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O New Deal nos Estados Unidos e a luta de classes (I)
Daphnae Helena
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O New Deal nos Estados Unidos (I)

Estamos vivendo a maior crise do capitalismo desde a Grande Depressão de 1930. A crise que estourou em 2008 com a queda do Lehman Brothers e os processos de luta de classes que surgiram colocaram fim ao período de restauração burguesa que marcou a década de 1990. Num primeiro momento a crise foi contida com uma injeção monetária enorme dos Estados capitalistas que fez com que estes Estados se endividassem enormemente para salvar bancos e seguradoras. Se num primeiro momento a China e os países emergentes foram a contratendência mundial que segurou o crescimento econômico, hoje vemos se abrir um novo momento, em que a crise econômica passa a atingir também os países da periferia do capitalismo, países dependentes ou semicoloniais como o Brasil, com a desaceleração do crescimento chinês.

Nesses momentos de crise, que colocam em xeque a ideia liberal de equilíbrio e avanço do capitalismo, traz a tona tanto o marxismo, como variantes do reformismo burguês, principalmente keynesianas, advogando pela intervenção estatal para regular a anarquia capitalista e dar saídas à crise por dentro do capitalismo.

Hoje, vivemos um momento de forte polarização política, com uma crise estrutural que revela contradições profundas da burguesia, grandes projetos como a União Europeia ou o petismo no Brasil estão em ruínas e há um profundo questionamento aos seus mecanismos de dominação, principalmente ao sistema político e aos partidos do status quo. Abre-se então um momento de busca por mudanças radicais, fazendo emergir "novas formas de pensar e sentir", à esquerda e à direita. Processos políticos que podem impactar também na economia e no pequeno crescimento, frágil, que com custo os Estados tem conseguido sustentar.

No Brasil estamos vivendo um momento em que o pior da crise ainda não chegou, mas se avizinha, os números de desemprego não param de aumentar, o governo golpista quer impor ataques aos trabalhadores, mas sabe que não será fácil, porque poderão abrir ainda mais instabilidade com as mobilizações que possam surgir. A classe trabalhadora permanece ainda sem se ver como um sujeito político, embora sinta cada dia mais a necessidade de agir contra o governo golpista e ajustador de Temer. A economia e a luta de classes se entrelaçam completamente.

Nesses momentos, vale a pena voltar à história, repensar a Grande Depressão dos anos 1930, as respostas que a burguesia deu naquele momento e principalmente a relação entre a economia e a luta de classes. Essa série de artigos sobre o plano de recuperação econômica implementado por Franklin D. Roosevelt, o New Deal, pretende contribuir com uma reflexão inicial. Este plano é visto pela economia como exemplo de medidas de intervenção estatal para a recuperação econômica: mas será que foi mesmo eficaz? Veremos ao longo dos artigos.

EUA: Grande depressão e New Deal

A profundidade da Grande Depressão nos Estados Unidos pode ser entendida levando-se em conta o boom econômico que a precedeu durante a década de 1920. Campagna faz uma análise bastante interessante quando caracteriza esse período como anos convulsivos, em contraposição às visões de que teriam sido os "roaring twenties" [os fumegantes anos vinte], ou então, "a geração perdida".

É fato que este período marcou um boom econômico no país caracterizado por um ambiente de crescimento vertiginoso no PIB, no consumo e nos investimentos (40,7%, 57,2% e 51,4%, respectivamente). A indústria de bens duráveis e não duráveis foi a que mais cresceu na época, com desenvolvimento de novas áreas como o setor automobilístico e toda a cadeia que esse segmento arrasta consigo, como construção de estradas, produção de gasolina, engenharia de tráfego. Além disso, também houve estímulo em outros setores como a indústria química e a construção civil - particularmente o habitacional. O sistema bancário, altamente pulverizado em cerca de 30.000 pequenos bancos comerciais em todo território, aumentou consideravelmente a oferta de crédito para capitalistas e também para consumidores. A política fiscal e monetária do Estado seguiam as premissas do laissez faire, do liberalismo econômico, de não interferência estatal na concorrência capitalista.

Ao mesmo tempo, esse foi o período da queda do desemprego (que caiu de 11,9% para 3,5% ao longo da década), do aumento do consumo e endividamento das famílias, que chegou a representar 40% do PNB (Produto Nacional Bruto) do país. Houve também aumento do salário real dos trabalhadores em cerca de 25%, contudo, se comparado com a elevação de produtividade observada na indústria, mesmo com o aumento real de salário, o período foi marcado pela redução dos custos de produção para os capitalistas e, consequentemente, o aumento da taxa de lucro. Foi também um período de diminuição das greves e da participação sindical dos trabalhadores, em razão desse crescimento econômico vertiginoso.

