×

Carlotti no Roda Viva: Entre os pactos com Tarcísio e demagogias com inclusão

Enquanto os estudantes da Letras piquetavam o prédio de seu curso, em protesto à falta de professores e o sucateamento geral, o reitor da USP, Carlotti, esteve no Roda Viva. Lá, exaltou suas “políticas agressivas” de inclusão e ressaltou a importância das humanidades. Nada mais contraditório e hipócrita. A roupagem da Reitoria da USP é clara: por um lado, demagogia com inclusão e democracia, buscando manter certo perfil da gestão pró frente ampla de Lula-Alckmin, por outro lado, argumentos tecnocráticos para defender o programa neoliberal, elitista, excludente e racista.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

quarta-feira 30 de agosto de 2023 | Edição do dia

Nesta segunda-feira (28), o reitor da USP Carlos Carlotti esteve no Roda Viva. O convite demonstrou os alinhamentos entre Tarcísio e a reitoria da USP, após um breve período de divergência na disputa eleitoral entre Bolsonaro-Tarcísio e a frente ampla de Lula-Alckmin, quando a burocracia acadêmica lançou o manifesto “Em defesa da democracia”. “Eu confio na palavra do governador de São Paulo”, disse Carlotti durante a entrevista, diante do corte no investimento da educação no Estado, de 30%, para 25%, uma afirmação que simboliza este pacto entre o bolsonarista Tarcísio e a reitoria.

Contudo, a força dos estudantes, trabalhadores e professores - aqueles que fazem a universidade de fato - tomou forma com as pautas centrais da entrevista: a escandalosa situação da FFLCH, em especial a Letras, da ECA, e da EACH com a falta de professores e precarização da estrutura; a busca de consensos entre o convidado e a bolsonarista da Jovem Pan, Helen Braun, para atacar os trabalhadores e professores; por fim, o desmonte do Hospital Universitário também não ficou de fora.

Resguardando-se na “performance” no novo ranking das 100 melhores universidades do mundo, Carlotti buscou conciliar suas promessas mentirosas de preencher as vagas de professores com a “responsabilidade” fiscal e orçamentária da universidade. Do começo ao fim da entrevista, entrou em contradição. Se por um lado, afirmava que taparia o buraco da falta de professores, que coloca os cursos da Letras e da ECA em risco, por outro remarcava que não tinha o orçamento para atingir tais metas demagógicas.

Com o curso de Letras paralisado, além do protesto intenso dos estudantes nas redes sociais, foi impossível para Vera Magalhães e seu convidado escaparem de temas indesejados à Carlotti. Destacou-se, também, as aberrantes intervenções de Helen Braun, representante da Jovem Pan que esteve no programa dando voz à política defendida pelos bolsonaristas, que nas últimas semanas foram tumultuar, armados, na FFLCH, da onde foram expulsos pelo movimento estudantil. A juventude Faísca esteve presente em frente à TV Cultura para denunciar as políticas de sucateamento promovidas pela Reitoria.

Abaixo, respondemos algumas mentiras e demagogias de Carlotti, cujo tom tecnocrata e a “aproximação da universidade com o mercado” o aproxima e agrada Tarcísio, com quem compartilha acordos fundamentais no avanço do sucateamento e elitização da USP.

Sobre as "políticas agressivas" de inclusão

A exaltação e aparente orgulho do Reitor diante de suas agressivas políticas de "inclusão" são desmentidas pela realidade de qualquer estudante que enfrenta desde a condição precária do CRUSP e as filas quilométricas dos bandeijões, até a falta de bolsas e o péssimo transporte público que abarrota estudantes e trabalhadores nos circulares.
A burocracia acadêmica da USP pode orgulhar-se de ser a última universidade pública no Brasil a ter implementado cotas, não por boa vontade, mas pela imposição do movimento negro aliado aos trabalhadores e estudantes da universidade. Luta que resultou em processos da reitoria contra ativistas negros e negras. As cotas foram implementadas na USP apesar da Reitoria.

As mães estudantes também lidam com o sucateamento e redução de vagas nas creches, uma política para expulsar estudantes que tenham filhos.

A Reitoria pode orgulhar-se de adotar uma política agressia de exclusão, que tenta parecer inclusiva. Porém, através do vestibular, mantém dezenas de milhares de jovens fora da universidade. Para os que conseguem furar o filtro do vestibular, a expulsão da universidade é incentivada pela falta de permanência.

Sobre o Hospital Universitário

O discurso mentiroso de inclusão é exposto com a situação do Hospital Universitário (HU). Antes de uma política de sucateamento nos últimos anos, esse hospital era referência já região, cujos pacientes, muitos dos quais negros, vinham da comunidade ao lado, a São Remo. Hoje, o hospital está sucateado e várias de suas alas foram fechadas, diante da falta de funcionários, médicos e debilitamento dos equipamentos e infraestrutura geral.

