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DENÚNCIA | Irmão de Pazuello foi acusado de participar de grupo de extermínio no Amazonas

O blog De olho nos ruralistas resgatou uma escandalosa acusação de participação em grupos de extermínio do irmão do general Eduardo Pazuello. Em 1996 Alberto foi preso em flagrante acusado de participação em estupros, tortura de adolescentes, além de mantê-las sob cárcere privado.

segunda-feira 15 de março de 2021 | Edição do dia

Texto originalmente publicado pelo blog De olho nos ruralistas. Por Alceu Luís Castilho e Leonardo Fuhrmann

Um texto publicado no Estadão, no dia 30 de maio de 1996, traz detalhes relevantes sobre a prisão de Alberto dois dias antes, em sua casa, em Manaus. Título: “Empresário é preso por estupro e tortura”. A repórter Kátia Brasil abriu a notícia da seguinte forma:

— Sexo, drogas e videoteipe. Assim vivia o empresário Alberto Pazzuelo, 42 anos, em sua residência, numa área nobre de Manaus , com adolescentes mantidas em cárcere privado. Elas eram atraídas com anúncios em jornal oferecendo R$ 350 para copeiras e domésticas.

Há um equívoco na grafia do sobrenome, mas se trata mesmo de Eduardo, irmão mais velho de Alberto Pazuello. Nos anos 70, quando o ministro da Saúde ainda era adolescente, ambos eram sócios em uma financiadora no Rio, a S. B. Sabbá, ligada a outro clã amazonense. E eles continuam sócios, agora de três empresas. Uma delas, J. A. Leite Navegação, com longa trajetória nos rios do Amazonas, onde os Pazuello têm histórico familiar e empresarial relacionado à logística.

POLÍCIA APREENDEU PASTA DE COCAÍNA, ARMAS E FITAS COM CENAS DE SEXO

O texto do Estadão, disponível somente no acervo do jornal, continuava descrevendo o flagrante. Alberto estava com as adolescentes J.F.C., de 14 anos, e J.L.F.C., de 17 anos. A vítima mais velha estava beijando os pés do empresário quando a polícia entrou, conforme o relato da delegada. “Com ele, foram apreendidas uma escopeta, pistola automática, cocaína em pó e pasta, maconha, uma filmadora e fitas com cenas de sexo das garotas”.

Alberto Pazuello foi para o presídio sob a acusação de porte de drogas e de armas, estupro, atentado violento ao pudor e cárcere privado. Era a segunda vez em que ele era preso. No ano anterior, contava o Estadão em 1996, outra adolescente de 17 anos tinha sido mantida em cárcere privado: “O empresário a deixou cinco dias com os braços amarrados ao exaustor da sauna da casa. A mão direita da jovem teve de ser amputada”.

O segundo flagrante foi possível porque duas pessoas — uma delas, uma adolescente de 14 anos — fugiram da mansão, um dia antes da prisão, e denunciaram Alberto. “C.E.P. foi estuprada, já temos o laudo”, dizia à reportagem uma segunda delegada, Catarina Torres, da Delegacia de Crimes Contra a Mulher. Na 7ª Delegacia do Amazonas, então comandada por Vera Lúcia Oliveira, J.L.F.C. se viu em um vídeo com lágrimas nos olhos: “Ele me forçava com uma arma e me torturou”.

Seriam só crimes praticados por um indivíduo, até hoje sócio do irmão em empresas da família, ou os fatos estavam ligados a um determinado contexto político? O texto da Folha, assinado por André Muggiati dias após a notícia do Estadão, e investigações posteriores sobre Alberto Pazuello mostram que a segunda hipótese foi a mais levada em conta na época.

Título da Folha no dia 4 de junho de 1996: “Testemunha liga empresário a grupo de extermínio do AM“. A grafia do sobrenome continua errada, mas novamente se trata do irmão e sócio do ministro. Vejamos o início do texto:

— Uma testemunha relacionou o empresário Alberto Pazzuelo, preso desde o último dia 28, a um grupo de extermínio que, segundo ela, atua em Manaus (AM). A testemunha, cujo nome vem sendo mantido em sigilo, depôs na semana passada na polícia e no Ministério Público. É uma ex-empregada, que trabalhou na casa de Pazzuelo por três meses. Ela identificou oito policiais como integrantes do grupo, auto-intitulado “A Firma”.

O que era A Firma?

CRIMES FORAM INVESTIGADOS POR COMISSÃO DA CÂMARA

Em 1996, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados fez uma série de viagens de apoio às investigações contra essas quadrilhas. Os parlamentares tiveram destaque nas investigações contra a Scuderie Le Cocq, criada no Rio de Janeiro e que na época tinha forte atuação no Espírito Santo. O presidente da comissão era o então deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP), falecido em 2018, que havia se destacado nos anos 70 como promotor de Justiça no combate ao esquadrão da morte de São Paulo.

