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Militares na política | As forças armadas e uma transição espinhosa

O generalato e a cúpula das três forças buscam se distanciar do bolsonarismo e encontrar seu lugar no orçamento do novo governo da Frente Ampla. Um caminho cheio de obstáculos, para uma oficialidade que foi longe demais no seu comprometimento com o bolsonarismo e agora pago o preço

Thiago FlaméSão Paulo

terça-feira 4 de julho de 2023 | Edição do dia

Num artigo recentemente publicado no site Revista Sociedade Militar “Dilema militar – diplomático: Generais Brasileiros se equilibram entre Alianças Estratégicas com EUA e China: quais as tendências”, os autores citam a expressão situcianismo, do suboficial que serviu junto ao comando da marinha, A. Lagos que segundo eles aparecem na boca de diversos militares. Definição que converge com o que viemos discutindo desde o início do governo Bolsonaro sobre o pragmatismo da cúpula militar. Nesse artigo afirmam que “os comandantes das forças armadas têm uma forte tendência para caminhar de acordo com a visão de mundo daquele que está comandando o país no momento.” Pragmatismo que, acrescentamos nó, só tende a se romper quando é expressão de um consenso do conjunto das classes dominantes ou frente a processos agudos de luta de classes.

Já desde o ano passado temos lido os movimentos do alto comando sob esse prisma, o da transição de Bolsonaro para Lula e nos opondo as análises interessadas e impressionistas que apontavam um perigo de golpe militar, ou de um autogolpe bolsonarista com apoio dos generais. Os últimos acontecimentos têm confirmado amplamente essa análise, agora que vêm à tona os áudios trocados entre os foram a linha de frente do 8 de janeiro.

Durante o governo Bolsonaro a cúpula militar tentou tirar o maior proveito da situação, tão ou mais ávidos por verbas, cargos e privilégios, quanto os políticos do centrão. No entanto, se embrenharam numa aventura, assumindo postos chaves no governo. No 8 de janeiro foram arrastados pelos setores bolsonaristas do exército e se comprometeram com as ações muito mais que o desejado. Agora, mesmo sendo recebidos de braços abertos por Lula e seu ministro da defesa, enfrentam uma série de contradições para se acomodar ao novo governo.

As declarações do Presidente do Supremo Tribunal Militar, de que os indicios de golpe em 8 de janeiro, devem ser lidas como uma sinalização dos comandos militares e uma passo no sentido de se acomodar ao governo. Foram seguidas por decisões como a de aceitar acusação contra um coronel que ofendeu o Alto Comando e novas declarações a respeito de militares que questionaram junto com Bolsonaro as urnas eletronicas . Por um lado, tentar tomar distancia do 8 de janeiro reafirmando o carater ilegal daquela manifestação, dando carta branca para o STF e o TSE avançarem no julgamento e apontando para a punição de alguns coroneis como forma de disciplinar a media oficialidade e se calando frente a decisão de tornar Bolsonaro inelegivel. No limite, se necessário, até punir algum general de poucas estrelas. Por outro, faz o balanço da participação militar do governo anterior, responsabilizando Bolsonaro por uma atuação política maior que o desejado da oficialidade na política, repetindo quase literalmente muito do Lula tem afirmado sobre a questão e tentando traçar uma divisão entre ativa e reserva, preservando o atual Alto Comando.

No entanto, as dificuldades para o alto comando avançar nesse sentido são de várias ordens, das quais ressaltamos contradições em dois planos distintos, mas que se tocam. As dificuldades geopolíticas, da polarização da política dos EUA entre trumpistas e Democratas e das relações internacionais cada vez mais tensas, marcadas pela guerra da Ucrânia e pelo acirramento das disputas entre EUA e China. As dificuldades dentro da caserna, que não saiu ilesa da enorme politização dos últimos anos. Muito mais do que o generalato, os coronéis e a média oficialidade aderiram ao bolsonarismo e agora oferecem resistência à adesão da cúpula ao governo da Frente Ampla. A cúpula militar também tenta manter a liderança da extrema direita bolsonarista que passou os últimos anos pedindo golpe militar, ao mesmo tempo em que avança na acomodação ao novo governo. Essas dificuldades podem se concentrar nos próximos meses na CPI do 8 de janeiro e nos julgamentos do STF.

O governo Biden, a visita militar chinesa e a CPI do 8 de janeiro

No mesmo artigo já citado, os autores apontam a atual dinâmica das relações geopolíticas do exército. “Embora já exista certo contato com os chineses, este é numa dimensão infinitamente menor do que já vem ocorrendo com os EUA ao longo dos últimos anos.

