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RIO DE JANEIRO | A Zona Oeste refém do conflito polícia-milícia: como começar a entender e oferecer um programa para enfrentar essa violência que o Estado é responsável?

Os acontecimentos seguem se desdobrando, nesta breve análise e posicionamento não entramos nas múltiplas hipóteses do que estaria por trás dos ataques, mas procuramos focar nos traços gerais para entendimento do ocorrido, levantar questões sobre a crescente participação e apoio do governo Lula às ações repressivas no RJ e começar a abordar que programa os trabalhadores podem começar a delinear. Todos esses temas, evidentemente, precisarão ser muito mais aprofundados posteriormente.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 25 de outubro de 2023 | Edição do dia

A tarde de segunda-feira foi caótica para milhões de cariocas. O retorno à casa foi impedido ou dificultado pela queima de muitos ônibus e a suspensão do serviço de transporte público em boa parte da Zona Oeste, região mais populosa da cidade, aterrorizada pelos ataques de uma milícia que já extorque e oprime diariamente essa população. O ocorrido, que colocou milhões de trabalhadores reféns, foi uma resposta de uma poderosa milícia, a de Zinho, ao assassinato do seu sobrinho. Os eventos da Zona Oeste, colocando a população à mercê da investida violenta da polícia e reações de grupos armados, se somam às repetidas operações da PM na Maré (Zona Norte), onde também a população tem seu direito a ir e vir, e à segurança sequestrados.

Os eventos na Zona Oeste ocorreram após assassinato cometido pela CORE, tropa “especial” da polícia cívil, notória por assassinatos, como a chacina do Jacarezinho. A Polícia Civil, após intervenção da ALERJ, teve seu comando trocado para Marcus Amin, pessoalmente envolvido na chacina do Jacarezinho, ele mesmo escolhido por políticos ligados a outra milícia da Baixada Fluminense segundo toda grande mídia carioca. Essa breve visão dos fatos aponta uma característica essencial a apreender na situação: o Estado é responsável.

Essa movimentação da ALERJ, por sua vez, auto-intitulada “novo cangaço”, é parte de uma disputa por cargos e suas influências no governo Castro, mesmo movimento que incluiu criação de cargo para deputado defendido pela família Bolsonaro, também ligados às milícias.

A milícia é o Estado, ela está intrinsecamente ligada a este. Não se trata de um ator exterior ao poder público. As milícias têm em sua origem, comando e em suas tropas diversos de seus membros ligados às polícias e corpos militares de bombeiros, elas têm conexões ou comandos na Assembleia Legislativo, nas Câmaras de vereadores e há numerosas suspeitas de conexões com membros do judiciário e dos diferentes níveis de executivo, municipal e estadual. Poucos dias após a posse de um novo chefe de polícia – supostamente ligado a milícias concorrentes a à atacada na Zona Oeste - ocorrem esses eventos, indicando não um combate ao crime, como tenta falar Castro, mas uma complexa movimentação por domínio político, territorial e econômico. Não é a primeira que as polícias, inclusive a civil, são claramente utilizadas por governadores, ou ao menos com as vistas grossas de governadores, para estabelecer domínios. Já vimos esse filme antes com Álvaro Lins, chefe da corporação com os Garotinho, com Turnowski sob Cabral, e muitos outros exemplos.

A violenta situação que a população carioca já está vivendo pode ser agravada pela intervenção do governo federal. Lula e Dino já enviaram mais de 350 efetivos da Força de Segurança Nacional para o Rio. Flávio Dino, ministro da Justiça, defendeu no dia de ontem, (24/10), o envio das Forças Armadas para as ruas da antiga capital federal, e antes disso o governo federal já havia firmado parcerias com Castro para investimento em “inteligência”, armamento e presídios, ou seja, apoiando o governo carioca em sua sanha repressiva e assassina. Não está claro ainda como será a participação do governo federal, mas já fica claro que apoiam as ações de Castro.

A cada dia fica mais evidente aos trabalhadores cariocas como as milícias são inimigas da população, extorquem, roubam, matam, controlam militar, econômica e politicamente os territórios. Estão intimamente interligados ao Estado e são tão violentas e assassinas como o tráfico ou tropas especiais como o Choque, BOPE, CORE. Por outro lado as milícias e o tráfico também estão associados por mil e uma transações com bancos e diversos serviços financeiros para regularizar suas fortunas. Não há como enfrentar as milícias e o tráfico sem tocar setores da burguesia, sem levantar um questionamento ao fornecimento de gás, de energia, das mercadorias e armas nos portos e aeroportos e rodovias, tudo isso que é garantido com total complacência do Estado e diversos setores burgueses que lucram com todo esse negócio capitalista.

Frente a escandalosa situação, algumas semanas após os assassinatos dos médicos na Barra da Tijuca não faltam políticos dizendo que é preciso “arrancar o mal pela raiz”. Mas o que eles querem dizer e onde está realmente a raiz? Na boca de Castro isso significa produzir muitos cadáveres de jovens negros e um ou outro trofeu de algum chefe da milícia ou do tráfico preso ou morto para dizer que esta “combatendo”. Outros políticos à esquerda dele, como Freixo (ex-PSOL, atualmente no PT e ocupando o cargo de presidente da EMBRATUR) também falam em combater as milícias, denunciam suas relações com deputados, mas não apontam como fazer isso. Outra discussão que Freixo expressa seria a criação de uma nova CPI, mas ao contrário do que ele defende, está muito evidente que não será pelas mãos da ALERJ, do judiciário, das polícias, todas elas compostas e interrelacionadas com as milícias que estas poderão ser combatidas.

Para atacar o reacionarismo das milícias e do tráfico é necessário entender suas condições de existência e ter uma clara posição que não leve a seu fortalecimento. É preciso ter claro que o aumento de fuzis e armas nas ruas, sejam eles de policiais, da civil ou do exército, só serve para aumentar a repressão e assassinatos e mudar as peças do jogo, mas não o jogo. O Estado é responsável pela violência. É responsável direto, com seus agentes remunerados, fornecendo comando e tropas para as milícias, é responsável pelas condições que levam à prosperidade de milícias e tráfico. Quais são essas condições: a falta de moradia, a criminalização das drogas, a completa falta de empregos dignos para a juventude, a ausência de serviços públicos gratuitos para as populações em morros e favelas, colocando-as à mercê do oferecimento com extorsão por essas forças. Ou seja, sem moradia para todos que necessitem haverá extorsão, sem transporte público de qualidade e gratuito haverá quem explore van ou moto táxis, sem internet gratuita haverá quem explore gatonet, água, luz, gás, todos eles serviços públicos sem os quais é inconcebível uma vida decente contemporaneamente. Sem controle operário dos portos, aeroportos, sistema bancário como se enfrenta toda circulação de drogas, armas, lavagem de dinheiro? Nada disso aparece no debate burguês do tema.

“Soluções” já tentadas por Brizola ou César Maia de “legalização” dos terrenos e dos serviços são completamente inviáveis para resolução do problema. Ter a titularidade legal de seu moradia precária é o mínimo, mas isso está a anos luz de resolver o problema de moradia. Trocar o gato por um relógio da Light não significa acesso aos serviços públicos, só pode significar exclusão pelo preço ou novos gatos. Não há como combater milícias, tráfico, sem lutar pela legalização de todas drogas para acabar com essa justificativa utilizada pelo Estado para assassinatos e encarceramento em massa de jovens negros, significa também enfrentar os problemas estruturais que perfazem a “questão urbana”.

Não há como enfrentar a mazela da violência no Rio sem enfrentar as condições de vida, sem enfrentar a ausência de serviços públicos gratuitos, a ausência de moradia, a ausência de empregos dignos. Não será das mãos de forças que aprofundam a violência e controle territorial que será combatida a violência. É preciso começar a oferecer uma resposta que passe pelo sujeito operário que lute por estes serviços, mas que também se oponha a toda e qualquer confiança de que será com mais Polícia ou Exército ou Força de Segurança Nacional ou PRF e PF, com mais assassinatos e repressão, que será combatida uma violência que eles mesmos alimentam. Para dar um fim a essa barbárie cotidiana é preciso um programa que aponte às raízes capitalistas da crise e que lute contra esse Estado, começando pela dissolução de toda e qualquer tropa especial em todas as polícias, que diga em alto e bom som Fora Força de Segurança Nacional ou Exército de Lula, que ataque a impunidade das forças militares no país que fortalecem seu poder autoritário, mas também as milícias, lutando pela extinção da justiça militar e para que todo assassinato cometido por policias seja julgado por júri popular e com maioria de moradores de favelas e periferias, como parte de lutar contra toda impunidade policial para não seguir fortalecendo também as milícias e o tráfico. Parte do enfrentamento às milícias também passa pelo apoio ao movimento de familiares e mães de vítimas de violência do Estado que lutam por memória, verdade, justiça e reparação pela perda de seus entes por agentes do Estado, enfrentando o Estado também se enfrenta as milícias.

A complexa situação social e política do Rio de Janeiro exige aprofundar e muito o entendimento da situação e um programa para sua resposta, com essa análise e posicionamento inicial procuramos contribuir nisso.




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