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LITERATURA | Geração Literária de 30: Evidências de um Estado de dominação de Classe

quarta-feira 13 de julho de 2016 | Edição do dia

O discurso literário muitas vezes é afastado do discurso cientifico, mesmo nas ciências sociais é visto como algo distante, ausente. No materialismo histórico dialético, devido ao atraso na publicação de textos importantes de Marx e Engels até meados do século XX, como A Ideologia Alemã por exemplo, muitos autores marxistas não compreenderam o papel estratégico dos fenômenos artísticos culturais. Alguns deles desenvolveram pensamentos sobre o assunto por conta própria, como é o caso do italiano Antonio Gramsci, que propôs uma noção de superestrutura mais ampla em relação a formulada por Marx – deslocando a sociedade civil da estrutura para a superestrutura – incluindo fenômenos culturais e literários como fundamentais no âmbito da sociedade civil para criar hegemonia e contra-hegemonia.

O movimento literário brasileiro conhecido como Geração de 30 (ou segunda geração modernista) é marcado pelo entrelaçamento entre o discurso literário e o discurso sociopolítico, onde problemas do Nordeste brasileiro – principalmente a seca, o abandono, e a violência... – são representados nas páginas dos romances. As principais referências do movimento são: A Bagaceira do paraibano José Américo de Almeida publicado em 1928, O quinze da cearense Rachel de Queiroz (1930), S. Bernardo e Vidas Secas do alagoano Graciliano Ramos (1934 e 1938), Bangüê do também paraibano José Lins do Rego (1934), e Capitães de Areia do baiano Jorge Amado (1937).

Todas essas obras constituem-se como clássicos e muitas apresentam características ensaísticas sobre os problemas nordestinos, lançando ao país as discussões, com certas características de militância. Mesmo que sejam autores/intelectuais que partem de classes diferentes, explicitando realidade diferentes, desde membros do Partido Comunista do Brasil (depois Partido Comunista Brasileiro) como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz (que também participou do trotskismo), um político liberal paraibano, como José Américo de Almeida, ou ainda alguém associado a saudosista e decadente classe dos barões do açúcar, como José Lins do Rego.

É imprescindível considerar a realidade material, os aspectos que aparecem muito vivos nas páginas desses romances, como as secas, a violência, o descaso, entre outros que tem sua expressão na realidade nordestina. Karl Marx, no Prefácio da “Contribuição à crítica da Economia Política”, coloca que “o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”, nesse sentido a realidade de produção da vida material condicionam a história.

O comunista italiano Antônio Gramsci, em sua atividade revolucionária, preocupou-se em fazer uma sociologia da atividade literária nos Cadernos do Cárcere. Seu conceito de “hegemonia” que se refere a um processo na sociedade civil onde uma parcela da classe dominante exerce o controle a partir de sua autoridade intelectual e moral, vinculada ao material, além de coercitiva sobre outras frações da classe dominante.

A construção de um projeto hegemônico ocorre na sociedade civil através dos aparelhos privados de hegemonia em busca de consenso entendendo sempre que coerção e consenso fazem parte de uma mesma totalidade. Esse projeto passa a se tornar hegemônico na medida em que no marco de uma crise orgânica o bloco histórico subalterno (operário-camponês) tem condições de substituir ao bloco histórico dominante, mas para isso é preciso a construção de relações de força contra o Estado e uma nova hegemonia que tenha condições de expressar novos valores substituindo os da classe dominantes pelos das classes dominadas. Existe uma luta interburguesa pela disputa pela hegemonia entre frações burguesas privilegiadas e desprivilegiadas dentro do bloco histórico, que em última instancia acaba numa recomposição do mesmo sob novos termos.

A ideologia, para Gramsci, é entendida como “uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” como está colocado nos Cadernos do Cárcere no número 11, nesse sentido a ideologia é social e historicamente produzida a partir da dinâmica social e econômica, ou seja, da relação entre as classes.

