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Europa | Demitida de uma Universidade alemã por se solidarizar a Palestina – Entrevista com Nancy Fraser

A Universidade de Colônia, na Alemanha, cancelou a estadia como docente visitante da professora de filosofia da The New School, de Nova York. Nessa entrevista, ela fala sobre a divisão entre “bons judeus” e “maus judeus” na Alemanha, sua trajetória de politização no movimento pelos direitos civis e o tempo que passou em um kibbutz, em Israel.

quarta-feira 17 de abril | Edição do dia

Você foi demitida como docente visitante na Universidade de Colônia porque assinou a declaração Philosophy for Palestine (Filosofia pela Palestina), que condena o genocídio e o sistema de apartheid empenhados por Israel. Você pode nos dizer como isso aconteceu?

Eu fui convidada por Colônia no último mês de julho. Eu assinei a declaração em novembro. E mesmo que a declaração tenha tanto tempo, apenas na semana passada eu recebi um e-mail do Professor Andreas Speer me dizendo que o reitor expressou preocupações. Eu achei isso muito inapropriado. Fui convidada sobre a base do meu trabalho acadêmico, que não tem nada a ver com minhas visões sobre Israel e Palestina. Respondi dizendo que existem muitas visões distintas e que há muita dor em todos os lados – inclusive porque sou judia. Mas, enfatizei que não há nenhum desacordo sobre a importância da livre, aberta e respeitosa discussão, como colocou o reitor. Minhas aulas não têm nada a ver com Israel/Palestina. Dentro de 24 horas, recebi um e-mail do reitor: Como eu não demonstrava interesse em renunciar às minhas visões, ele não teria outra opção senão cancelar minha docência.

Você trabalhou em diferentes universidades alemãs no decorrer dos anos. Isso já aconteceu antes?

Nunca, mas novamente, eu nunca fui tão direta como alguns de meus colegas. A situação atual em Gaza é tão extrema que senti que deveria falar.

Alguns meses atrás foi revelado que um palestrante da mesma universidade estava em uma reunião Nazista secreta, discutindo planos para deportar milhões de pessoas. A universidade anunciou um “processo investigativo” sobre seu status que durou vários meses. Houve um processo semelhante com você?

Não, foram apenas um punhado de e-mails em um intervalo de 24 horas. Eles estão dizendo que essa docência foi apenas uma “honraria” e não um compromisso acadêmico. Mas isso é falso. Eu fui selecionada por um grupo de professores e se o reitor passa por cima disso, ele está infringindo a liberdade acadêmica. É também um ataque à liberdade política. A mensagem que isso passa para todas as pessoas na Alemanha é: se você expressar certas visões, o seu trabalho está em perigo.

Qualquer um com visões a esquerda do centro poderia ser chutado para fora das universidades – um sonho para políticos da direita. É por isso que muitos acadêmicos protestaram, inclusive alemães.

Correto. E a parte triste é que a Alemanha alega estar se responsabilizando pelo povo Judeu, devido ao Holocausto. Mas então essas medidas são dirigidas - não apenas, mas também - contra intelectuais e artistas judeus. Há uma ideia muito limitada na Alemanha a respeito dos “bons Judeus”, que devem ser protegidos, e dos “maus Judeus”, que podem ser reprimidos. Eu gostaria de dizer à opinião pública alemã: Nós somos todos Judeus, e não igualem responsabilizar-se conosco a apoiar tudo o que o Estado de Israel faz.

Esse não é o primeiro caso nos últimos meses. Pessoas Judias, como Judith Butler, Masha Gessen e Candice Breitz tiveram premiações revogadas e shows cancelados.

Eu admiro muito a elas – eu me orgulho de estar na companhia delas, mesmo que essa não tenha sido minha intenção. Nós somos muito inconvenientes para pessoas que querem restringir uma real e aberta discussão sobre o que está acontecendo na Palestina. Quando Judeus como nós dizemos que temos visões diferentes sobre Israel, isso é inconveniente e talvez até mesmo uma ameaça.

Como a sua biografia influenciou suas visões?

Vim de uma família imigrante que não era mesmo muito religiosa. Meus avós deixaram a Europa no começo do século XX, antes do ascenso do fascismo. Como estudante do ensino médio, me tornei engajada no movimento por direitos civis. Naqueles dias, a segregação racial era legalizada em Baltimore, com as leis Jim Crow. Afro-americanos não poderiam comer nos mesmos restaurantes ou nadar nas mesmas piscinas. Eu rapidamente gravitei para a luta contra a segregação. Eu tive um clássico itinerário 1968, dos direitos civis a oposição à Guerra do Vietnã, ao SDS (Students for a Democratic Society), ao feminismo e assim adiante. Eu nunca fui particularmente muito envolvida com Israel.
Passei seis meses em um kibbutz, imediatamente na sequência da guerra de 1967. Havia um chamado por voluntários para ir e ajudar com a colheita. Eu pensava que um kibbutz tinha algo a ver com socialismo, mas eu rapidamente me desiludi, porque encontrei um racismo contra os Árabes muito similar ao racismo contra o povo negro nos Estados Unidos. Havia uma vila Árabe cruzando a estrada e o kibbutz não deixaria as crianças Árabes usarem a piscina. Pensei: “Ah meu deus, isso novamente?”.
Esse foi meu encontro mais próximo com Israel. Quando retornei aos Estados Unidos, me joguei sob as insígnias de engajamento da nova esquerda e não foquei na questão Palestina.

Tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha, os governos estão dando forte apoio para Israel, mesmo que a maioria da população seja crítica a isso. Existe uma forte repressão nas universidades contra a solidariedade ao povo Palestino – mesmo quando essa vem de estudantes Judeus. Esses dois países são semelhantes?

Nós enfrentamos nossas próprias formas de McCarthismo aqui nos Estados Unidos. Mas, não tão severa porque conseguimos colocar em cena um debate mais público. Nos anos anteriores, as vozes dos Palestinos e o movimento de solidariedade foram varridos para baixo do tapete. Mas, agora estão sendo ouvidos e nós temos um debate mais balanceado. Espero que algo assim emerja na Alemanha também.
Aqui nos Estados Unidos nós temos uma grande e politicamente ativa população Judaica – muito maior do que na Alemanha. Por décadas, as mais proeminentes vozes Judaicas foram diretamente a favor de Israel. Mas, recentemente organizações como Jewish Voice for Peace (Vozes Judaicas pela Paz) e Not In Our Name (Não Em Nossos Nomes) permitiram ao povo Judeu emergir como críticos à ocupação Israelense. Bernie Sanders é o mais proeminente político Judeu. Ele já foi um forte apoiador de Israel, mas ele mudou – muitas pessoas têm mudado. Alguns acham que ele demorou muito para chamar um cessar fogo permanente, mas agora ele teve que fazer.
As forças pró-Israel, como a APAIC estão perdendo o controle da narrativa. E agora, com a matança em Gaza, as vozes de Judeus críticos foram amplificadas. Na Alemanha, em contraste, todos estão falando sobre os Judeus, mas não juntos de nós.

Publicado também em alemão e inglês na rede Internacional Esquerda Diário.




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