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Visibilidade Trans | Enfrentar o RG transfóbico e arrancar nossos direitos recuperando a organização independente dos governos e patrões!

Neste 29 de Janeiro, dia da visibilidade trans, se comemoram 20 anos da apresentação desta data com o lançamento da campanha “Travesti e respeito” no Congresso Nacional. Mas, desde antes, vem a luta contra o transfeminicídio, denunciando as mãos do Estado capitalista sujas de sangue, com a Operação Tarântula no fim da ditadura militar até os casos mais recentes de agressões físicas em uma casa de shows no Rio de Janeiro. Se em algum momento disseram ser invisíveis, isso hoje é impossível.

Virgínia GuitzelTravesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

segunda-feira 29 de janeiro | Edição do dia

Nos últimos anos de Bolsonarismo, vimos reacender os estigmas e ódio contra as nossas identidades, contra as pessoas que convivem com HIV e outras ISTs e, sob a falácia de “ideologia de genero”, incentivar o aprofundamento das violências que já são estruturadas por uma longa cadeia que começa desde o nosso nascimento com a imposição de um gênero atrelado a nossa genitalia pelo Estado, que mutila e violenta pessoas intersexo, e se perpetua nas instituições de ensino, nos trabalhos precários, na prostituição compulsória, até o último elo dos transfeminicidios. Nos últimos meses, o RG transfóbico mantido pelo governo Lula-Alckmin marcou uma continuidade - e não uma ruptura - de um importante ataque bolsonarista às pessoas trans, somado ao caos instaurado para obtenção de testosterona, que demonstram como na Frente Ampla e sua conciliação cabe o Partido Republicanos de Damares Alves, Mourão e Tarcísio Freitas, e a conciliação com esses setores significa atacar as pessoas trans. Infelizmente, nada de novo, além de leves flashbacks de 2013, quando a nomeação de Marcos Feliciano do PSC na Comissão de Direitos Humanos e Minorias marcou a entrega de nossos direitos como moeda de troca pelo petismo.

Em 20 anos de movimento trans organizado, é muito interessante pensar as profundas mudanças que o Brasil passou e como a transfobbia se mostrou uma base estrutural do capitalismo brasileiro, recorde no consumo de pornografia trans e de casos de prostituição que sustentam a família tradicional brasileira, com base na exclusão e marginalização dessas identidades. O primeiro ciclo de governos pós-neoliberais liderados por Lula e Dilma demonstraram que não se poderia avançar progressivamente sobre esses direitos, porque nem quando se teve uma aprovação geral do governo se buscou ter medidas minimamente sérias nesse sentido. Com Junho de 2013, e processos de luta que se seguiram, onde as LGBTQIAP+ tinham peso na composição de manifestações, seguido pelo Golpe Institucional em 2016, foi necessário contraditoriamente um multiculturalismo progressista assentado pela Globo e marcas que ao mesmo tempo que pintavam as cores do arco íris, apoiavam cada contrarreforma que precariza a vida da população, e inevitavelmente atinge com mais crueldade as pessoas trans, e se sustenta nos estigmas e preconceitos já pré estabelecidos. A Pandemia novamente demonstrou como a ideia de "ficar em casa e refletir sobre a vida" era um privilégio de classe, e se reduziu inclusive a perspectiva de vida.

Este processo permitiu que muito além de corpos visíveis, se produzisse uma consciência sobre a existência de pessoas trans, com um aumento do apoio contra a marginalização que sofremos, combinado ao próprio movimento estudantil passando a incorporar pautas em defesa das pessoas trans como suas. Assim como as cotas trans que arrancamos na UFABC em 2018 em meio ao surgimento do bolsonarismo, a greve da USP e da Unicamp em São Paulo ergueram essa pauta e mostraram que é na luta e na unidade dos oprimidos e dos trabalhadores que podemos arrancar os nossos direitos, contra a reitorias e governos que nos mantiveram sempre longe de acessar esses espaços. Internacionalmente isso se expressa nas manifestações de estudantes e trabalhadores da educação nos Estados Unidos contra legislações anti-LGBTQIAP+.

