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GREVE ESTADUAIS
O que diz a greve das estaduais paulistas na atual conjuntura política?
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
Tatiane Lima

Dentro da conjuntura mais à direita pós-golpe de Temer, estudantes das estaduais paulistas seguem em uma greve histórica em defesa da Educação Pública. Quais lições e perspectivas nos aponta essa luta?

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Uma greve histórica em meio à crise política nacional

Os estudantes das estaduais paulistas seguem há mais de dois meses em greve. De lá pra cá muita coisa aconteceu. O golpista Temer assumiu a presidência do país, novos processos de luta dos estudantes secundaristas foram duramente reprimidos em São Paulo, no Sul, onde também um estudante da UERJ foi brutalmente assassinado por setores da direita racista e LGBTfóbicos, bem como a repressão da polícia se voltou ainda mais abertamente contra a juventude negra e uma série de ataques contra os trabalhadores e jovens estão nos “planos do dia”, de diferentes governos pela via de projetos conservadores, como é o caso do Escola Sem Partido.

Uma das maiores mobilizações estudantis dos últimos tempos tomou conta das estaduais paulistas e os estudantes responderam ao elitismo das estaduais paulistas com radicalização e muita disposição de luta. Na Unicamp, protagonizaram por mais de dois meses a ocupação do prédio da reitoria e das 24 unidades 20 declararam greve em assembleias estudantis massivas, expressando uma adesão há décadas não vista no movimento estudantil, com a ampla participação inclusive de cursos sem tradição de atuação no movimento estudantil, como Medicina e Engenharia Mecânica.

Assembleia histórica dos estudantes da Unicamp

Na USP os estudantes ocuparam alguns prédios das unidades, com destaque para a ocupação da Letras – FFLCH, que partiu de assembleias massivas que se ligaram com pautas dos estudantes secundaristas, que naquele momento travavam uma dura batalha por merenda nas ETECs e sofriam com a dura repressão do governo. Realizando atividades importantes em aliança com os trabalhadores e que ao final foi entregue para garantir que os salários não fossem cortados, enfrentando as ameaças e chantagens da burocracia acadêmica.

Na Unesp, 11 campi entraram em greve estudantil, com ocupações em Assis, Marília, Rio Claro, Presidente Prudente e São Paulo. Desde o início alguns campi enfrentaram a repressão da Reitoria que tentava desmobilizar e impredir a ascensão do movimento, emitindo um documento chamado Interdito Proibitório que obrigava o pagamento de uma multa diária de R$500 mil reais a cada estudante nomeado no documento. A revogação desse ato de repressão ainda está em negociação com a reitoria.

Não por um acaso, essa luta emergiu junto ao movimento político de resistência da juventude no país contra o golpe institucional e a ofensiva contra os direitos da população. Não por acaso também, vimos aparecer setores da direita, fortalecida nacionalmente por meio do golpe, que se organizaram contra nossa mobilização, buscando atacar a educação pública e nós lutadores. Desde notícias nas grandes mídias, com campanhas reacionárias, como a do pagamento de mensalidade, até ações isoladas de grupos como o Movimento Brasil Livre, contra as pichações anti-golpe, com atos falidos contra a greve e vídeos exigindo punições aos estudantes. Também setores que odeiam grevistas, mulheres, negros e LGBTs ameaçaram estudantes pela via das redes sociais e com cartas de ameaças em casas da moradia estudantil da Unicamp.

Toda essa ofensiva gerou uma polarização política, que contou com o apoio da mídia golpista para amplificar vozes de ativistas da direita, que veio falsificando o conteúdo da greve para a opinião pública. Essa polarização também se expressou na organização de setores da direita no movimento dos professores e fortaleceu uma correlação de forças para que as reitorias se mantivessem intransigentes quanto às ditas “pautas orçamentárias” (sem avanços salariais e não retirada dos cortes), reprimissem com sindicâncias aos estudantes nas três universidades e com cortes de salários a mais de 400 trabalhadores na USP, bem como respaldou aprovações conservadoras no Conselho Universitário da USP de ataques aos estudantes e trabalhadores, além de processos jurídicos contra os piquetes e os métodos de luta do movimento.

