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EDUCAÇÃO | A luta pela educação mostra um processo mais profundo no Uruguai

sábado 17 de outubro de 2015 | 02:58

Os economistas nacionais e internacionais destacam a solidez econômica do Uruguai para enfrentar a crise internacional, a desaceleração do crescimento é notória, e o governo se prepara para o que virá oferecendo maiores garantias para o capital e apertando os bolsos dos trabalhadores com aumento ínfimos e, em muitos casos, congelamentos ou diretamente perda salarial. Colocando-se ao lado com a política dos demais governos pós-neoliberais da região. Este último se pode ver no atual orçamento para trabalhadores públicos, mas especialmente nas rodadas de negociação salarial do setor privado, com prejeção de “aumentos” por debaixo do aumento real do custo de vida.

Recordemos que estamos há um ano das últimas eleições nacionais em que é reeleita e pela terceira vez a Frente Ampla, com Tabaré Vázquez ganhando de seu competidor com cerca de 60% dos votos. Esse partido de coalizão tem a particularidade de crescer e chegar ao poder com amplo apoio dos setores populares, e, como bem dizem vários analistas internacionais, sua grande qualidade é que dirige e controla a cabeça dos sindicatos.

Mas os trabalhadores vão por mais

A Frente Ampla chegou ao poder com grandes expectativas dos trabalhadores, que viram avanços na recuperação salarial desde a crise de 2001-02, mas o certo é que os grandes favorecidos são os empresários, como os López Mena (monopólio de transporte do Rio da Prata), os donos de Fripur (monopólio pesqueiro), Ecolat (uma das maiores fábricas de leite), e especialmente o grande capital de investimento com suas indústrias de papel e demais negócios. Isso é cada vez mais notório para os trabalhadores e, quando se começa a por em questionamento que paga o custo da crise, os trabalhadores começam a reagir, como foi a greve de professores desse ano, as ocupações de fábricas por tempo indeterminado e as mobilizações gritando por melhores condições de vida e trabalho.

O histórico conflito da educação

Ao conflito da educação se chega com um forte descontentamento frente a algumas ações do governo. Um setor que tinha feito a recuperação salarial, os reclames históricos de autonomia e co-governo para toda a educação pública, entre outras pautas, não foram contemplados pela Frente Ampla. O conflito teve como antecedente a greve de 2013, em que mais de 20 mil pessoas marcharam nas ruas transbordando à “contenção” da burocracia sindical.

Os trabalhadores da educação saíram para lutar em 2015 com uma plataforma que chama por 6% do PIB para a educação, autonomia e co-governo e contra toda reforma na educação que tenda à mercantilização da educação, entre outras reivindicações.

A greve começou com milhares de trabalhadores parados, tomando escolas e liceus, e saindo para se mobilizar nas ruas, mas o governo seguia firme com a sua proposta de um aumento salarial pequeno. O conflito se massificou quando o governo decretou a educação pública /’serviço essencial”, uma ferramenta legal utilizada historicamente pelos governos ditatoriais para acabar com os conflitos e greves. A “essencialidade” não só foi acatada pelos trabalhadores, como se tornou uma arma contra o governo, porque o conflito alcançou um amplo apoio popular, tendo como ponto mais alto a mobilização massiva de 27 de agosto, em que se estima que estavam mais de 50 ou 60 mil pessoas.

O governo da Frente Ampla quis dar uma mensagem clara ao resto dos trabalhadores que quiseram imitar os professores grevistas. Estes tiveram que enfrentar um governo muito duro que conta, obviamente, com o respaldo da oposição de direita, os grandes meios de comunicação e todo o arco empresarial para frear os protestos operários, assim como com a cumplicidade da direção sindical burocrata da central PIT-CNT e da maioria dos sindicatos. Mas nesse caso, o conflito da educação marcou um limite ao autoritarismo e desmascarou a burocracia sindical. O governo teve que levantar a medida de essencialidade porque se deu conta de que, do contrário, o conflito ia massificar-se cada vez mais. A burocracia sindical firmou um pré-acordo em que aceitava levantar as pautas da greve, mas as bases da capital tanto de escolas, liceus e escolas técnicas (UTU) rechaçaram o pré-acordo e seguiram por alguns dias a mais as pautas da greve, embora foram levantando paulatinamente para isolá-los.

O que mais se ganhou foi massividade, em que centros de estúdio de todo o país eram tomados pelos trabalhadores e estudantes, em que se fundaram núcleos de afiliados para sustentar pautas, em que ficou claro o apoio popular às reivindicações do conflito. Não alcançamos as demandas pelas quais lutamos, mas ficou clara que a principal responsabilidade de não conseguir o que se demanda por parte do governo foi pelas direções burocráticas, e essa é uma das principais conclusões que correm pela base dos professores. Embora saibamos que exercemos uma grande pressão na hora de votar o orçamento já se vislumbrem algumas concessões mínimas, e sabemos que é fruto da nossa força e organização.

Uma vez entrada na etapa de paralisações isoladas, quem sustentou o conflito nas ruas foram estudantes secundaristas. Um monte de centros de estúdios foram refundados e estavam ocupando seus liceus, exigindo mais orçamento para a educação. Tal é o caso que, uma semana depois de levantadas as pautas pelos trabalhadores, vários centros de estudos de segundo ciclo de secundaristas decidiram ocupar o edifício de CODICEN (autoridade de educação).

Isso continuou por três dias, enquanto exigiam uma mesa de negociação em que esteve um representante do ministério da economia. Esse processo toca um ponto de inflexão no que tem a ver com o direito de protestar e o que o governo está disposto a fazer, porque ele deu ordens de expulsão violenta contra os estudantes, trabalhadores e organizações sociais que se solidarizaram (como Plenária Memória e Justiça, trabalhadores de taxi, entre outros), que foram fortemente reprimidos. Inclusive até hoje seguem processos judiciais de mais de uma dezena dos presentes. Muitas das detenções foram ilegais, realizadas com repressão de civil ao estilo da ditadura.
As perspectivas

Poucos dias depois da ascensão da greve e da repressão em Codicen, alguns professores e estudantes seguimos apostando na coordenação com o resto dos setores da educação para a luta. É assim que conseguimos impulsionar a Assembleia Intersindical Gremial da Educação, que foi realizada no sábado (3 de outubro), em que se congregaram cerca de 500 pessoas da educação. Foi um feito pouco comum, a primeira experiência deste tipo em muitos anos.

A Assembleia Intersindical Gremial é uma grande experiência e mostra um avanço na organização dos trabalhadores não corporativista. Ainda fica pendente como se articula este espaço com tudo o que virá e que seja algo realmente a serviço dos conflitos. Nesse sentido, a mesma votou comissões de trabalho intersindical, que abordaram questões de políticas educativas, orçamento, assim como uma campanha contra a criminalização de protestos sociais. Apostamos em voltar a massificar a luta, com grandes ações unitárias. Impulsionamos essa luta na perspectiva de recuperar os sindicatos para os trabalhadores, ou seja, expulsar a burocracia sindical, já que esse é nosso principal problema na hora de lutar.




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