Neste sentido, urge refletir sobre a limitação do horizonte da visibilidade, já que com a expressão de artistas trans e LGTBQIAP+ recordistas no Brasil, a limitação deste caminho escancara a contradição produzida pelo neoliberalismo de alguns no topo, enquanto a imensa maioria é oprimida e super-explorada, assim como também busca restringir as possibilidades imaginárias e também matériais de desenvolvimento de novos gêneros e de novas formas de se lidar com os corpos. Não se trata de implorar para que Lula olhe por nós, que implementa ataques transfóbicos e se alia a setores que nos querem mortas, como fez a Marsha Trans em Brasília ontem, mas de como nos apoiamos na visibilidade que existe para construir um movimento massivo independente.

O ano de 2023 começou com o alerta de todos os dias surgir um novo projeto anti-trans, tentam nos impedir de usar o banheiro, tentam banir a linguagem neutra, impedir nossa participação nos esportes e querem atacar o direito dos adolescentes trans de acesso a saúde, parlamentares da direita como Nikolas Ferreira usando perucas pra nos deslegitimar, parlamentares trans atacadas e ameçadas de morte, ataques a crianças trans nas escolas e nas universidades, empresas com o X (antigo twitter) retirando a proteção de pessoas trans, e legitimando ataques de ódio, o IBGE usando parametros transfobicos em pesquisas, além da manutenção do RG bolsonarista que destaca o nome morto e atrela ao sexo biológico, criando enormes discriminações e a manutenção do ranking de assassinatos de pessoas trans no mundo.

Essa é a cara da conciliação de classes petista. Em nome da governabilidade, sempre há “prioridades” que rifam os nossos direitos, enquanto Republicanos ganha ministérios, e os capitalistas enchem os bolsos de lucro, seguimos sem direitos elementares, como ter um RG que não nos discrimine ou a legalização do aborto para pessoas com útero.

Nós da Faísca Revolucionária, que sempre estivemos na linha de frente da luta pelos direitos da comunidade trans, enfrentando a extrema direita, a Igreja, as feministas radicais e batalhando dentro do movimento estudantil e da classe trabalhadora para unificar as nossas lutas, temos orgulho de termos sido linha de frente da aprovação das cotas trans na UFABC, assim como estivemos nas greves da UNICAMP e na USP. Somos a juventude que na UERJ levamos até o final a luta contra a Reitoria que legitima a transfobia dentro da universidade, assim como na UFMG e na UFRN, e em todas as universidades do país.

Por isso, colocamos a necessidade de reerguermos um movimento trans independente do governo Lula-Alckmin, que já demonstrou ao longo de 2023, que irá repetir os governos petistas anteriores, que apresenta “cartas ao povo de Deus” e mantém nossas reivindicações escondidas para não arriscar suas alianças. Por isso, nos apoiamos nas expressões mais radicalizadas e revolucionárias da história internacional do movimento LGBT, com o legado combativo que nos deixa a revolta de Stonewall, quando nos levantamos contra a repressão policial, experiências como a Frente Homossexual de Ação Revolucionária, que se recusava a separar a luta contra a opressão de gênero e sexual da luta anticapitalista, ou os momentos de alianças com o movimento operário, negro e feminista contra a repressão da Ditadura Militar. Essa tradição precisa urgentemente ser resgatada.

Infelizmente, a Marsha Trans que ocorreu em Brasilia ontem vai na contramão disso, desde o financiamento e convocação do aplicativo Grindr, uma empresa milionária baseada em trabalho precário, até as alianças políticas envolvidas, como com o PDT na linha de frente da convocatória, uma organização política burguesa contrária à legalização do aborto e defensora de inúmeros ataques, como a PEC dos Precatórios e a MP 881, o PDT que tem em Duda Salabert uma porta-voz cuja representatividade vazia fala de defesa das pessoas trans, enquanto foi parte da implementação de ataques como o Arcabouço Fiscal, que aumenta a terceirização e piora ainda mais o saneamento básico.

Qual seria o interesse em organizações que são parte (junto da Frente Ampla) em manter cada um dos ataques implementados por Temer e Bolsonaro como a Reforma Trabalhista e a Terceirização Irrestrita que atingem brutalmente as pessoas trans ou que lucram em cima disso? Não são nossos aliados! Marsha P. Johnson dizia “Nenhuma liberdade para alguma de nós, sem a libertação de todas nós”, isso significa, que não podemos acreditar em “algumas trans no topo”, porque quando olharmos pra baixo, veremos os corpos empilhados e sangue derramada das nossas irmãs e irmãos trans, no país do transfeminicídio. As principais organizações como a ANTRA e o IBRAT apostam no diálogo e nas vias institucionais para a melhoria das nossas condições de vida, sem levar em conta que as mesmas instituições são as que historicamente nos mantiveram na marginalidade, e que recentemente foram responsáveis pelo golpe de 2016, ascensão do bolsonarismo, e da perpetuação das nossas violências.

