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HISTÓRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
Quase 100 anos da grande greve de 1917 em São Paulo
Evandro Nogueira
São José dos Campos
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Quando se fala na história do movimento operário brasileiro, o mais comum é que se remeta direto às grandes greves metalúrgicas do ABC no final dos anos 1970, ou a famosa greve com ocupação da Cobrasma de Osasco, em 1968, ou ainda o período hegemonizado pelo PCB, que passa pela Era Vargas e o grande levante que acabou sendo derrubado pelo golpe militar em 1964. Um episódio, contudo, de valor muito particular para a história do nosso movimento operário e que normalmente está ausente não só nos livros escolares, mas em diversos debates no meio da esquerda acaba também sendo subvalorizado, é a greve de São Paulo em 1917, quando a classe operária controlou a cidade por três dias e o governador Altino Arantes teve que se tornar o primeiro governante a aceitar negociar com trabalhadores, uma vez que até então o “diálogo” era direto com a polícia.

Do ponto de vista do proletariado internacional, poucas coisas poderiam ser mais atuais em 1917 que uma forte greve capaz de controlar a cidade inteira, fazer a repressão recuar e causar deserções entre os soldados. A incipiente indústria que se desenvolvia durante a República Velha, sobretudo na capital paulista, ao se servir principalmente de mão-de-obra imigrante, possibilitou que a recém-nascida classe operária brasileira inaugurasse sua história já em direta conexão com a avançada consciência e organização da classe operária que já amadurecia na Europa. A transmissão direta, viva, das tradições de organização e luta que se desenvolviam no velho continente, é o que está por trás de tamanha atualidade demonstrada pelo movimento operário brasileiro em 1917, antes mesmo de batalhões mais significativos serem formados, a partir da década de 1930 – um grande exemplo do que é o desenvolvimento desigual e combinado.

Outro elemento importante para a fomentação dessa grande greve em 1917, diz respeito à concentração da classe operária. Embora não chegassem a 200 mil operários em todo país, em 1919 as empresas com mais de 100 operários correspondiam a 69,7% da mão-de-obra industrial, apesar de equivalerem a somente 3,5% dos estabelecimentos, isso nacionalmente, no estado de São Paulo, apesar de que 57% dos estabelecimentos empregassem cerca de 4 trabalhadores, isso significava somente 6,4% dos ocupados (dados do livro de Paulo Sérgio Pinheiro, “O proletariado industrial na Primeira República”).

Alguns antecedentes

Em 15 de abril de 1894, uma reunião para organizar as primeiras atividades de comemoração do 1º de maio no país foi denunciada à polícia, os militantes operários são todos presos, sendo que os imigrantes por 8 meses. De 1903 a 1905 se proliferaram as Ligas de Resistência, avançando a organização dos trabalhadores. Em 1905 os portuários de Santos e do Rio de Janeiro paralisaram suas atividades; em fevereiro de 1906, após a realização do 1º de maio em praça pública pela primeira vez, 17 Ligas Operárias participaram de um grande comício de protesto contra o massacre ocorrido na Rússia czarista, em dezembro de 1905; em 1907 uma forte greve alcançou diversas categorias, ganhando contornos de greve geral, de 4 de maio até 15 de junho.

A maioria dessas lutas reivindicava a redução da jornada, que era sem limites, literalmente, a partir de 12h, como mínimo, e diversos direitos básicos, como férias ou descanso semanal. Não havia qualquer tipo de regulamentação trabalhista, mas sim um enorme contingente de crianças nas fábricas, mulheres eram recorreiramente abusadas e os acidentes de trabalho eram sempre culpa dos operários, que uma vez acidentados, não recebiam qualquer tipo de indenização ou garantias.

Como já dissemos, a composição dessa primeira geração do movimento operário brasileiro está bastante marcada pela presença de imigrantes. Para se ter uma ideia, entre 1850 e 1920, o estado de São Paulo recebeu mais de 1,5 milhão de imigrantes. Milhares entre esses operários já traziam experiências de greves e organizações sindicais, sendo que alguns inclusive tinham cumprido papel de dirigentes em greves gerais na Itália, por exemplo. Conforme o movimento operário começou a se desenvolver, a repressão a partir do governo foi bastante dura, com centenas de prisões, sendo que muitos eram mandados para campos de trabalho forçado no Acre e em 1907 foi sancionada a Lei Adolfo Gordo, nitidamente de interesse patronal, pois permitia a expulsão imediata do país de todos os operários imigrantes denunciados por agitação política.

