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Transportes, hegemonia e o trauma da esquerda com Junho de 2013

Felipe Guarnieri

Transportes, hegemonia e o trauma da esquerda com Junho de 2013

Felipe Guarnieri

As jornadas abriram uma fissura no regime de dominação burguês inserindo o país dentro da etapa internacional de crise orgânica. Nunca nessas últimas décadas, esteve tão colocada para essa geração, a possibilidade de construir a hegemonia operária para a superação do capitalismo. 10 anos depois, incapaz de ter cumprido essa tarefa, Junho de 2013 segue sendo um tabu para a esquerda brasileira. Resignada a defensiva, diante das teses petistas para justificar a ordem capitalista. Sobraram angústias e lamentações. Faltaram lições, programa e estratégia revolucionária.

O conceito de trauma nasceu com Freud no final do século XIX. Na sua primeira teoria, o fundador da psicanálise define o processo como uma identificação e/ou repetição de uma situação real que gera um corpo estranho e instável na economia psíquica humana. Provocado pela repressão, consciente ou inconsciente, do fenômeno vivido. Aloja-se na memória corporal, não como lembrança, mas como experiência do não compreendido, ou superado.

Sem dúvidas, junho de 2013 foi um evento de grande magnitude capaz de gerar sintomas desse tipo.

Para o PT, alguma coisa precisava justificar a quebra do seu projeto de poder. Dizer que as manifestações geraram o fascismo no país, é um método simples e fácil, promovido por intelectuais como Marilena Chauí, para não ter que lidar com o protagonismo reacionário do partido em todo o processo.

Já para a esquerda autônoma e reformista, revisitar junho tem sido um verdadeiro pesadelo. Afinal, confrontar-se com os próprios erros e limites, levaram por um caminho, ou por outro, ao desaparecimento ou a submissão ao atual governo de frente ampla. Alimentando, psicologicamente, o ceticismo à classe operária.

Contudo, por mais tentador que seja seguir por esse caminho. Esse não é um artigo de psicanálise sobre as mais variadas correntes da esquerda brasileira sobre junho. Mas, sim, um debate de programa, estratégia e hegemonia com os atores envolvidos no processo. Como forma de entender a situação atual do país dez anos depois das jornadas.

Por isso, vamos às polêmicas.

Ato 1- A estratégia autonomista e o programa burguês dos transportes do MPL.

As condições objetivas e subjetivas por trás dos protestos estavam ligadas ao fim do chamado gradualismo petista. Ou seja, a ilusória ideia de que as pessoas, em particular a juventude, poderia ascender social e economicamente, dentro dos parâmetros capitalistas. Sem atacar o lucro dos grandes bancos, dos empresários, e estabelecendo uma suposta relação de convivência harmoniosa com o neoliberalismo tardio brasileiro.

Sustentar essa utopia reacionária foi possível nos momentos de crescimento econômico, entretanto com o aprofundamento da crise capitalista de 2008 nos EUA, essa dinâmica começou a ter desgastes profundos. Primeiro, pelo cenário internacional da luta de classes, como a primavera árabe, os indignados no Estado Espanhol, o movimento Occupy Wall Street e as fortes greve gerais na Grécia, que criaram o pano de fundo e antecederam junho de 2013 no Brasil. Depois, pelo contraste gerado pela precarização das condições de vida com a falência neoliberal dos serviços públicos.

Não por acaso, junho nasceu do problema dos transportes. Ônibus, ferrovias e metrôs que não davam conta da mobilidade urbana nas principais capitais. Alvos da política de privatização, principalmente dos governos do PSDB, e também do PT, e do controle quase mafioso dos empresários de transporte urbano. Esses pressionavam a cada ano por um valor mais alto de tarifa para aumentar seus lucros, às custas da superexploração do trabalho e de um serviço precário a população. De 2000 a 2013, as passagens de metrô e ônibus tiveram um aumento superior a 100% em São Paulo (SPtrans).

Se em outros planos a política de contenção do PT nos movimentos sociais e sindicatos predominava, nesse cenário o MPL cumpria um papel bastante progressivo. Todo ano convocava manifestações contra o aumento da tarifa nas capitais. Enfrentou-se com a burocracia da UNE em Salvador e Florianópolis, na conhecida "Revolta do Buzu", e em São Paulo os protestos reuniram milhares de jovens ativistas com muita disposição de combatividade e enfrentamento.

Entretanto, o aspecto corporativo do movimento era um limitador para massificar as lutas. Sempre reprimidas pelas forças policiais do Estado, os atos dificilmente ultrapassavam a casa dos 10 mil manifestantes. Diferentemente, daqueles que afirmam que o caráter horizontal e o programa do MPL foram os fatores determinantes para as jornadas ganharem força social, a realidade é que no ano de 2013, o principal fator que levou os protestos a chegar em centenas de milhares nas ruas de todo o Brasil foi a revolta social contra a brutal repressão na Avenida Paulista na noite do dia 13/06.

Quem coordena a repressão que resultou em mais de 300 feridos em SP (em outros estados como BH chegando até ter mortes de pessoas), foi uma unidade burguesa entre Alckmin e Haddad. Qualquer semelhança com os atores que atualmente garantem projetos neoliberais como o Arcabouço Fiscal, não é uma mera coincidência.

Quando viram que perderam o controle e precisaram recuar do aumento das passagens, o movimento não era mais "apenas por 20 centavos". Era muito mais. Eram tantas as frases, que não cabiam num cartaz. As principais vias das capitais eram tomadas por manifestantes. Melhor qualidade dos serviços públicos, questionamento aos políticos e a polícia, ódio ao racismo e ao machismo, as jornadas assumiram um curso de revolta popular. Datena passava vergonha ao vivo em rede nacional. Os partidos tradicionais da ordem despencaram sua popularidade, entre eles principalmente o PT, na época no governo federal com Dilma.

Os limites da estratégia autônoma pagaram o seu preço. O MPL se retira da convocação das manifestações, mas as ruas continuam recebendo protestos de milhares de pessoas quase diariamente. A horizontalidade pregada pelo MPL que incentivava baixar as bandeiras dos partidos de esquerda, impedir os carros de som, e não estabelecer nenhum mecanismo democrático de organização para definir os rumos do movimento (ao não ser entre os próprios dirigentes do MPL), foram um entrave concreto para a juventude se ligar com a classe trabalhadora.

Até mesmo o seu programa de Tarifa Zero o movimento se abdicou de disputar nas ruas. Diga-se de passagem, um programa burguês no sentido de condicionar a gratuidade da tarifa sob a hegemonia capitalista. Já que não se enfrentava, nem com a agenda neoliberal de privatização, e muito menos com os subsídios pagos pelo Estado às patronais dos setores de transporte.

Conforme previa, o próprio mentor programático do MPL, Lúcio Gregori, engenheiro e ex-secretário de transportes da gestão municipal de Luiza Erundina (na época prefeita pelo PT), o projeto de tarifa zero estabelece o pagamento operacional dos transportes aos empresários:

Ao final de cada mês, cumpridas as determinadas especificações, o empresário recebe o correspondente ao fretamento. Por exemplo, se o valor é de mil reais por ônibus, falando a grosso modo, se o empresário tem 50 ônibus, ele recebe 50 mil reais.

Daí para frente ele não tem nada a ver de quanto vai ser cobrado pelo usuário. Ou seja, você faz uma separação entre aquilo que você paga para o empresário e aquilo que você cobra do passageiro. Esse sistema teve vigência até o final do governo Paulo Maluf e foi modificado no governo da Marta Suplicy, quando se instituiu o equivocado e grosseiro erro de remunerar a empresa de ônibus por passageiro transportado.

Então, acho que a proposta é boa. De resto, essa alteração do modo de pagamento já constava na proposta de licitação do ex-prefeito Fernando Haddad (PT-SP), que não prosperou.

O fato é que a acessibilidade ao transporte público não poderia, e não pode estar, dissociada das questões estratégicas. Ao negar o programa de estatização dos transportes sob controle dos trabalhadores e da população, por um programa de coletivização capitalista, deixava-se de lado dois aspectos decisivos para os rumos do movimento.

O primeiro, relacionado ao caráter transicional, conforme propunha Trótski, de responder uma questão democrática sensível ao conjunto da população, principalmente das periferias, ao mesmo tempo de propor uma saída alternativa anticapitalista. Expropriar as empresas de ônibus, e por fim a política de privatização, estabelecendo o controle operário, era a única saída de fundo para responder à crise dos transportes, que não possuem uma solução dentro do capitalismo.

E ligado a isso, o segundo fator estratégico da hegemonia operária. Permitir a aliança da juventude com a classe trabalhadora organizada. Não que jovens trabalhadores não participassem ativamente das jornadas de junho, mas sim no sentido gramsciano de superação do equilíbrio instável capitalista. Onde, em determinados momentos de crise, a burguesia como classe que domina o aparelho do Estado, com o objetivo de preservar o regime político, cede em questões econômicas, para manter sua hegemonia. Quando essa hegemonia é questionada, ou seja, quando as ideologias em luta tendem a partido, o regime de dominação está em perigo. Em outros termos, a conquista de hegemonia pela classe operária não se realiza apenas quando ela ocupa o poder do Estado (superestrutura política). Inicia-se na disputa e na organização contra a hegemonia burguesa, dentro do terreno da luta de classes.

Todavia, chegamos a um ponto que para atingir esses objetivos as responsabilidades do MPL cessam. Afinal, não seria justo colocar tudo na conta do movimento, sendo que o principal responsável pela não entrada da classe operária como protagonista e, consequentemente, pelo fortalecimento da extrema direita no país, foi a política de conciliação funcional do PT para a dominação burguesa. Então, vamos a ela.

Ato 2- Os 2 momentos da política do PT e a teoria do “Ovo da Serpente”

A reação petista a Junho de 2013 foi inevitável e possui 2 momentos. Um tático e outro estratégico.

O momento tático, de curta duração, abrange o período que vai do início das jornadas de 2013 até as eleições presidenciais de 2014. Ao perceber que a unidade burguesa em SP de criminalizar as manifestações, identificando-as como atos de vandalismo, e utilizando a força policial para reprimir violentamente os protestos havia ultrapassado a relação de forças e sofrido uma derrota política, tiveram que recuar.

Haddad e Alckmin juntos numa histórica declaração à imprensa são obrigados a revogar o aumento da passagem. O anúncio revelava, nas entrelinhas, o pavor da burguesia a massificação do movimento. Uma geração acostumada a militar na ofensiva burguesa, enxergava naquele momento o verdadeiro caráter defensivo da classe dominante.

Contudo, uma vez golpeado o epicentro do poder, a ausência de uma saída operária impõe a polarização de tendência extremas à direita e à esquerda nas ruas. Por um lado, a organização de grupos fascistas, e por outro o protagonismo da tática Black-Blocs nos protestos.

O PT se utiliza do método liberal de igualar os extremos para neutralizá-los. Pressão essa que incide na própria esquerda. PSol e PSTU começam realizar uma campanha sistemática contra os black-blocs, responsabilizando-os pela repressão. Distanciando-se dos setores de vanguarda das manifestações e entregando-os a ineficaz política isolacionista da estratégia autonomista. Permitindo, assim, o caminho livre para o PT operar em base aos seus interesses.

Se com a sua juventude o partido participa das manifestações, no movimento operário, coordena a burocracia sindical para impedir a entrada em cena da classe trabalhadora de forma organizada. Não se tratava de algo abstrato, mas sim bem concreto. 2012, 2013 e 2014, sucessivamente, foram anos que as greves atingiram patamares recordes no Brasil. A CUT junto às principais centrais desarticulam publicamente chamados espontâneos de greve geral. E atuavam para os conflitos sindicais não ultrapassarem a esfera econômica.

Havia muita disposição de luta na classe trabalhadora. Os garis no Rio de Janeiro e os rodoviários em Porto Alegre eram uma expressão concreta de que a própria burocracia da Força Sindical e da UGT não conseguiam mais conter a explosão das lutas. E a forte greve dos metroviários de SP, com repercussão internacional, às vésperas da Copa do Mundo, só foi parar novamente com a aliança entre PT e PSDB para reprimir o movimento com a Lei de Segurança Nacional e a demissão de 42 metroviários. O que estava em jogo era proteger os interesses burgueses e não perder o controle político.

Até então, não havia relevância na cena política nacional à extrema direita. Afinal de contas, figuras como o então deputado Marco Feliciano presidia a Comissão de Direitos Humanos no Congresso com apoio do PT, e Bolsonaro integrava o PP, partido da coalizão governista no Planalto.

Trata-se de um momento tático da política petista, pois o conjunto dos esforços baseava-se mais em reconhecer o caráter democrático das manifestações para conter a crise tendo em vista as eleições de 2014, do que agitar que junho era a antessala do fascismo. Dilma, propõe um pacto nacional para acalmar as ruas relacionado à reforma política. Marilena Chauí, em um dos seus primeiro artigos sobre o tema, realça esse objetivo:

A ética da política, no nosso caso, depende de uma profunda reforma política que crie instituições democráticas republicanas e destrua de uma vez por todas a estrutura deixada pela ditadura, que força os partidos políticos a coalizões absurdas se quiserem governar, coalizões que comprometem o sentido e a finalidade de seus programas e abrem as comportas para a corrupção.

O PT, portanto, apoia-se no espírito deixado por junho para derrotar Aécio Neves nas eleições de 2014. Obrigando Dilma a se comprometer com a não retirada de direitos: - Nem que a vaca tussa. Evidentemente, "a vaca como era de se esperar tossiu" e o início de mandato de Dilma foi marcado pela austeridade diante a crise econômica.

Já no seu primeiro ano de governo, inicia-se o segundo momento estratégico do PT em relação a Junho de 2013. Logicamente, não estava separado do anterior, mas transitava para consolidar as manifestações como uma ação da direita contra o governo de Dilma. Marilena Chauí havia preparado esse terreno. O que determinaria, na opinião dela, o caráter progressivo ou reacionário de junho seria a submissão da juventude à plataforma petista.

Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:
(...)
3. estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?

A nova política do PT nunca passou de pura demagogia. Seus interesses republicanos, passam pela aliança com os setores mais reacionários do Congresso. A bancada evangélica, a bancada ruralista. Ao contrário do que a filósofa especialista em Spinoza queria passar, não era o PT refém do sistema. O PT era o operador do próprio sistema. Segundo a Ética Política de Spinoza, era o "direito" do PT realizar tudo aquilo que estava em seu poder.

Chauí, ao desenvolver a teoria do "Ovo da Serpente" considera que a semente do fascismo havia sido plantada em junho. A república de Curitiba, o golpe institucional e a prisão de Lula, foram todos eventos causados pelas manifestações que criaram a extrema direita. Chauí, assim como o PCO, tem orgulho de reivindicar que foram os primeiros a prever o que aconteceria no Brasil.

Identificar Junho como movimento da direita não tinha outro objetivo, senão justificar a política de conciliação do PT. Essa sim responsável por criar condições do golpe institucional. Lula quando preso tratou bem novamente os capitalistas. Mas foi implacável contra os jovens de junho. O PT que "nunca erra", nas palavras do atual presidente errou naquele momento em considerar junho um movimento democrático.

O caráter estratégico desse segundo momento da política petista é o ataque à luta de classes, com a condenação das ruas, como palco da direita, em prol da institucionalização do partido no regime do golpe. Que será determinante, posteriormente, para aprovação das reformas trabalhista, da previdência, e toda a agenda neoliberal, até a eleição de frente ampla de Lula-Alckmin.

Ato 3- O trauma

Valério Arcary disse em seu último artigo sobre o tema, que Junho o angustia. Tal sentimento, deriva do fato que depois de três décadas a esquerda perdeu a hegemonia nas ruas para a direita. Os anos de 2015/2016 consolidaram, para ele, a derrota de junho, responsabilizando a mesma pela acefalia do movimento. Valério não deixa de ser também, à sua maneira, um dos teóricos da serpente.

Mas a derrota do impulso de junho de 2013 enfraqueceu a luta popular, e facilitou o caminho para que os fascistas disputassem a hegemonia nas ruas em 2015/16, exigindo o impeachment e pedindo intervenção militar. Ali foi chocado o ovo da serpente do qual surgiu Bolsonaro.

As ocupações das escolas em 2015 e 2016 não tiveram nenhuma relação com junho? E o tsunami da educação? As paralisações de 2017 contra a reforma trabalhista, a marcha a Brasília contra o governo Temer, não possuem nenhum fio de continuidade com junho? As ruas foram perdidas nesses momentos? As próprias eleições de 2018 tiveram que ser manipuladas pelo STF com a prisão de Lula por que a hegemonia estava totalmente consolidada à direita?

Não se trata de contestar o caráter difuso e complexo das manifestações. Pelo contrário, como afirmamos no início desse ensaio, junho inseriu o Brasil no contexto da crise orgânica internacional. A tendência a polarização foi marca estrutural das jornadas que se expressou na situação política do país nos anos seguintes. Contudo, apontar que Junho foi responsável, seja na sua origem ou num momento posterior, consequentemente, isenta de responsabilidade o papel da política de conciliação petista.

Essa sim a verdadeira responsável de pavimentar o caminho para o fortalecimento da extrema direita. Não somente pelos anos de aliança com os setores mais reacionários da burguesia brasileira, mas também permitindo os ataques que motivaram o golpe institucional. Vale destacar, que entre os meses de março e abril de 2017 abriu-se uma conjuntura pré-revolucionária no país, traída pela burocracia sindical, que abandonou a luta dos trabalhadores contra a reforma trabalhista, para negociar o financiamento sindical.

Na reforma da previdência em 2019 a mesma operação. A paralisação nacional foi desconstruída ao longo do dia, e o projeto contou com o apoio inclusive dos governadores do PT no nordeste. A frente ampla com Alckmin consolidou essa atuação, reafirmou o compromisso com a fração hegemônica da burguesia da Faria Lima e a agenda neoliberal de reformas, privatizações e enxugamento dos gastos públicos, presentes no novo arcabouço fiscal de Haddad.

O fato, no mínimo bem contraditório, é que a esquerda que busca estabelecer fios de continuidade de junho com os atentados golpistas do dia 08 de janeiro em Brasília, não fazem o mesmo como todas essas lutas traídas e derrotadas da classe trabalhadora, cujo o PT teve grande participação. E mais, foram os mais entusiastas do lockout patronal pró-Bolsonaro dos caminhoneiros, e os que batem mais palmas a cada ação que fortalece o STF e Alexandre de Moraes como paladino da democracia. O mesmo STF que foi palco da legitimação dos principais ataques aos trabalhadores e fez parte da articulação do golpe institucional.

Quem considera que a esquerda perdeu a hegemonia nas ruas para a direita, buscou abrigo novamente no Governo do PT. Foi o caso do PSol. Perderam-se no labirinto reacionário depois de tentar achar atalhos junto com a burguesia. E agora que se meteram nesse labirinto não conseguem sair dele sem ter que arcar com os custos de avalizar ataques profundos contra a classe trabalhadora, e os indígenas como no caso atual do marco temporal. Essa é a raiz do trauma profundo. Para o PT, o pavor da luta de classes. Para o PSol, o ceticismo com a classe trabalhadora.

Ato Final - Lições de Junho

A experiência de junho não pode ser um tabu para a esquerda. Foi um acontecimento histórico para gerações de militantes. Despertou a politização da juventude, dos trabalhadores, deixou o medo e conformismo pra trás, ativou os setores mais oprimidos. Não podemos confundir os seus limites com sua essência.

Devemos tirar lições. O trabalho até aqui feito tem como método recuperar esse sentido para pensar a realidade atual. Buscar construir a hegemonia operária em base a disputar um programa transicional para os transportes foi um grande tema de junho. Não por acaso, as principais paralisações nacionais contra as reformas possuiu centro no setor estratégico dos transportes. Metroviários, rodoviários, em várias capitais e estados foram parte de uma vanguarda da classe trabalhadora contra os ajustes neoliberais do golpe.

Se a juventude que saiu às ruas em junho não se encontrou com a classe trabalhadora, não foi por uma questão de disposição. Linhas e mais linhas desenvolvidas nesse artigo demonstraram como as direções do movimento, ao contrário de ser acéfala, atuaram conscientemente para impedir que essa aliança explosiva se concretizasse. O espírito de junho se fez presente em várias lutas na última década e transcendeu os limites impostos pelas instituições e o regime burguês.

O bolsonarismo não captou esse espírito. Sua apropriação da crise política aberta pelas manifestações não veio das ruas, mas sim da estrada de conciliação construída pelo PT. Retomar a hegemonia nas ruas passa por relocalizar o centro gravitacional estratégico da esquerda na luta de classes. O integralismo, versão brasileira do fascismo, na década de 30 foi derrotado politicamente não pelas vias institucionais do regime burguês. Mas sim pela frente única operária, cujo os trotskistas cumpriram um papel fundamental na sua articulação desde o sindicato dos gráficos de SP e do Jornal Homem Livre. A revelia do próprio PCB.

O atual governo de Frente Ampla atua para estabelecer estrategicamente a hegemonia burguesa questionada em junho de 2013. Compreendo a angústia dos que participaram de Junho e hoje buscam refúgio em Lula. Revisar as próprias convicções deve ser realmente um processo doloroso. Agora, transformando a luta de classes em trauma para justificar a capitulação e o abandono da estratégia revolucionária, isso a história vai cobrar o preço.

Referências Bibliográficas:

GRAMSCI, Antônio. Os Cadernos do Cárcere Vol. 3. Maquiavel Notas sobre o Estado e Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

Lúcio Gregori: “O MPL transformou a discussão do transporte público”

Jornadas de Junho: o que dizem ex-membros do Movimento Passe Livre 10 anos depois

Quais propostas estão em jogo com a crise dos transportes em São Paulo?

Marilena Chaui: As manifestações de junho de 2013 em São Paulo

Marilena Chaui: violência e autoritarismo por todos os lados

Junho de 2013 nos angustia. Por quê? Artigo de Valério Arcary.

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Felipe Guarnieri

Diretor do Sindicato dos Metroviarios de SP
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