Chamamos a ANTRA e o IBRAT a romper essa adaptação ao regime capitalista brasileiro que já demonstrou que só tem a oferecer mais dor e violência para nossas identidades, e que impulsionam uma ampla organização desde as bases junto às entidades estudantis, sindicatos, organizações de direitos humanos e partidos de esquerda, convocando assembleias nos locais de trabalho e estudo, utilizando espaços de socialização para impulsionar a luta. Podemos somente confiar na forçanossa da nossa organização independente para derrubar o RG transfóbico, construindo uma forte luta nacionalmente pelas cotas trans rumo ao fim do vestibular, por um plano de combate ao transfeminicídio e fortalecer o nosso combate a extrema direita que destila seu ódio contra as nossas vidas e também com a conciliação de classes, que ao passo que fortalece a extrema-direita, também nos ataca.

Assim como vimos na Argentina no útimo dia 24, o movimento LGBT e de mulheres se somou a Greve Geral para enfrentar o asqueiroso Milei, aliado de Bolsonaro e Trump, que quer atacar o conjunto da classe trabalhadora, proibir os protestos sociais e retroceder nos direitos arrancados com muita luta, como foi a legalização do aborto, ou o direito ao nome social. Por isso nos inspiramos na batalha levada adiante lá pela independência política e pela auto organização desde as bases, para se enfrentar com os ataques sem aceitar a entrega de direitos.

Não temos dúvidas: para enfrentar a violência transfóbica é necessário arrancar por meio da luta um plano de emergência contra a violência machista e LGBTfóbica, apontando que o Estado é responsável, também precisamos organizar a luta por cotas trans em cada universidade e instituto federal, por educação sexual integral, pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito, pela garantia de tratamento hormonal, psicológico e cirurgias pelo SUS, como parte da luta por um SUS 100% estatal sob controle dos trabalhadores. Essa luta precisa ser independente dos governos que nos atacam, como faz Lula Alckmin com o RG transfóbico e dos patrões que lucram com nosso suor.

Rechaçamos todo o operativo mentiroso do Estado genocida de Israel, que quer se utilizar das LGBTQIAP+ para encobrir e legitimar o massacre que levam adiante. Não em nosso nome! Neste 29J, erguemos com força a defesa do povo palestino!

Nós da Faísca Revolucionária, que somos comunistas, seguimos a tradição de que se pode medir o nivel de desenvolvimento de uma sociedade, de acordo como tratam as mulheres, e podemos acrescentar, as pessoas trans em geral. Acreditamos que será preciso acabar com o capitalismo para abrir espaço para uma sociedade onde possamos colocar toda a tecnologia, as forças produtivas, a nossa capacidade criativa à serviço das necessidades humanas e assim, poder desenvolver todo o nosso potencial subjetivo para o livre desenvolvimento dos nossos corpos, das nossas identidades e da nossa emancipação coletiva. Por isso, é preciso retomar as lições daqueles que não apenas sonharam alto de olhos abertos, mas que concretizaram os maiores avanços de emancipação feminina e de questionamentos a ordem capitalista, os bolcheviques que criaram uma disputa de ideologia em base a uma hegemonia de novo tipo, da classe trabalhadora, em base a um modo de produção não mais pautado a propriedade privada. Retomar essas lições, exige ter uma visão crítica do stalinismo que retrocedeu nessas conquistas e manchou o nome do comunismo e do marxismo com a sua caricatura burocrática e totalitária. O que para as pessoas trans se faz presente ainda hoje, como no ano passado, em pleno dia 29 de Janeiro, a Unidade Popular que se orgulha de fazer camisetas, canecas e bonés com a imagem de Stalin, dizia que era preciso ’ajudar as pessoas trans a lidar com a sua condição’. Nós da Faísca que defendemos o trotskismo como corrente que defendeu a Revolução Russa, suas conquistas contra a contrarevolução burocrática de Stalin, confiamos na capacidade da nossa organização para desde já enfrentar os ataques, mas também para apontar um caminho de uma nova sociedade, baseada na cooperação livre de produtores associados, que produzam novas relações sociais, e um novo horizonte imaginário que nos ensine a sonhar com uma vida completamente nova e muito mais feliz, que damos o nome de comunismo.




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