Foi o próprio Bicudo que esteve em Manaus, como líder da caravana da comissão. A situação era vista como muito grave pelos próprios parlamentares. O ex-deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) lembra que o grupo tinha vínculos com a elite econômica do município e diversos tentáculos dentro dos três poderes do estado. Havia suspeitas de ligação do próprio secretário de Segurança Pública — hoje também falecido — com a Firma, além de pelo menos um deputado estadual. Um radialista ligado a eles divulgava as ações do grupo.

Como acontecia com outros desses grupos, a criação vinha sob o argumento de combater a criminalidade fora do sistema judicial. No entanto, como lembra Miranda, os próprios grupos passam a cometer outros crimes. A Firma era acusada de manter uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes na Amazônia. Um desembargador chegou a ser apontado como um dos clientes da rede.

Hoje procurador de Justiça aposentado, o promotor Carlos Cruz teve papel central nas investigações contra o grupo. “Foi um caso muito difícil, a gente recebia muitas ameaças e teve até ciladas”, conta. O apoio da comissão nacional e até de organismos internacionais foram importantes para o prosseguimento das investigações. “O ativista de direitos humanos argentino Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz em 1980, esteve em Manaus e aproveitou para se reunir comigo para falar sobre o assunto”, recorda.

EX-EMPREGADA CONTOU TER VISTO DOIS ASSASSINATOS NA CASA DO EMPRESÁRIO

O nome de Alberto Pazuello apareceu nas investigações pela primeira vez graças ao depoimento a Cruz de uma ex-empregada de sua casa. Ela apontou um compartimento secreto na casa do empresário, que seria usado para guardar grandes quantidades de drogas. E contou ter presenciado dois assassinatos no local. A polícia encontrou diversas marcas de balas nas paredes do quintal. A trabalhadora reconheceu oito policiais como integrantes do grupo.

Quando a testemunha depôs, Alberto estava na cadeia, durante inquérito conduzido pelo delegado Wilsomar Grana. O Jornal do Commercio do dia 23 de junho de 1995 fez o seguinte relato (novamente o sobrenome Pazuello está com grafia incorreta) sobre a prisão dele, no dia anterior, em sua mansão no Parque das Laranjeiras:

— Ao dar voz de prisão a Alberto, este recebeu os policiais civis a bala, e a polícia militar enviou ao local uma tropa da Polícia de Choque, que conseguiu a mansão [sic], desarmar e deter o revoltado Pazzuello.

Enquadrado por porte de armas e de drogas, Alberto Pazuello era apresentado nessa reportagem como o dono da firma J. Leite. É a mesma empresa, a J. A. Leite Navegação, da qual ele se tornou sócio no ano passado, junto com o ministro Eduardo Pazuello e outros irmãos, como mostrou a Agência Sportlight.

O empresário foi solto no mesmo dia, por decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas. Ele ficou foragido por dez meses, até ser preso novamente em maio do ano seguinte, graças a uma denúncia anônima. Na ocasião, o empresário se declarou “inocente” e afirmou que as pessoas estavam “mentindo para prejudicá-lo”.

Do período, resta um processo que Pazuello responde no 2º Tribunal do Júri de Manaus por homicídio, sem qualquer decisão nesses 25 anos. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério Público estadual do Amazonas, um dos motivos para a demora foi que alguns documentos do processo foram perdidos e estão tendo de ser restaurados nos autos.

ALBERTO É SÓCIO DE EDUARDO PAZUELLO DESDE A DITADURA

Além de irmãos, o empresário e o general são sócios em pelo menos três empresas, duas fundadas e uma adquirida pelo pai deles, o empresário Nissim Pazuello: a J.A. Leite Navegação, a Petropurus Representações e Comércio de Petróleo (uma rede de postos de combustível) e a N Pazuello E Cia Manaus. Além deles, outros irmãos e parentes têm participação nos negócios.

A J. A. Leite foi criada em 1966, mas a última entrada de Eduardo e Alberto Pazuello na sociedade ocorreu no ano passado. O mesmo ocorreu com a N. Pazuello e Cia, criada pelo pai Nissim Pazuello. Em novembro de 1971, Nissim e os filhos — entre eles Eduardo e Alberto Pazuello — apareciam como sócios da S.B. Sabbá – Crédito, Financiamento e Investimento S/A., controlada por Samuel Benayon Sabbá.

Em uma ata, a família aparece representada na empresa por Artur Soares Amorim, chefe de gabinete do ministro do Planejamento, Roberto Campos, durante o governo Castello Branco. Era o início da ditadura no Brasil — o regime apoiado pelos clãs Pazuello e Sabbá — e as famílias multiplicavam seus tentáculos empresariais.

Tanto Alberto Pazuello — por meio de uma das empresas da família — como o ministro Eduardo Pazuello foram procurados pela reportagem para falar desses casos policiais e da história empresarial da família. Até o momento não houve retorno.




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