Uma resposta combativa contra a direita e o racismo estrutural na UNICAMP e USP

Nenhum desses ataques passou sem resistência e a nossa greve expressou uma resposta a nível nacional da força que os lutadores podem ter para enfrentar as intenções da direita golpista. No conteúdo, colocamos no centro a luta contra o racismo e elitismo que a direita reacionária impõe como base de sua “excelência”, foi a maior luta por cotas étnico-raciais que as estaduais já viu, inclusive arrancamos conquistas importantes nesse terreno que ameaçam esse projeto de universidade branco das elites: Na Unicamp, além do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas que veio de uma batalha anterior, foi aprovada cotas na pós-graduação da Faculdade de Educação e o projeto da implementação está em discussão também nas pós do Instituto de Arte, no de Estudos da Linguagem em outros, bem como serão realizadas audiências públicas onde a implementação na graduação será a pauta primordial e escancarará para toda a população as posições racistas daqueles que não querem jovens negros sendo parte da produção de conhecimento dessa universidade. Na USP a reitoria também foi obrigada a ceder também um aumento da porcentagem da reserva de vagas para Pretos, Pardos e indígenas no programa do SISU. São concessões que expressam a força da greve dos estudantes e que são pontos de apoio para conquistas mais profundas que arranquem o acesso radicalizado, para um questionamento mais profundo não só da exclusão opressora, racista, mas de toda a exclusão de classe pelo filtro que é o vestibular.

Além das batalhas pelas cotas, outras ações desafiaram a ofensiva dos conservadores, como a assembleia histórica de professores da Unicamp que derrotou setores da direita na universidade, uma forte campanha democrática contra as punições, ameaças e a perseguição política se iniciou e precisa ganhar toda a centralidade nas três universidades.

Uma luta que poderia romper os muros das universidades de excelência

Nas Jornadas de Junho de 2013, no movimento das ocupações de escolas feitas pelos estudantes secundaristas, em todos os processos de lutas em defesa da educação, da cultura, dos direitos das mulheres, das LGBTs e das negras e negros, a juventude despertou como principal protagonista dos questionamentos ao regime político em crise e se levantou para protestar contra os ataques dos governos, como Alckmin, que foram endurecidos ainda mais com a atual estabilidade relativa do golpista Temer. É nesse marco que a greve das estaduais paulistas se insere, não apenas como mais uma luta à somatória, mas como um potencial ponto de inflexão contra essa realidade nacionalmente.

Foi com essa perspectiva que desde o início nós da Faísca - Juventude Anticapitalista e Revolucionária defendemos a necessidade de auto-organização para coordenação entre as três universidades e que a nossa luta se colocasse como verdadeiros “tribunos do povo”, defendendo o acesso e os hospitais universitários que cuidam da saúde pública, além da disputa do conhecimento produzido nessas grandes universidades, para colocá-lo a serviço dos trabalhadores e da população pobre.

Era preciso disputar a opinião pública, como fizeram os secundaristas ao conquistar o apoio da população, dando uma verdadeira aula de como derrotar o governo intransigente e repressor dos tucanos. Essa tarefa, essencial para escancarar que nossa luta nunca foi para preservar a Torre de Marfim, tinha também um conteúdo estratégico para o fortalecimento como um só punho da greve estadual.

Para isso era fundamental a conformação de um comando estadual unificado, no qual pudéssemos debater e nos organizar, mas este não se concretizou, e a iniciativa que partiu do Encontro Estadual dos Estudantes em Luta de maio, bem como os importantes atos coordenados do 3J, não foram levadas adiante, conscientemente boicotadas pelas direções dos DCEs da USP e da Unicamp, ambos dirigidos por maioria de correntes do PSOL (Juntos, Rua, Vamos a Luta, Domínio Público, além da UJC) que não confiam nas forças da juventude para junto aos trabalhadores em nosso país questionar mais a fundo a ordem e responder a crise política sem manter as regras do jogo. Essas direções, que em parte apoiaram o golpismo da direita ou o acham secundário, são as mesmas que separam a luta sindical da luta no terreno político.