No período 1909 a 1914, houve um enfraquecimento generalizado das organizações sindicais, mas com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, que impactou bastante a economia do Brasil, gerando elevação significativa custo de vida, encarecimento dos produtos alimentícios, baixa dos salários etc., os trabalhadores foram retomando sua organização de classe para se defender. Começam a serem fundadas muitas Ligas Operárias a cada ano, com centenas de filiados, organizados pelo local de moradia, independente da profissão. Ainda em 1913, foram realizados importantes protestos, pelo caráter classista, contra a Lei Adolfo Gordo no Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, Rio Claro e Jundiaí.

A greve de 1917 em São Paulo dia a dia

No final de maio, a Liga Operária da Mooca somava quase 400 filiados, na maior parte mulheres da fábrica de tecidos Crespi. Desde o início do ano estavam ocorrendo interrupções parciais do trabalho em diversas fábricas paulistanas, mas a primeira grande paralisação fabril em São Paulo, após vários anos, e que será o start para a grande greve de julho, foi justamente na Crespi (este “dia a dia” da greve é baseado sobretudo no livro de Everardo Dias, “História das lutas sociais no Brasil”).

2 de junho – assembleia geral da União dos Operários em Fábricas de Tecidos (Mooca) discute a situação dos trabalhadores;

10 de junho – na fábrica de tecidos Rodolfo Crespi, os operários pedem aumento, a patronal nega e ameaça fechar, a resposta vem imediata: greve!

15 de junho – operários da Crespi, sem conseguir negociação, fazem passeata pelas fábricas da região e são reprimidos;

16 de junho – várias fábricas entram em greve, o descontentamento é generalizado entre os operários;

3 de julho – greve continua se fortalecendo e chega a 5 mil operários; grande manifestação com participação massiva de mulheres e menores marcha para a Praça da Sé, governo descarrega uma dura repressão e os trabalhadores resistem;

7 de julho – forte repressão e prisões contra a paralisação na Companhia Antártica Paulista;

8 e 9 de julho – grande demonstração de força operária no Brás e Mooca, mais fábricas aderem à greve e as que seguem funcionando são apedrejadas, a polícia ameaça atirar mas não intimida os operários, até que na Rua Flórida é atingido o jovem anarquista Antônio Martinez; a repressão fecha todas as sedes de Ligas Operárias na cidade, mas a greve se fortalece e atinge quase todas categorias: metalurgia, tecelagem, gráfica, fósforos, vidros, construção civil, transportes coletivos, carroceiros, lixeiros, moagem, calçado, alimentos, cerâmica, alfaiates; a noite é realizado um comício no Salão Germinal, onde é passada a notícia de que em Santos, Ribeirão Preto, Rio Claro e São Carlos preparam adesão à greve; é criado o Comitê de Defesa Proletária, com importantes figuras dirigentes, anarquistas e socialistas, que passa a coordenar a luta e propõe uma pauta unificada;

10 de julho – todos os bairros operários aparece colado nos postes e paredes um cartaz, assinado por “mulheres grevistas”, com chamado a que os soldados não reprimam os trabalhadores;

11 de julho – o jovem Martinez morre no hospital; já são 54 fábricas paradas, 20 mil operários; 36 associações operárias se reúnem para unificar as pautas;

12 de julho – grande marcha com mais de 10 mil operários sai da Rua Caetano Pinto para o enterro de Martinez no cemitério do Araçá, passando em frente a delegacia onde haviam muitos presos políticos os manifestantes gritam “libertem nossos presos!” e existe forte tensão com um grande contingente policial; mais tarde, conflitos estouram na Mooca e em armazéns de gêneros transportados pelas estradas de ferro na Barra Funda, Pari, Ipiranga e Lapa; no Brás, proximidades do Largo da Concórdia com grande ocupação policial, as massas tomam Av. Rangel Pestana, o conflito força a polícia a recuar, barricadas são erguidas pelas ruas do Brás e da Mooca, formando um labirinto de guerra, sendo que o único veículo a percorrer as ruas é do corpo de bombeiros, carregando militares armados, tiroteios acontecem do Brás à Lapa; 1º e 4º Batalhões da Força Pública e Guarda Cívica são declarados suspeitos e ficam impedidos de sair dos quartéis, acusados de insubordinação; 53º Batalhão de Caçadores é enviado de Lorena para fortalecer a repressão, assim como tropas de Campinas, Piracicaba, Sorocaba; os conflitos se estendem até o ABC;

