei as fotos na sede deles. O presidente dos Panteras, Bobby Seale, gostou das fotos e as usou no jornal dos Panteras. Eu comecei próximo a Bobby Seale, que se tornou um mentor para mim.

Durante anos de luta contra a segregação, você foi ao coração de um dos mais importantes e radicais experimentos da comunidade negra em defesa de seus direitos. Eu imagino que, nestas circunstâncias, não foi fácil para um homem branco ganhar aceitação para tirar fotos. Nos conte sobre este processo e como você foi recebido.

Na verdade isto nunca foi um problema. Os Panteras não eram nacionalistas negros. Eles lutaram contra o racismo e recepcionaram qualquer pessoa que pensaram que poderia trabalhar por políticas progressistas. Os Panteras foram um partido político procurando mudanças nas leis e para criar uma sociedade mais justa. Para conquistar este objetivo, construíram ligações com brancos, Latinos, Nativos e organizações asiáticas. Os Panteras me aceitaram como alguém que estava comprometido com uma mudança social progressista. Eles seguiram a ideia de Martin Luther King de olha o conteúdo do caráter de uma pessoa, não na cor de sua pele.

Seu trabalho vai sob a superfície e retrata momentos íntimos do cotidiano. Como você construiu suas relações com os Panteras? O que você queria mostrar?

Quando faço projetos, eu me incorporo na comunidade que estou fotografando. Isto constrói confiança. Eu queria mostrar a figura ampla do Partido Panteras Negras. A maioria da mídia focava nas manifestações procurando por controvérsias. Eu tive a intenção de mostrar o que foi por trás das câmeras e retratar uma imagem mais completa e detalhada dos Panteras.

Isto foi necessário porque até hoje pessoas negras são usualmente vistas na mídia em um estilo único: como pobres, geralmente criminosos, em conflito. Com qual frequência vemos imagens positivas de homens negros apoiando suas famílias, abraçando suas crianças?

Suas imagens, nesse sentido, dão um senso de humanidade para a força armada negra que o FBI declarou como seu principal inimigo dentro dos EUA. Como você se recorda da mídia retratando os Panteras e a luta negra?

A mídia seguiu a ordem do governo e retratou os Panteras como bandidos. O FBI e o governo Nixon fizeram uma muito intensa campanha - chamada COINTELPRO - para deslegitimar os Panteras. Eles também tiveram a colaboração de departamentos de Polícia para atacar e assassinar algumas pessoas dos Panteras. O assassinato de Panther Fred Hampton, Pantera de Chicago, em sua própria cama enquanto dormia foi o exemplo mais conhecido.

Você foi testemunha da brutalidade do governo dos EUA contra os Panteras Negras. Você jamais pensou sobre tomar partido no movimento para além da fotografia?

Eu tomei partido para além da fotografia. Por exemplo, eu fui parte do comitê de campanha de Bobby Seale quando ele concorreu para prefeito em Oakland. Eu trabalhei na campanha vitoriosa de Ron Dellums para o Congresso. Eu marchei contra a Guerra do Vietnã. Eu votei em candidatos progressistas. Eu fui membro de apoio do Berkeley Barb, um jornal alternativo. Fiz histórias para o Newsweek, The New York Times, The Associated Press e outras publicações.

Fotografia é uma ferramenta poderosa para fazer as pessoas acordarem sobre o que está acontecendo no mundo. As fotos viraram a população contra a Guerra do Vietnã. As fotos auxiliaram o movimento pelos direitos civis. Neste sentido, as coisas que eu fiz "para além da fotografia" foram menos importantes do que as foto histórias que eu fiz. Minhas fotografias servem a uma função política: elas são parte do diálogo. O diálogo é tão parte da mudança social quanto as marchas e os protestos.

Depois de mais de 50 anos, grande parte das demandas das pessoas negras durante a era dos Panteras continuam sendo questões urgentes hoje. Isso é evidente na violência estatal contra a população negra e outras pessoas não brancas, nos numerosos assassinatos cometidos por policiais e na emergência de um movimento de resistência como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Quais pontos de convergência você vê entre os dois? Quais conexões nós podemos fazer entre estes diferentes períodos, em relação à luta negra?