Aqueles que se debruçam sobre questões ligadas às Forças Armadas aguardam os próximos passos dos chefes militares brasileiros. Entretanto, a princípio há indícios que apontam para um rápido estreitamento de laços com os militares chineses.”

Pode-se dizer que a visita de 17 generais chineses para uma série de reuniões e visitas a instalações militares brasileiras foi um marco histórico. Uma prosseguimento rápido dos acordos acertados durante a visita de Lula à China, entre eles os acordos no setor Aeroespacial, envolvendo a possibilidade de parcerias com a Embraer. Seguiram-se também reuniões com integrantes da Marinha.

Tudo isso não passaria despercebido pelo governo Biden, nem nos governos da União Europa. O recado foi transmitido via Financial Times, que publicou longa matéria sobre o envolvimento dos EUA nas eleições brasileiras. Alguns trechos desse artigo soam como uma ameaça direta à cúpula militar brasileira: “Um alto funcionário brasileiro que esteve envolvido de perto, lembra que o ministro da Marinha de Bolsonaro, o almirante Almir Garnier Santos, era o mais “difícil” dos chefes militares. “Ele foi realmente tentado por uma ação mais radical”, afirma esse funcionário. “Então, tivemos que fazer todo um trabalho de dissuasão. O Departamento de Estado e os militares dos EUA disseram que iriam romper acordos militares com o Brasil, como treinamentos e outros tipos de operações conjuntas.”

Em um jantar tenso no fim de agosto com chefes militares que foi até as duas da manhã, figuras importantes da sociedade civil tentaram convencê-los de que as urnas eletrônicas não estavam fraudadas contra Bolsonaro e que eles deveriam respeitar o resultado da eleição.

A administração Biden não interviu no processo eleitoral brasileiro em defesa da democracia, obviamente, mas para debilitar o principal aliado internacional de Trump. A confissão pública dessa intervenção, no entanto, está mais condicionada pela disputa com a China do que com Trump. Poderia a administração Biden ter conteúdo mais comprometedor para os generais e altos oficiais das três forças frente a CPI e aos processos que correm no STF e que esteja usando como elemento de pressão contra a aproximação com a China?

Junto com esses movimentos, os EUA também enviaram uma delegação militar ao Brasil. Nessa visita acenaram como uma série de acordos para fazer frente à influência chinesa. Nas palavras do jornalista do Estadão, Marcelo Godoy “Para sorte de Lula, apesar dos desencontros de sua política externa na Ucrânia e das disputas entre embaixadores e generais, os americanos demonstraram não querer briga. Engolir um sapo barbudo é melhor que vê-lo nas mãos de Pequim.”

Talvez o mesmo não possa ser dito dos fardados fieis ao bolsonarismo e que queiram se aproximar da China e toda o desenrolar da CPI e dos julgamentos envolvendo o de janeiro e as ameaças de golpes contra a urna eletrônica estarão cruzadas por essas disputas.

É impossível reformar as Forças Armadas

Entre os setores petistas e do progressismo se discute várias alternativas de reformas das forças armadas, que questionam a formação de oficiais, e vários aspectos da organização militar e das normas legais que enquadram os militares. Nenhuma reforma dessas instituições é possível. A casta militar que se vê como herdeira de Duque de Caxias, vai reagir contra qualquer tentativa de limitar o seu poder dos muros para dentro dos quarteis e, sem dúvida, será apoiada nisso pelo grosso das elites empresariais do país. Não, o sonho de uma reforma militar não passa de uma ilusão conservadora. Essa casta não pode ser reforma, é necessário derrotá-la

Será preciso uma luta dura e difícil para destronar a cúpula militar, para acabar com seus privilégios de casta e para fazê-los pagar pelos seus crimes. Crimes que incluem assassinatos e torturas cometidos em 40 anos de ditadura militar, que prosseguiram depois de 1988 na prática de policiais civis e militares (não esqueçamos que o Dops era civil) e que se somam agora aos crimes cometidos durante o governo Bolsonaro. No lugar de qualquer reforma reacionária, lutamos em primeiro lugar por essas duas demandas elementares: verdade e justiça. Pelo fim da justiça militar, pelo fim dos pactos de impunidade, que os militares e os policiais, e principalmente os chefes e oficiais, sejam punidos pelos seus crimes.




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