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ARTES VISUAIS
Do Grafite ao Muralismo mexicano
Afonso Machado
Campinas
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Na crista dos modismos alguns críticos e artistas tentaram sepultar a pintura. Mas a verdade é que nas últimas três décadas ela não só não desapareceu, como foi reinventada, sobretudo pela chamada street art. Muito especialmente o grafite vem cumprindo a importante tarefa na criação de uma arte pública. A terceira edição da “Bienal Internacional do Graffiti", que ocorre no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo (o evento fica em cartaz até o dia 19 de maio), mais uma vez reafirma a influência dos grafiteiros dentro da arte contemporânea. Discute-se muito quando o grafite, originário do espaço público, se dá em espaços institucionalizados. A princípio não existe nenhum grilo com o fato de ocorrer, em uma determinada instituição, uma exposição de grafites; ao contrário, não se pode negar que isto ajuda, e muito, na divulgação dos mais diferenciados estilos de grafite. Porém, não dá pra perder de vista que o quente no grafite está na amplitude de uma arte social criada nas ruas. Trocando em miúdos: dentro da perspectiva revolucionária, não se pode perder o sentido coletivo e contestador no grafite.

A utilização do estêncil, do spray ou ainda do pincel, gera imagens que ocupam o mundo urbano. Prédios, muros, estações de metrô, viadutos e outros espaços não apresentam uma exposição que fica escondidinha, mas obras de arte que chegam, com a originalidade dos traços e com a força das cores, aos olhos da população. Sendo uma intervenção no espaço público, o grafite apresenta em seu conjunto uma movimentação internacional que se diferencia radicalmente do estreito horizonte empresarial. O aspecto “legalizado" do grafite muitas vezes procura ocultar seu passado transgressor. A partir do seu surgimento nos bairros pobres da Nova York dos anos setenta, o grafite despontaria internacionalmente enquanto arte que exprime as contradições da sociedade capitalista. Portanto, para que o grafite não se converta em mera decoração urbana e também para que ele se diferencie dos signos que representam o poder da grande mídia, os artistas precisam ressaltar as qualidades políticas que são intrínsecas ao grafite enquanto linguagem: trata-se do sentido social contido na arte pública.

A composição de imagens de acordo com as possibilidades técnicas contidas, por exemplo, num spray ou num pincel, não é direcionada no contexto de rua para os olhos de um marchand ou de um doutor em História da arte. A relação entre pintura e espectador, dentro do espaço público, é aquela que vislumbra a existência da arte enquanto expressão dos interesses coletivos. Algum caça-níquel do mundo das artes pode até comprar, embalar e vender este tipo de arte através de inúmeras tramas comerciais. Entretanto, a natureza efêmera e sem barreiras do grafite tende a fazer muito mais sentido para os trabalhadores. Quando o artista de um bairro operário exterioriza suas visões e vivências numa obra, sua verdade sensível encontra um grande apelo entre aqueles que fazem parte da classe operária. Ainda que nem todo grafiteiro seja necessariamente proletário, o grafite encontra seu habitat não entre os esnobes, mas entre os trabalhadores.

Os grafiteiros mais antenados já se ligaram em referências estéticas e ideológicas como o muralismo mexicano. É notória a influência de Diego Rivera no trabalho de um artista como Eduardo Kobra. Apesar de existirem diferenças técnicas entre o grafite e o muralismo, o primeiro pode se beneficiar esteticamente e politicamente com o segundo. Talvez a grande contribuição do muralismo mexicano para o trabalho dos grafiteiros brasileiros passe pela riqueza de informações históricas, políticas e antropológicas que uma pintura pode abarcar a partir da sua lógica interna. Se o grafite tem o seu desenvolvimento estilístico dentro da cultura hip-hop, outras influências artísticas engrossam ainda mais o potencial criativo da arte de rua. Especificamente a arte mural dos mexicanos (ou seja, o movimento que diz respeito ao time de pintores formado pelo Ministro da Cultura do México José Vasconcelos, no início dos anos vinte do século passado), apresenta um legado pictórico que pode ser incorporado ao trabalho dos grafiteiros.

A defesa da pintura mural após uma década de guerra civil possibilitou no México a emergência de uma produção artística que buscou se comunicar com operários e camponeses. Diante do analfabetismo, a pintura tornava-se naquele contexto estratégia visual que possibilitava uma forma popular de educação política. Contando a História de dominação hispânico-cristã do período colonial e ao mesmo tempo valorizando os aspectos culturais dos povos indígenas e os conflitos sociais contemporâneos, os muralistas trouxeram a um só tempo a atualidade da arte moderna e a crítica política. Além de Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros estão entre os nomes que despontaram no muralismo. Se estes e outros pintores são inseparáveis da própria esquerda mexicana, Rivera foi certamente quem apontou, durante os anos trinta, para o aprimoramento estético do muralismo mexicano. Enquanto que Siqueiros foi um defensor do stalinismo, Rivera (em meio as suas graves contradições pessoais e políticas) plasmou com integridade as imagens da luta de classes. Segundo Trotski, que foi acolhido por Rivera durante o seu exílio no México, o que inspirou os afrescos do artista foi a Revolução proletária: (...) “ Sem Outubro, a sua capacidade criadora de compreender a epopeia do trabalho, a sua servidão e a sua revolta nunca teriam podido atingir semelhante força e semelhante profundidade “(...).

A observação perspicaz de Trotski pode servir de lição para que o grafiteiro de hoje encontre suas motivações criadoras na arte que exprima as lutas sociais. A inspiração na obra de Diego Rivera não limita-se às condições técnicas da elaboração do mural, mas indica que a pintura, quando inseparável do espaço público, arrebata imagens que nascidas sob uma proposta monumental, representam um esforço comunicativo com o espectador operário. Revisitando o muralismo mexicano, os grafiteiros não enfiam artificialmente a política na arte, mas fazem da arte expressão de uma posição política revolucionária.

 
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