Eu discuto isto em detalhe no último capítulo de "Power to the People". Eu cresci no começo dos anos 60, quando o movimento pelos direitos civis estava conseguindo conquistas. Com o otimismo de Camelot, muitas pessoas nos EUA pensaram que nós poderíamos aliviar os efeitos da escravidão e acabar com o racismo. Meu primeiro voto em 1968 foi também um voto presidencial pelos negros do sul. Durante os anos 70 e 80, uma vibrante classe média negra emergiu. Atores Afroamericanos e atletas se tornaram heróis americanos. Como Bobby Seale nos disse, "os seriados negros na televisão ajudaram muita gente a olhar para a comunidade negra e ver a humanidade lá".

No entanto, a maioria das questões que o Partido Panteras Negras levantou ainda permanecem. Assassinatos pelas mãos da polícia de adolescentes desarmados e garotos de 12 anos continuam a chocar o país. Noventa e cinco por cento de todo o crescimento de renda entre 2010 e 2012 foram para os 1 por cento mais ricos. Nosso sistema econômico é manipulado e nosso sistema de impostos é injusto. As famílias negras tiveram significativamente menos assistência à saúde do que brancos devido à política de governo e as práticas de concessão de créditos dos bancos que as impedem de ter um lar. O desemprego entre Afroamericanos permanece o dobro do observado entre brancos há 60 anos. Um em cada quatro crianças negras nasceram na pobreza. O sistema de justiça mira a pessoas pobres, especialmente homens negros que tem 1/3 de chance de irem para a prisão. Crianças negras seguem em escolas segregadas, abaixo do padrão, que as empurram para a prisão quase tão frequentemente quanto as que ascendem à faculdade.

Existiram alguns progressos.

O Partido Panteras Negras dirigiram uma premiação escolar em Oakland, uma das primeiras escolas autônomas. Hoje diversas escolas autônomas pipocam em nossas cidades. Currículos começaram a ser mais inclusivos. Quando eu era estudante, Afroamericanos estavam ausentados da história. Os Panteras Negras ajudaram a trazer estudos Afroamericanos para dentro das universidades.

Também houve avanço no número de eleitos. No entanto, um golpe no direito ao voto, assim como o Citizens United e o gerrymandering (medidas que restringem e controlam a livre participação eleitoral nos EUA) pelas legislações estaduais estão revertendo estes ganhos.

A saúde pública foi outro grande alvo. Os Panteras Negras estabeleceram clínicas gratuitas para servir a qualquer pessoa, inclusive àqueles sem plano de saúde. O primeiro presidente negro americano passou o Affordable Care Act (conhecido como Obamacare), que resultou em um aumento de cobertura para 16,9 milhões de pessoas. No entanto, isso agora está em perigo. O Trumpcare resultará de 14 a 24 milhões de pessoas perdendo suas coberturas.

Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, os EUA aumentaram sua ofensiva racista e xenófoba. Como você vê esta mudança e quais consequências você pensa que isto terá?

A América está se tornando uma oligarquia. Vinte pessoas na América tem tanta riqueza quanto metade de todos os americanos - 152 milhões de pessoas vivendo em 57 milhões de habitações. Este é um problema mundial. As 62 pessoas mais ricas no mundo possuem tanto quanto a metade mais pobre da humanidade: isto é, 3,6 bilhões contra 62. As políticas de Trump irão fazer isso piorar.

As falas racistas de Trump e a indicação de um supremacista branco como seu conselheiro número um significa um, "OK ser racista de novo". Isto desencadeou uma enxurrada de crimes de ódio em todo o país.

