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Editoriais internacionais alertam que impeachment não fecha crise orgânica no Brasil
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

No dia em que o Senado aprovou o impeachment de Dilma Rousseff, jornais no exterior destacam que o afastamento definitivo da presidente está longe de resolver os problemas do Brasil.

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Para o jornal americano The Washington Post, o longo processo de impeachment, que se estende por nove meses, pode servir apenas para "alienar mais ainda eleitores desencantados com o sistema político".

A publicação afirma que o processo “desorganizou a esquerda no país” – como exemplo disso, cita a baixa adesão aos protestos pró-Dilma em Brasília nesta semana e a postura "desapaixonada" de congressistas do PT em defesa da presidente afastada. Entretanto, o jornal aponta, não sem tristeza, que Michel Temer se revelou tão impopular quanto Dilma – segundo pesquisa Ibope de julho, apenas 13% dos brasileiros consideravam o governo bom ou ótimo.

Diz ainda que o atual processo expôs fraquezas no sistema político do país, em que o presidente depende de acordos com "inúmeros partidos sem ideologia clara", em arranjos que "incentivam a corrupção". Uma indireta sobre a necessidade de se instalar um bipartidarismo a la norteamericana no Brasil, capaz de censurar a esquerda. Desejo de alguns setores do MPF e dos partidos tradicionais da burguesia com a proposta da reforma política.

Por fim, para a publicação americana um "vácuo de poder" está se abrindo na política nacional – e sendo “preenchido por siglas menores de esquerda e candidatos evangélicos”. Não se pode ter tudo o se quer: o imperialismo, indissociavelmente ligado ao destino político de golpes institucionais nas semicolônias deste século (Honduras, Paraguai e Brasil), solta o alarme de que se os fenômenos de direita existem, também existirão os de esquerda. Lição aprendida a duras penas com a campanha de Bernie Sanders nos EUA.

Economicamente, o alarme não foi menor. Em texto sobre as perspectivas econômicas do Brasil, o Wall Street Journal também começa a soar a nota sombria e perdeu muito do entusiasmo que tinha com o golpe institucional. Afirma que "investidores podem estar dando muito crédito a políticos do país e desconsiderando os problemas".

O diário diz que “real se apreciou mais de 8% ante o dólar” – é a moeda que mais se valorizou no mundo neste ano – e o Ibovespa avançou 9,9% desde o afastamento provisório de Dilma em maio, mas desde então Temer "fez muito pouco" para enfrentar o rombo nas contas públicas do país. Torceu o nariz para a ausência de reforma da Previdência e limite constitucional aos gastos públicos enquanto as "primeiras ações" de Temer no cargo vão em sentido oposto: carência a Estados endividados com a União e "aumentos para servidores públicos muito bem pagos".

De fato, este ponto abriu a primeira crise no recente dueto governamental, PMDB-PSDB. Os tucanos, mais sensíveis aos gemidos dos empresários estrangeiros, exigiu que Temer avançasse sem mais delongas os principais ataques contra os trabalhadores, austeridade que Temer prefere aplicar com mais força após as eleições. Para isso, o tucano Aloysio Nunes foi incorporado ao núcleo econômico do governo, o que por si só pode não satisfazer os apetites imperialistas.

Em texto de opinião na revista Fortune, João Augusto de Castro Neves, diretor de América Latina da consultoria Eurasia Group, também toca a mesma corda, “o impeachment não irá solucionar meses de turbulência política e econômica".

O consultor descreve a permanência, no Brasil, de um cenário de "tempestade perfeita": economia global menos favorável, recessão profunda, desequilíbrio fiscal, escândalo de corrupção em curso e o usual embate político. "Com poucos fundos públicos à disposição, Temer terá que recorrer ao setor privado para elevar investimentos e estimular uma recuperação econômica."

O Clarín argentino destaca um artigo do editor de política internacional do jornal, Marcelo Cantelmi, para quem o Brasil caminha para um "buraco negro" ao "contornar as eleições".

"Aqui são todos culpados. Mas o erro institucional de ter tirado Rousseff à força deste modo e o precedente inquietante de fragilidade democrática que derrama sobre a região têm um só agravante. O de não ter aprofundado o caminho para convocar eleições antecipadas, que elegeriam um governo eleito para pilotar uma tempestade que não terminará amanhã e se agravará inevitavelmente".