Contudo, é necessário destacar que se por um lado a diminuição da atividade sindical dos trabalhadores estava relacionada com os ganhos reais no poder de compra, como apontado acima; também é verdade que durante 1919 e 1920 ocorreu uma política estatal de repressão contra a "Ameaça Vermelha" que perseguiu e deportou militantes de esquerda dos Estados Unidos como resposta às mobilizações de trabalhadores com greves importantes e vitoriosas, no início da década, em setores como a indústria do aço. Além desse elemento, a década de 1920 também viu o ressurgimento da Ku Klux Klan e a aplicação de políticas racistas e anti-imigrantes.

Esse panorama nacional não pode ser entendido sem considerarmos o aumento do peso internacional dos Estados Unidos enquanto potência capitalista e sua localização na disputa entre potências que caracteriza a primeira metade do século XX. A década de 1920 marca um período em que os principais países capitalistas se voltavam para suas economias nacionais, recuperando-se dos impactos da Primeira Guerra Mundial.

Contudo, no caso dos Estados Unidos (que não participou diretamente da Guerra e ao mesmo tempo lucrou muito com ela), o aumento vertiginoso da produção do país traria a necessidade da expansão das fronteiras econômicas em busca de mercado consumidor, e isto significaria o choque com o interesse de outras potências capitalistas e com a "partilha do mundo" do início do século XX.

Esse é o ambiente que gesta a Grande Depressão nos Estados Unidos, um aumento da produção em níveis que o mercado consumidor doméstico não mais conseguia suportar (mesmo com os mecanismos de crédito altamente desenvolvidos) combinado com especulações no mercado financeiro baseadas nas projeções otimistas de lucros que seriam obtidos futuramente. A crise, gestada nas contradições do boom da economia, atinge em cheio as expectativas otimistas dos capitalistas e castiga profundamente os trabalhadores.

A Grande Depressão significou um gigantesco baque para a economia americana. Nos dois primeiros anos foram mais de 9.000 bancos fechados, o produto nacional contraiu mais de 30%. A produção industrial diminuiu pela metade e os investimentos reduziram 90%. Os salários baixaram 56% e a paralisia industrial criou um exército de quinze milhões de trabalhadores desempregados. As mobilizações de desempregados em comitês e as greves por parte dos trabalhadores marcaram particularmente o ano de 1932, um ano antes da eleição de Roosevelt e do lançamento do New Deal.

Esta demonstrou ser uma crise distinta das anteriores. Não era apenas mais uma crise econômica dos ciclos capitalistas, mas uma crise histórica do capitalismo. Ao final de 1939, passados dez anos do estouro da bolsa, o produto interno bruto (PIB) nacional apenas chegava ao nível anterior a 1929, sendo que somente a preparação para a Segunda Guerra Mundial foi capaz de reverter esse quadro. Isso é fundamental porque mostra o caráter distinto dessa crise, que, ao contrário das anteriores e apesar de todos os esforços levado a cabo pelo New Deal, não encontrou saída fácil e o seu combate "pacífico" não foi capaz de recuperar a economia.

Em meio a este cenário, a crença no capitalismo como sistema econômico capaz de garantir a prosperidade foi profundamente abalada. A título de ilustração, podemos citar o resultado obtido por uma pesquisa feita pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos em 1932 em que 90% dos consultados declaravam estar a favor da planificação econômica (influenciados pelo crescimento industrial explosivo da União Soviética, mesmo com a deterioração das conquistas da revolução imposta pela burocratização stalinista).

É nesse contexto que Roosevelt assume a presidência do país em 4 março de 1933, tendo sido eleito com 57% dos votos, com o discurso de mudança e de ação contra a crise. O New Deal deu um novo impulso para a política econômica com um novo papel do Estado em socorrer a economia da bancarrota dos grandes monopólios, tendo que lidar com uma situação também convulsiva do ponto de vista das mobilizações dos trabalhadores.

Sem resolver as causas profundas da crise, mas amenizando seus efeitos mais desastrosos, o New Deal foi se modificando para fazer frente aos processos da luta de classes, fortalecendo os mecanismos de conciliação entre capital e trabalho e outorgando concessões a setores da classe operária, particularmente o reconhecimento dos direitos de sindicalização. Foi uma resposta à economia e à luta de classes.

Veremos no próximo artigo os resultados deste mecanismo.

 
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