Não está claro o que virá pela frente. As pessoas estão lutando e revidando. A marcha das mulheres foi representada por milhões. Sua proposta de banir a imigração de Muçulmanos gerou enormes protestos nas ruas. Não está claro se os Republicanos conseguirão repelir o Obamacare já que muitas das pessoas que votaram em Trump perderiam sua cobertura médica e estão furiosos com isso. Ele está sofrendo oposição até mesmo no governo. Um juri federal julgou seu primeiro banimento inconstitucional e um segundo juri fez o mesmo sobre sua emenda sobre banimento para viagens. Republicanos no Congresso não apoiam o Trumpcare. [Nota do Editor Left Voice: o banimento da imigração direcionado à maioria dos países Muçulmanos desde então foi parcialmente desobstruida pela Suprema Corte] Nós teremos que esperar e ver se ele conseguirá levar os Estados Unidos ao neo-fascismo ou se ele será ejetado de sua sala por suas práticas corruptas.

Do seu ponto de vista, qual é o papel da fotografia documental ou joranlística? Quais relações você pode achar entre a fotografia e a política e como você pensa que podem interagir?

O propósito do documentário fotográfico é documentar o mundo - para mostrar como as pessoas vivem, para mostrar uma outra face da realidade. A maioria das pessoas vivem em um casulo. Elas conhecem apenas um pequeno grupo de pessoas como elas mesmas. Elas conhecem seus bairros, locais de trabalho, família. A fotografia oferece a estas uma janela direto para as vidas de pessoas do outro lado do mundo e também na outra esquina - pessoas que elas nunca terão contato direto. Este é o valor do documentário fotográfico.

Sobre a relação entre fotografia e política: tudo se relaciona à política. Tudo é político. No mundo de hoje em dia apenas contar a verdade pode ser um ato de resistência.

Nos últimos anos, a grande mídia sofreu profundas mudanças. Corporações gigantescas reproduzem as linhas editoriais do poder concentrado. Eles não tem nenhuma intenção de fazer pesquisas ou de produzir conteúdos críticos. O que você sente que são os maiores desafios para os jornalistas hoje e qual é o futuro da fotografia documental?

O jornalismo está em declínio nos últimos vinte ou trinta anos. Extensivamente, este é o resultado da substituição do jornal impresso pela televisão. Corporações buscam lucros, resultando em um foco em classificados e entretenimento. Mas a redação não é apenas outro centro de lucro. Jornalistas honestos e informados são vitais para a democracia. Quando classificados e entretenimento ou quando cortes de fundos geram menos reportagens, a democracia se enfraquece. A internet, que permite às pessoas se dividirem entre grupos de afinidade, erodiram mais profundamente o jornalismo. Agora os fatos competem com "fatos alternativos" - que são mentiras.

O que você pensa sobre o papel das mulheres Panteras Negras, considerando o grande número de mulheres que participaram da organização?

As mulheres cumpriram um importante papel no Partido. Embora as mulheres não cumpriram o mesmo papel dos homens no Partido Panteras Negras, este foi o caso em toda a sociedade - assim como nos movimentos de esquerda que foram todos dominados por homens. A Revolução Cubana teve Celia Sanchez, o Movimento pelos Direitos Civis nos EUA teve Fanny Lou Hammer, o movimento anti guerra do Vietnã teve Bella Abzug e outras - mas a maioria dos líderes foram homens - Fidel Castro, Che Guevara, Stokeley Carmichael, Martin Luther King, Ralph Abernathy, H. Rap Brown, Tom Hayden, Abbie Hoffman, Dave Dellinger, e Rennie Davis — para nomear alguns.

Movimentos e organizações tem de ser julgados considerando seu contexto histórico. Durante os anos 60 e 70, o Partido dos Panteras Negras foi a mais progressista organização em termos de direitos das mulheres (assim como dos direitos dos gays). Mulheres como Kathleen Cleaver e Ericka Huggins cumpriram importantes papéis dirigentes. As mulheres Panteras desafiaram homens dentro do Partido enquanto lutavam por iguais parcelas de poder.

Entrevista publicada em www.leftvoice.org

Tradução: Bernardo Aratu




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