Além da pressão corporativista de alguns setores no movimento estadual da Unesp, que veem a luta na universidade, descolada das demais lutas em curso e do cenário político nacional, colocando a organização interna em contraposição a estadual. Dessa forma, o movimento não conseguiu ver importância de colocar na frente a construção de táticas unificadas e da articulação com as outras estaduais paulistas, chegando a votar contra a construção de um dia de ações unificadas e a não discutir a construção da unificação. Também se colocou contrário a construção do Diretório Central dos Estudantes, desativado desde 2008. A tarefa de começar a construí-lo a partir da mobilização era uma das centrais para esta greve, visto que uma das debilidades da mobilização da Unesp nos últimos anos tem sido a falta de uma entidade democrática e realmente de base que fomente o debate e a luta nas diversas unidades espalhadas pelo estado. Para que não recomece o velho dilema de que todos os anos a articulação estadual volta a estaca zero, tendo que se reiniciar através de espaços informais até que chegue em diversos campi.

A aliança entre os estudantes em luta com os trabalhadores de dentro e fora das universidades é um desafio fundamental para subverter as estruturas de poder vigentes nessas instituições e para derrotar a burocracia universitária, que aprova unilateralmente medidas de privatização e precarização, enquanto nos ataca e cerceia nossa liberdade de auto-organização, para combater os Conselhos Universitários, que só representam os interesses das grandes empresas e multinacionais em detrimento da valorização dos trabalhadores e legitimando trabalhos ultra-precários com a terceirização, para derrotar as reitorias que nos atacam e os estatutos universitários herdeiros da ditadura militar. As direções dos DCEs não buscaram unidade com os trabalhadores e não atuaram para a construção de um movimento não corporativista que fosse capaz de questionar a fundo o caráter de classe das universidades de excelência.

Quais as perspectivas da nossa luta?

A geração de estudantes que construiu dia a dia essa greve histórica já é um ponto fora da curva que preocupa o alto escalão da burocracia universitária e seus aliados da elite paulista. São centenas de jovens que questionam os porquês da população negra dentro das salas de aula ser uma minoria quando são maioria nos trabalhos precários e bairros pobres esquecidos pelos governos. Centenas gritaram que saúde não é mercadoria e o conhecimento produzido na universidade deveria ter um fim social e não empresarial. Será com essa subjetividade que as demandas conquistadas, como as bolsas e moradia, serão cobradas. Mais que isso, com essa subjetividade é que nós estudantes lotaremos as audiências públicas por cotas étnico-raciais, desafiaremos novamente os reitores e professores racistas para impor com novos levantes aos conselhos universitários que não aceitaremos mais esse acesso restrito. Tivemos conquistas importantes, na contra corrente da situação política nacional, e com esses pontos de apoio vamos por muito mais.

De imediato nossa primeira tarefa é dar maior visibilidade à campanha contra as punições aos lutadores. Precisamos seguir toda a criatividade e disposição com a qual tomamos essa luta, pois as reitorias e governos buscam com as punições ensinar uma lição de que não podemos lutar. Devemos aprofundar a campanha democrática, que já conta com iniciativas importantes e uma rede de apoiadores. Devemos derrubar cada sindicância aberta contra estudantes grevistas e também exigir que seja revogado corte de salário dos trabalhadores da USP- Já são mais de 1 milhão de reais não pagos às famílias! Se a direita se sente mais a vontade para ameaçar e até agredir os lutadores, com sua suposta aplicação de um “conhecimento neutro” e “sem interferências ideológicas”, nós mostraremos que não tememos, como disse em sua poesia contra o MBL um professor da Unicamp. Mostraremos que somos a geração de junho de 2013 e dos secundaristas de 2015 e estamos dispostos a podemos tirar grandes lições, partindo das lutas defensivas às ofensivas, questionando as ideias podres do capitalismo e avançando para a construção de uma nova tradição de movimento estudantil.

 
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