O objetivo da Reitoria é entregar o HU para a gestão privada de alguma "Organização Social" cujos proprietários, como sabemos, provavelmente são parte da própria burocracia acadêmica, como fizeram com o Hospital de Reabilitação de Anomalias Crânio-Faciais de Bauru (HRAC) agora gerido por uma OS controlada por burocratas da USP.
A reitoria da USP vem a décadas desmontando diversos setores da USP que como o HU padecem com a falta de contratação dos funcionários necessários para que o hospital possa continuar funcionando. A urgente contratação de funcionários para toda a universidade, aliás foi uma gritante ausência no discurso de Carlotti em uma entrevista feita a poucos dias depois do jornal Estado de São Paulo dizer explicitamente que é necessário reduzir o número de funcionários da USP. Paralelamente ao desmonte a reitoria vem incluindo seus burocratas como gestores privados do patrimônio público através de Organizações Sociais e empresas terceirizadas. No HU, excluiu a população pobre e negra do acesso à um hospital de qualidade.

Sobre as cotas para professores

Um recente escândalo racista simboliza bem a relação entre o racismo e a burocracia acadêmica. Durante cerimônia na qual recebeu o título de Emérito, realizada no Conselho Universitário (Co), o professor Kabengele Mudança viu algo inédito ocorrer. Eu seu discurso, o professor da FFLCH, fazendo parte dos 2% de discentes negros de toda USP, fez uma crítica ao conservadorismo, preso ao darwinismo social e do discurso meritocrático disfarçado de busca de qualidade e da excelência, que exclui "do universo universitário de milhões de jovens de ascendência africana, indígenas e brancos pobres, oriundos da escola pública”. Kanbengele afirmou que essa política foi o que predominou na USP nos últimos vinte anos. A Reitoria da USP, numa quebra de decoro inédita, buscou com a vice-reitora Maria Arminda responder o homenageado.

O discurso de Carlotti no Roda Viva seguiu a risca a grosseria de Maria Arminda, que evidencia o racismo incrustado na USP e em seu alto pelotão de burocratas. No dia 2 de julho e ontem o discurso da burocracia era o mesmo: exaltam a ’agressividade’ de suas políticas de inclusão.

Mas sobre o dado de apenas 2% do corpo docente ser negro, não há para onde escapar que não seja em desculpas tecnocratas sobre o processo seletivo de professores. Por fim, os entrevistadores ajudaram Carlotti ao não comentar sobre sua declaração racista de que as cotas para professores poderia diminuir a qualidade do ensino na USP.

Esta mesma reitoria que tenta se equilibrar entre um discurso demagógico de inclusão e a manutenção de toda tradição racista da elite Paulista, explode em contradição diante do fato de que a Universidade de São Paulo só tem condições de funcionar graças a ultra exploração do trabalho terceirizado de mulheres negras. Essas trabalhadoras não têm nem sequer o direito ao BUSP (bilhete para a circulação nos ônibus circulares da USP) e ainda enfrentam atrasos salariais e o sumiço de direitos, como ocorreu recentemente na Faculdade de Medicina e como vem ocorrendo nesse momento no HU. Não bastasse manter e aprofundar o trabalho terceirizado, a reitoria da USP ameaça nesse momento 35 trabalhadores dos navios de serem demitidos (vários deles negros) por supostas irregularidades cometidas pela própria reitoria. E se não bastasse isso Carlotti declarou na Alesp recentemente que a USP já tem convênios e parcerias com 1934 empresas afirmando orgulhosamente que empresas como a Ifood, que superexplora a juventude negra, foram criadas a partir da contribuição da USP.

Sobre os processos avaliativos de professores e trabalhadores

Neste ponto, observamos a busca por convergências entre a ultraneoliberal jornalista e o convidado. Seguindo a velha cartilha liberal de ataque ao funcionalismo público, e etc, Helen acusou o SINTUSP E ADUSP como principais sujeitos de “problemas” na USP. Ou melhor dizendo, de falcatruas liberais, como a improdutividade e “excesso” de direitos. Ocorre que neste ponto os acordos entre Carlotti e a representante do bolsonarismo são imensos, divergindo em quantidade. A dinâmica entre esta entrevistadora e o Reitor foi a mesma durante quase todas suas interações no programa. Neste caso, exigia-se o corte de salários e direitos, além de ataques anti-sindicais mais duros, disfarçados de “avaliação de desempenho”. Metas das quais a reitoria da USP há décadas persegue. Porém, a aparência comedida e diplomática do convidado de Tarcísio e Vera deixa claro que há consenso: Carlotti afirma que a Reitoria trabalha para implementar “processos avaliativos” do corpo docente e de funcionários.
Tal mecanismo serve para tudo, menos para “avaliar” ou “melhorar” a qualidade da universidade. Trata-se de uma iniciativa ótima para que a Reitoria, junto ao governo Tarcísio, crie novas ferramentas para perseguir trabalhadores e professores na universidade, que se organizem e se mobilizem ou que simplesmente não sigam a produção acadêmica produtivista e voltada ao mercado. Mesmo objetivo, de atacar a liberdade de cátedra e perseguir professores, Tarcísio e o secretário da educação Renato Feder buscam alcançar no ensino básico.

