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Crônica | Como era mesmo o nome do jornal?

Crônica-denúncia de uma conversa de portaria.

Mafê MacêdoPsicóloga e mestranda em Psicologia Social na UFMG

domingo 17 de março | Edição do dia

Há alguns dias soubemos que rondava na UFMG a ameaça de que os salários dos trabalhadores terceirizados das portarias fossem reduzidos em até mil reais. Ao longo da semana, que também contou com a greve dos técnicos administrativos na universidade, buscamos esses trabalhadores pra conversar e tentar entender melhor o que estava sendo colocado. Em uma dessas conversas, depois de perguntar pra dois trabalhadores se eles estavam a par dessa situação, ouço uma leve risada abafada compartilhada pelos dois, seguida do comentário de um deles de que provavelmente não havia essa ameaça. Ele justifica. Não diz isso por acreditar na benevolência ou nas boas intenções da nova empresa para qual trabalham ou da reitoria. Acreditam que não há, porque não há como haver. Mais um corte em um salário já mutilado, em um cargo que não os permite ir ao banheiro quando precisam porque são postos sozinhos nos seus postos de trabalho. São postos.

"Soube que um colega fez xixi nas calças."

Comentam indignados o quanto essa situação é ainda pior pras mulheres. Como saída pensam em se arriscar a colocar uma plaquinha escrita “volto já”. Relatam que uma corajosa porteira de outro prédio faz assim. Ou quer saber? “Abaixar todas as catracas, não sei pra que isso mesmo”.

Revezando o turno da fala, mas ansiosos para dizer, entre tantas informações que me contaram, como quem contaria tudo aquilo em um megafone, rememoramos a greve do final de 2022. Um deles conta que depois de lutar foi demitido, e então passou um ano no trabalho informal até ser recontratado pela nova empresa. Diz como não foi fácil, como não é fácil. Comentamos sobre a greve dos servidores, que estão desde 2016 sem terem seus salários reajustados, e um deles diz como aí sim é fácil. Ter direitos e deveres. Quando a eles, tudo o que é reservado são deveres, quando dos direitos não sabem nem a cor ou o cheiro.

A terceirização divide nossa classe.

Legitimo a greve dos técnicos e tento mostrá-los como é isso mesmo que a reitoria e suas empresas contratadas, em nome da burguesia, querem fazer. Apresento pra eles o Esquerda Diário e suas denúncias e conto que há estudantes, professores, juristas e militantes lutando pela sua efetivação, construindo um manifesto em todo país contra a existência dessa porta aberta pro trabalho escravo, que é a terceirização. Agora não mais a risada, mas um sorriso seguido da frase: "Quem sabe um dia." Afirmo que nossa luta seguirá até esse dia e ele rememora que já chegaram a reduzir o horário de almoço para 30 minutos depois para 20 até o cortarem completamente. Mas conta que logo voltaram atrás porque "viram que não ia dar".

Que os mostremos que não dá antes de perceberem com seus cálculos realizados por pontas de lápis que jorram sangue. Que outros lápis sejam utilizados para assinar o manifesto que se propõe a fortalecer uma luta que dê conta dessa tarefa urgente, que, embora já se realize com enorme atraso, é uma forma de reparação política para estes trabalhadores.

Pelo horário do meu trabalho, tenho que me despedir deles. Combino que volto e afirmo que quero conversar mais. Vejo como também querem. Não me dizem explicitamente, mas quando estou indo embora, ouço a pergunta: “Como era mesmo o nome do jornal?”




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