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CRÔNICA OPERÁRIA
Risada na extra
Bibi
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Domingo! 13:20! Não era para estar ali, e sim descansando ou tomando uma breja, mas houve convocação (e ai de quem negar). O pedido está atrasado e enquanto continuar assim ninguém descansa . O sono começa a bater forte já que 5:40 da madrugada foi o horário da entrada. O sol castiga o galpão de metal e a temperatura em seu interior não está nada agradável. "-João! Faltam três lotes do ampliado, ai só depois sai todo mundo para almoçar. Avisa os auxiliares.- Pode deixar Robson. Ae molecada vcs ouviram né?".

Um grito de desespero emana do estomago dos auxiliares terceirizados, que estão desde às 5 num ritmo frenético só com o café da manhã da firma na barriga. Mineiro, puto da vida, fecha a cara, limpa o suor na testa, e volta a strechar a caixa de apara. Bochecha balança a cabeça, fazendo tremer as gigantes bochehas que lhe renderam o apelido, e puxa o palet cheio com a transpaleteira para junta-lo aos outros palets.

O clima geral é de irritação. 10 horas de hora extra num domingo quente como esse é de fuder! Até os operadores estão nervosos! Também, não é para menos: o Robson, Líder do galpão, não para de cobrar e encher o saco! E hoje essa caralhuda de máquina velha tá fazendo mais barulho do que o normal! Quer apostar que vai ter aquela salsicha de frango zuada de novo no almoço?

E todos continuam a fazer sua repetitiva e monótona função em um ritmo alucinado para acompanhar o ritmo de rotação da g500. Enquanto exercem essa atividade (que de tão alucinante seu ritmo daria para realizar interessantes ensaios para uma "fenomenologia do trabalho precário"), olham monotonamente para o relógio à espera de algum movimento significativo. -tá quebrado essa porra? - Tá não po - Mas faz umas meia hora que é 13:20. Tem ainda 3 horas e 40 pra sair.

Bochecha logo começa a rir diz ironicamente " se eh loko cachoera, vou sai e aproveita demais meu fim de semana, vo zua muito". A gargalhada é geral. Big, mais velho, com sobrepeso e com anos de profissão tem um acesso de tosse com a risada "quero só ver o zumbizão na segunda". Mineiro já se mete rindo "aaaaaa para de mentir muleque". Até o operador, que estava concentrado na rotação estranha da máquina, se desconcentra e palpita "depois de um dia como o de hoje se o cara fizer role é porque o cara é zika. Se fizer eu memo pego o dinheiro da extra e pago uma caixa de breja".E as risadas continuam.

Claramente o volume das risadas e a qualidade do divertimento não era compatível com a qualidade da piada. O momento das risadas se tratava de um duplo momento: o primeiro em que riam para fugir daquela maçante rotina, e o segundo, mais profundo, em que riam pois aquele foi o momento em que decidiram compartilhar alegria e intimidade entre pessoas que se veem diariamente, que carregam muitas cicatrizes de guerra feitas no dia a dia do trabalho, mas que apenas estão acostumada a dividir as tarefas funcionais. Um pequeno salto de qualidade e uma grande cena poética para bom observador.

  •  "Vamo gente, acelera! O pedido ta em cima! João você é o responsável. Se não sair já sabe, a culpa cai nas minhas costas mas na sua também" interviu o Lider Robson claramente irritado com a situação. O lider conseguiu acabar com o momento das gargalhadas, mas não com o sorriso no canto das bocas que escondia uma risada. Robson sabe que alienação e a impessoalidade é peça fundamental na manutenção da submissãuo, mas já era tarde, a intimidade já começara a corroer as relações de competição e rivalidade daquele pequeno grupo de trabalhadores.
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