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A ofensiva aérea da Arábia Saudita, apoiada pelos Estados Unidos, sobre os rebeldes hutís no Iêmen, põe este país no centro das tensões que percorrem no Oriente Médio. O Iêmen corre o risco de seguir o caminho da Líbia após os bombardeios da OTAN, afogada entre o desmembramento e a guerra civil.

Juan Andrés GallardoBuenos Aires | @juanagallardo1

sábado 28 de março de 2015 | 00:35

Fotografia: EFE

Os bombardeios da Arábia Saudita, que contam com o apoio de Obama, começaram na quinta-feira, depois de se ter conhecido que o impopular presidente do Iêmen, Abd-Rabbu Mansour Hadi, havia abandonado o país após o avanço das milícias xiitas hutís, que já se encontravam a poucos quilômetros do palácio presidencial.
Hadi, respaldado pela Arábia Saudita e pelos Estados Unidos, havia pedido à ONU e à Liga Árabe uma intervenção militar direta, o que derivou no envio de artilharia pesada à fronteira com o Iêmen por parte da monarquia sunita saudita, para continuar depois com o início dos ataques aéreos. Hadi abandonou ontem seu refúgio e viajou à Arábia Saudita, dando lugar a diferentes versões sobre seu paradeiro, o que acrescentou a instabilidade nos mercados globais do petróleo, ante o temor pelos fornecimentos da região.

Na quarta-feira membros das milícias xiitas hutís haviam tomado controle sobre Al Huta, capital da província meridional de Lahech, situada a somente 50 quilômetros de Áden. Na cidade de Áden se encontrava refugiado Hadi, onde se instalou em fevereiro depois de fugir da capital Saná. Saná se encontra sob o poder dos hutís desde finais do ano passado, quando um levante desta importante minoria (os hutís representam mais de um terço da população) exigiu a renúncia do presidente Hadi.

Em Saná, os aviões de combates bombardearam na quinta-feira o principal aeroporto e a base militar de Dulaimi, em uma aparente tentativa de debilitar o poder aéreo dos rebeldes e sua capacidade de disparar mísseis. Na operação conhecida pelo nome “Tormenta da Firmeza”, participa a Arábia Saudita com 100 aviões de combate, enquanto que outros 85 foram proporcionados pelos Emirados Árabes Unidos, Catar, Bahrein, Kuwait, Jordânia, Marrocos e o Sudão. As forças egípcias também estavam participando na ofensiva e quatro de seus navios viajavam rumo ao Golfo de Áden.
A Casa Branca disse que apoiava a operação e que o presidente Barack Obama autorizou “respaldo logístico e de inteligência” norte-americano.

Um complicado cenário regional

Quando, há algumas semanas, o primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu visitou o Congresso dos Estados Unidos convidado pelos republicanos (em um claro despeito diante de Obama), tinha ao menos dois objetivos em mente. Um deles era o de posicionar-se como o candidato indiscutível da direita e dos conservadores para as eleições em Israel, objetivo que superou depois de garantir o triunfo da semana passada. O outro objetivo era contrariar as negociações que Obama leva adiante, junto a outros países, sobre o plano nuclear iraniano, ao qual Netanyahu atacou por ser ineficiente, denunciando que as negociações permitiriam ao Irã manter a tecnologia alcançada até o momento, convertendo este país num perigo para toda a região. Este objetivo não chegou a cumprir-se, mas obrigou o Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, a fazer uma viagem pelo Oriente Médio para tentar convencer seus aliados do mundo árabe de que as negociações com o Irã não representavam um perigo regional.

Ainda que Kerry pudesse ganhar tempo, o que por ora permite a Obama avançar nas negociações com o Irã, deixou muitas dúvidas entre os aliados, sobretudo na monarquia sunita da Arábia Saudita, que vê um Irã xiita ganhando força no Iraque do pós-guerra e inclusive atrás dos rebeldes hutís no Iêmen. Ao mesmo tempo se fortalecem setores sunitas radicais como o Estado Islâmico, que no último mês se estendeu mediante “franquias” – algumas delas provenientes da al-Qaeda – à Líbia, Tunísia, Nigéria e ao próprio Iêmen.
Desta maneira, a escalada militarista sobre o Iêmen tomou um caráter de conflito regional.

A monarquia sunita da Arábia

O Irã denunciou o ataque sobre as milícias hutís e deixou claro que o destacamento de uma coalizão sunita complica os esforços para por fim ao conflito, reavivando os conflitos internos. Não obstante, segundo a agência Reuters, um alto funcionário iraniano descartou uma resposta militar. O grupo libanês xiita Hezbollah também condenou o operativo.

O Iêmen é um dos países mais pobres do Oriente Médio e se encontra atravessado por conflitos históricos. A ingerência norte-americana e da Arábia Saudita não faz senão exacerbar as tensões descarregando sobre o país as contradições regionais. Os conflitos internos podem terminar arrastando o Iêmen a um cenário similar ao da Líbia, dividindo o país e extremando ainda mais os conflitos tribais.

As petromonarquias do Golfo, com o bom visto dos EUA, já haviam atuado nos últimos anos como um fator reacionário para sufocar os levantes da “Primavera árabe”, que incluiu ataques sobre os manifestantes no Bahrein e a ingerência direta dos Estados no Iêmen. Neste último, os Estados Unidos tinha uma base militar de mais de 500 milhões de dólares em armas e equipamentos de combate, desde a qual operava seus drones sob a desculpa da chamada “guerra contra o terrorismo”, que contava com o apoio do presidente Hadi.

A atual crise no Iêmen não faz mais que demonstrar o descalabro gerado pelos Estados Unidos após o fracasso de seus objetivos na guerra do Iraque e do Afeganistão, junto às tensões que geram seus próprios aliados que, desde a Arábia Saudita até Israel, são o principal fator de instabilidade regional.

Chaves:
23,8 milhões de pessoas vivem no país mais pobre do mundo árabe
50% da população vive abaixo da linha de pobreza, e um terço sofre de fome crônica
54% é analfabeto
35% da população está desempregada

Quem é Abd-Rabbu Mansour Hadi?

O atual presidente Mansour Hadi chegou ao poder em 2012 depois que seu antecessor, Ali Abdullah Saleh, renunciou em meio as massivas manifestações contra o aumento dos combustíveis e da energia, e a deterioração das condições de vida. Estas mobilizações foram um elo a mais dos levantes da primavera árabe contra os governos ditatoriais que encabeçam distintos países da África e do Oriente Médio em 2011. O próprio Saleh se encontrava à cabeça de uma ditadura de mais de 33 anos, primeiro governando o Iêmen do norte e depois da unificação de 1990, toda a República do Iêmen. Saleh foi um estreito aliado dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, e emprestou seu território para a instalação de bases militares como parte da “guerra contra o terrorismo” de Bush e Obama.

Frente à situação de instabilidade que se gerou em 2011, os Estados Unidos e as monarquias do Golfo pressionaram por sua saída, assumindo o poder seu vice-presidente, Hadi. Hadi manteve o essencial das políticas de Saleh, inclusive a subordinação política ao imperialismo norte-americano, e não pôde desativar o descontentamento que continuou até finais do ano passado, quando o hutís junto a um setor que havia desertado do Exército tomaram a capital, Saná, obrigando Hadi a apresentar sua renúncia.




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