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ARTE E REVOLUÇÃO | O surrealismo e a esquerda brasileira

O movimento surrealista existe. Sua militância comprometida com a destruição do modo de vida burguês, é uma força cultural revolucionária sem a qual a própria revolução socialista seria um fato incompleto. Contrariando críticos e historiadores de aluguel, a marcha rumo ao maravilhoso se estabelece de maneira subterrânea nos dias que correm.

domingo 3 de maio de 2015 | 00:00

É preciso insistir neste ponto, se quisermos chamar atenção dos militantes de esquerda para o aspecto subversivo contido nas práticas surrealistas. O fato é que o surrealismo consiste numa posição de revolta que se faz presente no século XXI equanto “tradição libertária de ruptura".

Por mais tumultuada que seja a História do movimento surrealista, coletivos e núcleos surrealistas ainda botam pra quebrar. Atualmente as ideias do surrealismo podem proporcionar um ganho cultural significativo para a esquerda revolucionária no Brasil. Os laços históricos entre surrealistas e trotskistas, inclusive no contexto brasileiro, vêm permitindo nas últimas décadas o debate sobre o surrealismo entre estudantes e jovens revolucionários. Para corrigir as baboseiras em torno de uma política cultural de fundo nacionalista, o surrealismo e suas implicações internacionalistas podem contribuir decisivamente.

Pior do que classificá-lo como movimento artístico, é considerar o surrealismo um fenômeno francês do período entre guerras. Enquanto que a mídia capitalista converte o surrealismo em corrente de vanguarda do século passado (no leilão do espírito é fácil comercializar a revolta fazendo uso de obras de arte), alguns acadêmicos grudam indevidamente um selo de validade no surrealismo, que geralmente não ultrapassa o ano de 1945. Certamente que o surrealismo possui historicidade (e neste sentido as linhas mestras do movimento foram dadas em torno de André Breton, sobretudo nas décadas de vinte e trinta), além, é claro, de apresentar um conjunto de meios de expressão que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da arte moderna. Entretanto, nunca é demais lembrar que o surrealismo está longe de ser um movimento de vanguarda ou uma corrente artística. As intervenções do movimento surrealista, contrárias ao capitalismo, são fatos que estão presentes desde o pós guerra até os dias atuais (sem contar que o movimento surrealista se faz presente nos mais variados países).

Manifestos e textos (individuais e coletivos) produzidos pelo movimento surrealista ao redor do mundo deixam claro que o surrealismo baseia-se na luta pela emancipação humana. As tentativas de superação das antinomias impostas pela educação burguesa são claramente uma necessidade revolucionária. A separação entre a vigília e o sonho, a carne e o espírito, a lucidez e a loucura, acarretam num divórcio do homem consigo mesmo. Destruir estas barreiras, estas pesadas correntes da cultura dominante, é o que caracteriza o trabalho dos surrealistas. A busca pela poesia, pelo amor e pela liberdade consiste numa posição perante a própria vida: não se trata da medíocre existência de rebanho, mas do ato de “mudar a vida" (Rimbaud). Este impulso gerador de atitudes e formas de comunicação que rompem com o controle e a opressão da linguagem estabelecida, harmoniza-se com o imperativo de “transformar do mundo" (Marx). Esta fusão revolucionária entre Rimbaud e Marx, proposta por Breton em 1935, seria reafirmada em 1968 e pode certamente ser hoje em dia.

Tão importante quanto a existência de grupos e núcleos voltados para atividades surrealistas é a inserção das ideias do movimento dentro da esquerda brasileira. Seria o fim da picada se um militante trotskista desconhecesse o fato do surrealismo estar presente nas origens do próprio trotskismo no Brasil. Benjamin Péret (o poeta francês causou tanto escândalo no Brasil que somente o movimento antropofágico conseguiu digeri-lo), Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Aristides Lobo e outros militantes defendiam no curso na organização da Oposição Internacional de Esquerda, no Brasil, as ideias do surrealismo. Mas do final dos anos vinte e início de trinta até o presente momento, poucos foram os momentos em que as lições surrealistas adquiriram vulto nas preocupações culturais dos militantes de esquerda. Sem dúvida que o trabalho sujo dos stalinistas contribuiu para que muitos comunistas no Brasil desconheçam o caráter revolucionário do surrealismo. As exceções ficaram a cargo dos trotskistas: dos debates culturais da LIBELU durante os anos setenta, chegando mais recentemente às atividades organizadas por jovens identificados com o trotskismo, “a revolução surrealista" alargou o horizonte de alguns militantes. O trotskismo não pode perder de vista a contribuição do surrealismo para uma política cultural revolucionária.

A importância da esquerda revolucionária tomar contato com o surrealismo consiste na inserção de um vocabulário que soma-se com as necessidades históricas da revolução socialista. É a práxis da poesia que se faz presente quando experimentamos o automatismo psíquico, a Beleza convulsiva, o acaso objetivo,o amor louco, etc. A conduta revolucionária passa tanto pela militância no movimento operário quanto pelo exercício poético (algo muito maior do que apenas escrever versos). Para os surrealistas, a poesia é um ataque às convenções da sociedade burguesa. Tão urgente quanto entregar panfletos é criar imagens que desafiam a lógica do sistema capitalista. Sendo a arte uma das armas dos surrealistas, esta tem o seu sentido revolucionário ampliado: o poeta revolucionário pode ser tanto aquele que fala de ideias políticas quanto aquele que, orientado pelo surrealismo, comunica os abismos do inconsciente.

No Brasil, o trabalho de autores como Sérgio Lima, Cláudio Willer e Michael Lowy oferece uma substanciosa análise dos fundamentos do surrealismo. Insistir numa equivocada análise esteticista e datada só pode servir aos coveiros de movimentos que ainda não deram a última palavra. O surrealismo não foi: ele é parte do processo revolucionário.


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