Partindo daí pode-se fazer uma leitura atenta as dinâmicas sociais presente nos livros da chamada Geração de 30, onde dentre os muitos elementos que saltam os olhos, o que mais se destaca é a presença de um Estado de dominação classe, que junto aos subalternos se manifesta apenas nas formas de violência e arbitrariedade, um Estado de interesse das classes dominantes, como não poderia ser de outra forma no capitalismo, mas que de uma forma específica serve para manter o status quo através da coerção. O narrador d’A Bagaceira deixa claro que para aquele povo “o governo era, apenas, essa noção de violência: o espaldeiramento, a prisão ilegal, o despique partidário… Não o conheciam por nenhuma manifestação tutelar”, a fala confusa e submissa em solidariedade a Fabiano dos companheiros de cela, em Vidas Secas, “Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita”, e ele para se consolar “Governos, coisa distante e perfeita, não podia errar”, preferia não se envolver, “Deus o livrasse de história com o governo”. Em O Quinze Chico Bento diz “Nesta desgraça quem é que arranja nada! Deus só nasceu pros ricos!”, no contexto Deus claramente fazendo referência as benesses do Estado. Em Capitães de Areia, a história mais urbana da Geração de 30, faz notar a imensa presença repressiva desse Estado, através das suas instituições repressivas na vida daqueles meninos, e como essa atuação é determinante no sentido de determinar a vida que eles levam.

É interessante notar que o discurso literário da Geração de 30 enfatiza a dominação do Estado (por coerção) sobre as classes subalternas, na medida que apresenta os problemas do “povo” nordestino. Nesse sentido essa produção literária apresenta o Estado como responsável, em certa medida, pelos problemas regionais, abrindo espaço para a construção de uma luta inter-burguesa no interior do bloco de classes dominantes por projetos diferentes no interior do bloco, na tentativa também de renovar o consenso. A fração da burguesia urbana e das classes subalternas do Nordeste (sem independência de classe subordinadas a essa fração) contra a burguesia Centro-sul, que detinha o “monopólio” do Estado brasileiro.

Para que se entenda o processo com maior clareza, a estratégia de enfrentamento para a grave crise econômica mundial de 1929 pelo governo Vargas, possibilitou um processo de industrialização restringida no Centro-sul, com o Estado representando os interesses da burguesia industrial do Centro; as elites agrárias do Nordeste também dispunham do seu quinhão, mesmo que em uma proporção muito menor, através da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) – que veio a se tornar o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) – e a chamada “indústria da seca”. Diante desse cenário a estratégia empregada pela burguesia urbana do Nordeste, com apoio de representantes de forças populares e de esquerda, não só o estalinista PCB, como também o movimento das Ligas Camponesas, entre fins da década de 1950 e 1960, foi a de frente popular e de conciliação de classes em torno ao apoio político a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), cujo resultado é conhecido, uma série de ações planejadas e pretendidamente “reformistas” para “solucionar” os problemas regionais.

Esta é uma matéria introdutória, mas é preciso realizar uma análise mais específica de cada uma das obras mencionadas da Geração 30. A partir das abordagens particulares de cada autor, e do plano de fundo de cada cenário, passando pelo Brejo e Zona da Mata paraibanos, os sertões do Ceará e de Alagoas, e também a zona portuária de Salvador. Penetrando profundamente na Seca, na retirada, ou mesmo na “modernização” dos engenhos, poderemos obter elementos para melhorar nossa análise da formação econômico-social brasileira e os consequentes problemas regionais.

O que se faz central para os desafios que nos impõe a luta de classes num momento de aprofundamento da crise capitalista mundial e uma articulação especifica entre crise econômica e crise política no Brasil no marco de um giro a direita na superestrutura política latino-americana. Rejeitando as políticas estalinistas da frente popular a conciliação de classes e na perspectiva de uma organização autônoma dos trabalhadores e camponeses.




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