13 de julho – continua a situação de conflitos, principalmente no Brás, Mooca e Bom Retiro; armazéns de mercadorias são dominados pela população, que se abastece principalmente com os gêneros alimentícios; governo não contém o movimento e grande número de soldados começa a alegar doença para não ter que reprimir os trabalhadores; a greve é preparada em Santos e Campinas, mas no porto de Santos desembarcam batalhão de fuzileiros para proteger as docas e alfândega; os grevistas já são mais de 70 mil (algumas fontes falam em 50 mil);

14 de julho – formada comissão de jornalistas para intermediar a negociação, a reunião é marcada na sede do jornal Estadão, entre representantes dos trabalhadores, dos patrões e do governo;

16 de julho – acordo firmado a partir do armistício, fim dos conflitos e atendimento de algumas reivindicações, negadas somente pelas imperialistas Light e SP Railway;

18 de julho – grande reunião pública para tratar do acordo de fim de greve no Largo da Concórdia conta com mais de 80 mil pessoas, até a rua Bresser, a maior massa vista na cidade, disciplinada, aceito a volta ao trabalho

Algumas considerações

Entre as reivindicações dos trabalhadores estavam questões básicas como aumentos salariais, redução da jornada, fim do trabalho para menores de 14 anos, liberdade de organização e de greve, mas também outras reivindicações que apontavam para hegemonia operária sobre o conjunto da população, como a exigência de barateamento dos preços de produtos básicos, assim como controle dos aluguéis. Industriais e governo se comprometeram a atender algumas reivindicações e outras não, mas ao fim da greve a maior parte delas não era cumprida e outras lutas precisaram seguir.

Como dissemos inicialmente, essa grande demonstração de força da classe operária, antes mesmo de que surgissem seus maiores batalhões e concentrações só foi possível devido à transmissão direta das tradições que a classe já vinha desenvolvendo no continente europeu. As organizações sindicais, que também surgiram antecipadamente em relação à maior concentração operária, ao contrário do que vimos se acontecer nos países de capitalismo mais avançado, foram outro grande trunfo que permitiu aos trabalhadores construírem essa grande batalha de classe. Os sindicatos naquele momento, quando não havia qualquer tipo de legislação trabalhista, eram totalmente livres, sem intervenção estatal, sendo legítimos instrumentos de luta dos trabalhadores. Justamente em base a essa lição é que o governo de Getúlio Vargas buscará avançar estrategicamente sobre os sindicatos, com medidas que até hoje afetam a dinâmica política dessas ferramentas.

Outro debate muito presente ao se falar da greve de 1917 é em relação ao papel dos anarquistas, que certamente foi muito importante, era a principal corrente ideológica entre os operários no Brasil naquele momento, mas a história desse greve não se resume a um episódio da história do anarquismo, como fazem parecer alguns. Para além de que havia importante presença de militantes socialistas também no movimento (por exemplo o jornal socialista Avanti chegou a ter tiragem de 8 mil semanal, enquanto o principal jornal anarquista, A Plebe, tinha tiragem de 10 mil), o verdadeiro debate deveria ser sobre os limites que essa estratégia majoritária demonstrou naquele movimento, uma vez que não se dirigiu, com toda aquela exuberante força que se demonstrava, para questionar o poder instituído, restringindo-se mais às reivindicações econômicas e sindicais. Não à toa, apenas cinco anos após essa greve será fundado o Partido Comunista do Brasil tendo entre seus quadros muitos operários que vinham da experiência com o anarquismo.

Nosso objetivo, contudo, nesse breve artigo, é mais ressaltar a força e tradição do movimento operário brasileiro, fazer uma breve homenagem à essa greve histórica em seu aniversário, deixando para outro momento uma incursão mais direcionada para as diferenças de estratégias presentes no movimento operário.

 
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