O britânico The Guardian, depois de soltar uma carta aberta dizendo que o impeachment “é um insulto à democracia”, derramou dúvidas em suas páginas, tomando o tema do combate à corrupção. Um dos cenários mais prováveis, segundo o periódico, é que “a velha hierarquia política guardará silenciosamente a Lava Jato depois da saída de Dilma, e restaurar as políticas conservadoras do passado; podem mesmo abrir caminho – como a Operação Mãos Limpas na Itália – a um partido populista de direita a la Berlusconi”. É a primeira grande imprensa internacional a colocar contradições na Lava Jato.

Mas a maior clareza sobre os interesses e preocupações imperialistas está estampada nas páginas do falcão financeiro Financial Times. O jornal enfatiza os “duros testes orçamentários” que virão depois do impeachment, argumento que Temer não pode mais usar para atrasar os ajustes.

Espera-se que Henrique Meirelles comece a implementar uma de suas principais promessas aos mercados – a emenda constitucional que elimina aumentos reais no gasto orçamentário por 20 anos. A parte mais espinhosa da medida é que exigirá cortes na saúde e na educação, o que será profundamente impopular nas camadas de baixa classe média”. “A maioria das pessoas sabe,” diz o jornal, citando a preocupação do estrategista de mercados da UBS Wealth Management, “que Temer ficará em silêncio sobre a data de implementação destas reformas em setembro, e possivelmente em outubro”.

“O teto para os gastos sem os meios para atingi-lo não será eficaz; só a reforma na seguridade social criará os meios para que cheguemos lá”, diz o economista do Bank of America Merril Lynch em São Paulo.

A fome por mais austeridade deixam apreensivos os chefes das finanças internacionais pela baixa popularidade de Temer e os conflitos que podem surgir. “Mesmo que a economia brasileira se recupere e volte a crescer, os próximos dois anos serão ingratos a Temer”, conclui a matéria.

Fechar a crise orgânica pela direita não é tão fácil como quer o império

Como discutimos aqui, é impossível separar os grandes movimentos da estrutura estatal de países semicoloniais, como o Brasil, da batuta das potências estrangeiras. O golpe institucional, uma articulação do poder judiciário com o legislativo (além imprensa oficial) com o fim de depor o poder executivo, teve o “benéfico auxílio” de instituições como o Departamento de Estado norteamericano e a Corte Suprema em Washington, com grandes expectativas dos monopólios internacionais sobre as novas oportunidades de valorizar capital na América Latina. Para dar um empurrão à direita nacional, em meio aos elementos de crise orgânica, não foi necessário utilizar o expediente da força militar como na década de 70, já que a classe trabalhadora ainda não aparece como sujeito político independente na crise.

Entretanto, estar a um passo de concluir um objetivo pode ser o mesmo que nem ter começado a atingi-lo. Assim coçam a cabeça impacientemente os mercados mundiais, vivendo a debilidade estratégica da ausência de novos espaços de alta rentabilidade de capital, e exigindo ataque sonde pode.

Mas com uma crise de representatividade enorme, como confiar a transição aos tucanos tradicionais – que falam duro sobre Deus e a família no Senado – quanto mais no PMDB? Com um processo que até mesmo o LeMonde chama de farsa, ilegítimo e com amplos setores de massas reconhecendo como um golpe da direita?

É inegável que, como diz Trotsky, os interesses do imperialismo alteram, deformam e aceleram o desenvolvimento de processos políticos nos países oprimidos. Tanto assim que sua economia e seus fenômenos políticos sequer podem ser pensados por fora dos orgânicos laços de dependência. Ora, a vontade dos Estados Unidos de retomar à força o espaço perdido para a China na América Latina, a modo de resolver seus próprios problemas econômicos como a crise das megapetroleiras endividadas, terá conseqüências nas “novas formas de pensar” que surgirão à direita e à esquerda. Lhe preocupa muito o que aconteça à esquerda, com a crise do PT.

Pode ser que o resultado não seja “somente flores Berlusconianas” para o imperialismo, como foi na Itália na década de 90 com as Mãos Limpas, mas o surgimento de potentes fenômenos políticos da classe trabalhadora à esquerda do petismo.

 
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