Sobre a situação da ECA e da Letras

Na ECA, o curso de Artes Plasticas cancelou 11 disciplinas, ⅓ da grade horária, após o fim do contrato temporário e precário de professores. No curso de Música, diversas habilitações estão sendo cortadas, como de instrumentos de sopro, também pela falta de professores. A falta de professores atinge toda a faculdade e ameaça os cursos de Editoração, Educomunicação e Turismo. No dia 09/08 estudantes da ECA junto a colegas de outros cursos realizaram um protesto enquanto ocorria o Conselho Universitário (Co). Alunos foram obrigados a remontar suas matrículas às pressas e outros tiveram a formatura adiada diante da falta de professores.

Já os estudantes da Letras, em uma assembleia com centenas, decidiram paralisar o curso por dois dias. Enquanto Carlotti era entrevistado, o movimento estudantil piquetava o prédio da Letras. As promessas vazias da Reitoria não encontram respaldo na realidade dos discentes beletristas. Muitos correm o risco de não se formarem devido a falta de professores e o oferecimento de disciplinas, assim como há anos é comum fotos de salas abarrotadas, com estudantes sentados no chão, circularem nas redes sociais. As habilitações de coreano e japonês correm o risco de fechar diante de uma política de desmonte que perdura há muitas gestões da reitoria, incluindo a atual. É necessário a contratação imediata de 80 professores somente na Letras e o retorno do gatilho automático em toda a USP para a reposição do quadro docente.

Sobre o limite orçamentário e as vagas para professores

Neste ponto, qualquer divergência de 2022 entre a Reitoria e Tarcísio mostrou-se superada. As aproximações mútuas do governador bolsonarista e do governo federal de frente ampla, cujo vice é Alckmin, tiveram reflexos nos acordos políticos entre o governo do Estado e a burocracia acadêmica. A tradição neolibera tucana está no DNA da Reitoria, também compartilhada por Tarcísio.

Por um lado, Carlotti afirmou ter como meta recuperar a quantidade de professores de 2014, o que até a austera Vera Magalhães teve de apontar como um problema já que se passaram 10 anos. Contudo, por outro lado, a todo momento que questionado sobre a falta de professores em cursos como da Letras e da ECA e da urgência de contratações, Carlotti relembrava que sua gestão prezava acima de tudo pela "responsabilidade fiscal", colocando que não poderia contratar professores e atropelar o orçamento da universidade. A mesma lógica econômica e política que assumiu com força no governo Temer e depois de Bolsonaro. O princípio da "responsabilidade" nào só serve para impedir a contratação de professores e funcionários, como também orienta a negação de bolsas, o desmonte do HU e o processo de sucateamento da USP em geral, que abre a porteira para a privatização e fortalecimento do mercado.

Ocorre que a burocracia da USP recebe salários de dezenas de milhares de reais, estabelece contratos obscuros com empresas, terceirizadas e Organizações Sociais para gerir espaços da universidade.

Se Carlotti afirma não ter orçamento para tapar o buraco de funcionários e professores, é necessário abrir o livro da USP, para que estudantes, trabalhadores e professores possam ver como o orçamento da USP é gerido e decidam as melhores alocações e investimentos.

Carlotti dá as mãos a Tarcísio pela manutenção de uma USP herdeira do elitismo escravocrata do latifúndio paulista. Possuem acordos fundamentais: de ataques ao movimento operário disfarçados de "avaliação técnica" à exclusão de estudantes com o vestibular elitista e a falta de permanência. O discurso de inclusão busca ofuscar o programa elitista do qual Carlotti herdou de seus antecessores.

Curiosamente, mesmo falando em defesa da democracia e da confiança em Tarcísio, Carlotti não mencionou a vergonhosa homenagem de Tarcísio a Erasmo Dias, um ditador que tem as mãos sujas de sangue de estudantes e trabalhadores. Homenagem essa feita poucos dias depois de Tarcísio reivindicar o banho de sangue feito pela polícia no Guarujá.

Contra o avanço do desmonte e sucateamento da USP, que cada vez mais é abocanhada por capitalistas, somente a unidade do movimento de estudantes, trabalhadores e professores pode ter uma resposta. Para acabar com esse projeto neoliberal de décadas, é preciso destronar a reitoria e toda burocracia universitária, acabando com esta estrutura de poder atual, defendendo uma estatuinte soberana organizada por estudantes, trabalhadores e professores.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias