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Combate ao trote marca a Semana de Recepção aos ingressantes na Unesp em Marília
Breno Cacossi
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Na última segunda-feira dia 04 de Maio, marcando o reinício das aulas após o recesso na Unesp de Marília, foi realizada uma atividade de discussão sobre o trote universitário. A atividade foi parte da Ingressada Independente 2015 organizada pelo movimento estudantil. O debate contou com a exposição inicial de membros da Pró-Resistência Popular, União da Juventude Comunista e Juventude às Ruas.

Além desta discussão de combate ao trote, os organizadores da recepção aos estudantes apontam que um conjunto de debates, oficinas e atividades artísticas foram realizadas desde o dia 27 com o intuito de fornecer outras formas de integração dos estudantes ingressantes sem que fosse necessário nenhum tipo de hierarquia ou sujeição, além de cumprirem um papel de reflexão dos estudantes, importante para a tomada de posições no movimento.

A quem serve o trote? Por que combatê-lo?

O Esquerda Diário entrevistou os membros da Juventude às Ruas de Marília, que vêm há anos estudando e combatendo o trote, para conhecer um pouco mais sobre a problemática que envolve o trote, como compreendê-lo, e porque combatê-lo.

Ana Carolina Fulfaro, militante do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores da Juventude às Ruas, que foi expositora no debate sobre o trote na Unesp, aponta que:
“Assim como o trote do cavalo, que é um ritmo de passada aprendido por meio de golpes e esporadas, também o trote universitário, que coloca os estudantes na condição de “bixos”, sujeitados a quaisquer ordens, insere o ingressante ao ritmo de uma universidade regida de forma autoritária, gerido de forma antidemocrática. Há um aprendizado fundamental, que é muito funcional à Reitoria e ao governo do Estado: o veterano ensina o ingressante a não ter voz. Desde o primeiro dia o estudante é inserido em uma estrutura de poder na qual há pouquíssimo poder de decisão por parte dos estudantes. Em um contexto no qual estudantes estão sendo punidos por lutar por políticas de permanência estudantil, através de um regimento herdado da ditadura militar, os trotes cumprem um papel importante em incitar a submissão e obediência dos estudantes ingressantes. Assim os trotes não são em nada contraditórios à estrutura de poder com a qual é regida a ordem na universidade”.

Ana Carolina continua dizendo que:

“A Reitoria só toma uma atitude de punição aos trotes quando estes prejudicam sua imagem. Do contrário, os trotes ocorrem todos os anos, sem nenhuma intervenção. Torturas, estupros, são parte dos trotes todos os anos. Também são recorrentes práticas consideradas mais “leves”, mas que também podem ser bastante constrangedoras, como apelidos, pedágios. A reitoria proíbe essas práticas apenas em discurso. Basta que puxemos os históricos recentes de punições disciplinares a estudantes. Quais estudantes mais têm sido punidos com suspensões, advertências e até expulsões? Pouco ou quase nada aqueles que aplicam os trotes sistematicamente. Pega-se um ou dois bodes expiatórios que são punidos para mostrar para a mídia de tempos em tempos. Aqueles que lutam por permanência estudantil, contra as opressões, e contra os trotes são os maiores alvos de punição. Aqueles que lutaram para barrar o Pimesp – programa que dificultaria a entrada de negros na universidade – levaram 60 dias de suspensão. Aqueles que lutaram por permanência estudantil em Araraquara levaram 180 dias de suspensão. Já aqueles que organizaram o “Rodeio das Gordas”, que consistia na prática de montar em meninas gordas simulando um rodeio, estes levaram apenas dois dias de suspensão no período das férias. Ao criar uma relação de submissão legitimada por um grupo, em uma sociedade profundamente machista, LGBTfóbica, e racista, o trote vêm se constituindo como um campo aberto às opressões, reproduzindo ano a ano essas violências. Combater o trote é combater as opressões na universidade!”

Para além de seu papel funcional à falta de democracia na Universidade, Alexandre Supertramp, militante do MRT e da Juventude às Ruas, coloca que o trote tem total relação com filtro social do vestibular e em suas palavras:
“A lógica do trote já começa antes da Universidade. Os cursinhos pré-vestibulares privados incitam que os candidatos às vagas tenham uma relação de concorrência entre si. Em vez de considerar que estudar na universidade deve ser um direito de todos, portanto, que o Estado deve oferecer vagas para toda a demanda, que é o que defendemos, os cursinhos ensinam que a universidade não deve ser para todos que a pagam através dos impostos, mas apenas para aqueles que “merecem”, ou seja, aqueles que são melhores colocados na prova do vestibular. Na corrida para obter este mérito o trote aparece como um ritual de coroamento dos vencedores. Os outdoors dos principais cursinhos privados relacionam o trote a um futuro feliz, à vitória nesta disputa que é o vestibular. Desta forma, em uma universidade que fecha suas portas aos trabalhadores, pintar o nome de uma instituição de ensino que é para poucos na testa e sair na rua é algo que dá muito orgulho aos estudantes, pois foram os poucos escolhidos. O trote acaba sendo um ritual de comemoração da meritocracia, e, portanto, do suposto demérito dos que ficaram de fora. Para nós que lutamos pelo fim do vestibular e estatização das universidades privadas, a alegria de entrarmos na universidade deve ser canalizada à luta para que todos possam também ingressar nela e também sentir esta mesma alegria, não queremos estampar o emblema da exclusão, do filtro social que é o vestibular. Para nós que somos contra esta lógica de que a universidade é apenas para quem passa neste funil, este tipo de ritual não faz o menor sentido. O trote tem total sentido na raridade das vagas. Se houvesse ensino superior de qualidade para todos, não haveria sentido nesta tradição. A luta contra o trote, neste sentido, é parte da luta pelo fim do vestibular”

Diego Damaceno, militante do MRT e Juventude às Ruas, que fez projeto de iniciação científica sobre os trotes, termina apontando que:

“A suposta divisão do trote em níveis de intensidade, ou seja, entre trotes leves e violentos esconde a violência que está por trás de diversas práticas consideradas “leves”. Um apelido racista, uma “brincadeirinha” constrangedora, enfim, são formas que mantém a mesma lógica dos trotes ditos violentos. Estudando o histórico dos trotes violentos não são poucos os casos em que um trote que leva ao óbito começa com uma brincadeira supostamente inofensiva. Em um ambiente de submissão, a recusa de um ingressante a um trote supostamente leve pode levar rapidamente a punições mais pesadas. Acreditamos que a resignificação dos trotes como algo positivo, quando são “leves”, também deve ser problematizada. Para nós os trotes devem ser abolidos. Por isso práticas como trote solidário devem também ser questionadas, pois ainda mantém a posição de “bixo” do ingressante. Nossa integração não cabe nessas velhas tradições. A quem serve o trote? Por que é que não se podem integrar dois estudantes em uma posição de horizontalidade? Nós da Juventude às Ruas cansamos de ver os trotes ocorrendo todos os anos, como se fossem inevitáveis, naturais ao ambiente. Por isso, há anos na Unesp realizamos estudos e debates sobre o tema, bem como atividades de combate ao trote, para que o próprio movimento estudantil não reproduza os trotes, e tomando consciência, se coloque a combater o trote, como parte do combate à estrutura de poder da universidade, e pelo fim do vestibular e estatização das universidades privadas!”

 
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