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Coluna | A "reforma da reforma" proposta por Lula-Alckmin não muda o DNA neoliberal do Novo Ensino Médio

Camilo Santana decidiu manter a reforma do ensino médio. Após fazer uma consulta fake sobre a reforma do governo Temer, o atual governo propõe agora alterações no NEM. Neste artigo buscamos desenvolver os significados destas alterações e explicar porque elas ainda seguem os objetivos neoliberais de fundo de ataque contra a educação. Buscamos, também, apontar caminhos para lutar pela revogação integral.

sexta-feira 1º de setembro de 2023 | Edição do dia

A reforma do ensino médio foi o pontapé do governo golpista de Michel Temer. Aplicada por uma medida provisória, à época o governo contou com forte apoio da grande mídia, que fazia propaganda da reforma como superadora do velho e ultrapassado ensino médio. Se apoiando nos péssimos índices da educação brasileira e em um país onde mais de 70 milhões de brasileiros não têm diploma de ensino médio, não foi uma operação difícil para a burguesia convencer a sociedade de que era preciso um novo ensino médio. Não é demais lembrar que o Ibope dava mais de 70% de apoio da população à proposta de se reformar o EM, com perguntas como “você é a favor de ampliar o número de horas na escola?”, “você é a favor do ensino profissionalizante?”

Mesmo com Temer e a demagogia da grande mídia, naquele momento vimos milhares de ocupações secundaristas e mobilizações de educadores ao redor do país contra a reforma do novo ensino médio e o teto de gastos proposto pelo governo golpista. No entanto, graças à paralisia das grandes centrais e da UNE e UBES, controladas pelas burocracias do PT e PCdoB, estudantes e professores não puderam se unificar e golpear com um só punho a reforma. Pouco tempo mais tarde, os próprios governadores do PT e PCdoB começaram a aprovar o novo ensino médio em seus estados, como foi o caso de Flávio Dino e do próprio Camilo Santana, que agora propõe reformar a reforma.

O que o governo Lula-Alckmin propõe?

Atualmente o novo ensino médio se divide entre disciplinas de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, como português e matemática, e itinerários formativos. As disciplinas basilares representam 60% da grade, totalizando 1.800 horas, enquanto os itinerários representam 40%, totalizando 1.200 horas. O que Camilo Santana propõe é alterar essa proporção para 80% de disciplinas, mas mantendo 20% para os itinerários.

Além disso, os itinerários como são hoje se dividem em cinco áreas: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino profissional. Camilo Santana propõe que se rebatize os itinerários, chamando agora de “percursos de aprofundamento”, e também que se dividam em três. Seriam eles: 1) Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Sociais e suas tecnologias; e 2) Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e suas tecnologias; e 3) ensino técnico e profissionalizante..

Na reforma da reforma proposta pelo MEC, há ainda o aumento de disciplinas previstas pela BNCC na nova grade. Hoje as disciplinas previstas pela reforma de Temer são educação física, arte, sociologia e filosofia, além de português e matemática em todos os anos. A proposta de Camilo amplia a obrigatoriedade para artes, educação física, história, geografia, sociologia, filosofia, física, química, biologia e "cultura digital”, poruguês e matemática.

Apesar da volta dessas disciplinas para a grade até o terceiro ano, o que se mantém são os itinerários formativos. É preciso lembrar aqui que a reforma de Temer, de forma demagógica, ampliou de 2.400 horas para 3.000 horas o EM, mas reduziu em 600 horas o espaço que as disciplinas da base ocupavam dentro do currículo nacional e concedeu 1.200 aos itinerários. Camilo propõe devolver as 600 horas às disciplinas, mas não visa acabar com os itinerários.

A face mais decadente dos itinerários formativos

A demagogia do NEM prometia entregar três coisas: liberdade de escolha do aluno através da flexibilização curricular; aumento de carga horária através do ensino integral; maior instrução profissional com o ensino técnico. Na prática o que a reforma entrega à sociedade é precarização do ensino, sobrecarga dos professores e aumento da desigualdade de acesso às universidades entre alunos das escolas públicas e particulares, uma vez que os alunos da rede pública não tem acesso às disciplinas que são cobradas no ENEM e na maioria dos vestibulares do país.

O reflexo da precarização do ensino pode ser verificado em todo país quando se olha para os municípios menores e mais pobres. Em 53% dos municípios brasileiros, há apenas uma escola de nível médio para atender toda a população. Em sua grande maioria, essas escolas não apresentam condições de oferecer os cinco itinerários formativos. Em verdade, quando oferecem um ou dois, oferecem de forma totalmente precária, sem formação de professores para tal e nem laboratórios que propiciem as condições necessárias para o desenvolvimento de um ensino técnico de qualidade.

Em SP, por exemplo, estado governado pelo bolsonarista Tarcísio, em 2023 mais de 100 escolas oferecem aulas de “como se tornar um tiktoker de sucesso”, segundo pesquisa da Folha de S. Paulo. Há ainda aulas de “como se tornar um milionário” e “como se tornar um youtuber”, além das já bastante populares aulas de “brigadeiro gourmet”. Isso acontece no estado mais rico do país, enquanto os estudantes de terceiro ano do EM tem apenas duas aulas de português e duas aulas de matemática por semana.

Ainda em SP, as atribuições de aula sempre foram um verdadeiro drama para os professores todo começo de ano, e durante a gestão Doria isso piorou ainda mais, reflexo de décadas de destruição da carreira docente promovida pelas gestões tucanas. Agora com tarcísio, são raros os professores que conseguem completar a sua jornada de trabalho somente com matérias da sua formação e cargo. Os professores se veem obrigados a assumir aulas de projeto de vida, eletivas, tecnologia ou de alguma outra matéria correlata, ampliando assim a concorrência pelas aulas e a carga de trabalho em casa, uma vez que precisam preparar aulas do zero e pensar conteúdos para os quais não foram formados.

Mas se os itinerários são péssimos, por que o governo mantém esse formato?

A resposta para a pergunta acima se encontra dentro do próprio MEC: o projeto político-econômico de Camilo Santana e Izolda Cela. Ambos, que foram fundamentais no projeto Sobral e atrelamento da iniciativa privada à produção de materiais didáticos, também convergem com as fundações na busca pela implementação do ensino profissionalizante de baixíssimo custo dentro do ensino médio, que faz avançar a iniciativa privada dentro da educação pública a nível nacional.

As fundações privadas nesse momento defendem que os itinerários formativos ainda representem, ao menos, 900 horas do currículo do NEM.Na semana passada, 22/08, pela via do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), Foncede (Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distritais de Educação) e CNE (Conselho Nacional de Educação), entregaram a Camilo Santana uma carta de exigências por “moderação na reforma da reforma”, onde além das 900 horas, deixam claro que não irão abrir mão do ensino profissionalizante precarizado que vemos nas escolas.

Aqui SP, Tarcísio sinaliza colocar o sistema S para administrar parte do ensino profissionalizante oferecido pelas escolas. Possivelmente se trata de uma forma de jogar água no moinho das fundações que neste momento tentam manter, como mínimo, 900 horas para o itinerário técnico. Com a popularidade do sistema S, é possível dar ao itinerário técnico um novo verniz de seriedade e transmitir à sociedade a ideia de que ele precisa permanecer no Ensino Médio.

A manobra para explorar ainda mais a juventude

Como se não bastasse tudo que essa reforma significa, ela ainda abre espaço para o projeto de lei proposto por Tábata Amaral, que possibilita que os jovens transformem suas horas em estágio em horas cursadas no ensino técnico dentro do NEM. Isto é, o jovem que escolher o ensino profissionalizante, poderá abater horas do ensino médio durante o período de trabalho. O resultado disso por um lado é a diminuição do ensino base para esses estudantes, e por outro é a ampliação de mão de obra para as empresas que fazem parte dos programas como Jovem Aprendiz.

Segundo a própria Tábata, existem em todo o país mais de meio milhão de vagas ociosas nos programas de jovem aprendiz. O que Tábata não diz é que essas vagas pagam, em geral, menos de um salário mínimo para os jovens. Nesse sentido, agora com essa nova lei, os estudantes que antes só podiam trabalhar nesses programas no contraturno da escola, agora poderão trabalhar ao mesmo tempo em que supostamente estariam em sala de aula. É como se o jovem estivesse em dois lugares ao mesmo tempo, quando na prática está sendo ultra explorado por essas empresas e perdendo tempo de estudo.

Quais os caminhos para a revogação integral da reforma do ensino médio?

Como vimos em 2016, quando estudantes se mobilizaram de norte a sul do país contra a reforma, o caminho continua sendo a luta de classes. A história provou que estavam certos contra o NEM e agora, diferente do que a grande mídia fazia a sociedade acreditar, todos percebem como o ensino médio piorou com a entrada dos itinerários. Os alunos não aprendem, os professores estão sobrecarregados e a evasão escolar só cresce.

A CNTE e todos os sindicatos da educação do país, como a APEOESP, e também a UNE e UBES, deveriam organizar assembleias onde trabalhadores e estudantes possam batalhar por um forte plano de lutas pela revogação integral da reforma. Somente a unidade entre os trabalhadores e os estudantes pode colocar abaixo essa reforma e arrancar da educação pública as fundações privadas dos grandes capitalistas que transformam o ensino em mercadoria.

No sentido de buscar unidade entre professores e estudantes, enfrentando as burocracias, que a subsede da APEOESP de Santo André lançou uma carta chamando as oposições do estado a se organizarem para intervir com uma perspectiva antiburocrática no congresso desse que é o maior sindicato do país. Se a APEOESP encampasse de fato uma luta contra o novo ensino médio, a mobilização pela revogação daria um salto. É com essa perspectiva que nós do Movimento Nossa Classe chamamos todos educadores e estudantes a não aceitarem a demagogia do governo Lula-Alckmin de reformar a reforma, mas sim a lutarem pela revogação integral, podendo assim dar lugar a debates em todo o país sobre qual educação nós realmente queremos.




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