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TRIBUNA ABERTA
O que aconteceria se jogassem a obra de Paulo Freire no lixo?
André do Amaral

Numa cidade não muito distante, havia um grupo de pessoas que viviam no lixo. Eles se organizavam em pequenas moradias construídas com entulhos. Comiam restos de alimentos e trabalhavam arduamente para conseguirem criar os filhos em condições tão precárias.

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Numa cidade não muito distante, havia um grupo de pessoas que viviam no lixo. Eles se organizavam em pequenas moradias construídas com entulhos. Comiam restos de alimentos e trabalhavam arduamente para conseguirem criar os filhos em condições tão precárias. As crianças não gostavam daquele lugar.

Os meninos queriam ter os brinquedos inteiros, abrir os pacotes no natal e encontrar carrinhos de controle remoto. Mas, naquele lugar, eles controlavam somente os carros-garrafa, com pneus de tampinhas e com a energia motora dos braços finos. As meninas, queriam ser de outra cor, com outro cabelo – feito as bonecas com seus vestidos, seus carros e suas casas, todas rosas.

Um dia, depois de se cansar de arrastar o carrinho pelo lixo, Paulo perguntou ao seu pai:
– Por que nós moramos aqui? Não existe um lugar melhor?
– Existe sim, filho, mas só pra gente que tem dinheiro
– Por que nós não temos dinheiro?
– Não sei, filho. Talvez, a gente não mereça.
Paulo nunca se esqueceu da resposta de seu pai.

Um dia, jogaram naquele lugar um livro. Disseram que um homem que escrevia para uma revista, uma tal de Veja, conclamou os leitores a jogá-lo fora e parece que alguém levou a sério.

Na sala de leitura da Escola Lixo, havia muitas edições desta revista. Mas, não havia aquele livro.O título “Pedagogia do oprimido”, fez a vó de Paulo pensar que se tratava de receita pra curar o pé. Mas, não era bem isso. Um tanto de tempo depois, Paulo descobriria que o livro falava de educação, coisa que seus pais sempre pediram para que ele tivesse. Paulo pegou o livro e levou correndo até sua professora, Stela, pedindo para que ela lesse e explicasse pra ele. Stela, emocionada com o interesse do menino, combinou que leriam um pouquinho por dia, pois se tratava de um livro difícil.

– Difícil é levantar um saco pesado com uma mão só, que nem meu pai. Ler é fácil. Dá até pra ler deitado- disse o menino.
Stela riu e então perguntou por que ele não pediu para os pais lerem pra ele.

  •  Eles não sabem- respondeu.
    – Não sabem, mas podem aprender, pois então, nós vamos estudar.Crianças de dia, adultos de noite. E as tardes, lemos juntos o livro escrito pelo seu xará, o que acha?
    Aquela ideia mudou completamente o lixo. Os moradores aprenderam a separar as ideias e analisá-las, como faziam com o lixo. Juntavam sílabas e formavam palavras que passaram a criar outras possibilidades de convívio naquele lugar.

    Os adultos, alfabetizados, eram incentivados pelos filhos, liam juntos, conversavam sobre o que aprenderam. Paulo convocava a todos que nunca mais aceitassem “ser menos”. Perceberam que o local não era um lixo e sim, “estava” um lixo, por um processo de precarização. Não, eles não mais aceitariam que lhe ditassem o certo e o errado. Decidiriam juntos os acordos que valeriam naquele local. Resolveram, primeiramente, mudar o nome do local, de lixo – nome dado por outras pessoas para diminuírem seus moradores- para Vila Autonomia, por influência de outro livro que surgiu por lá.

    A escola foi renomeada como Escola Paulo Freire. O outro Paulo, seguindo a trilha de Stela, tornou-se professor de português na escola onde se formou. Um dia, decidiu ler, afinal, uma daquelas revistas. O mesmo colunista que possibilitou seu encontro com Paulo Freire, de maneira raivosa, escreveu que todos deveriam ser contra a doutrinação ideológica nas escolas. Paulo riu e concordou. Movido por esta concordância, cortou a letra “V” da revista e formou a palavra “EJA”, (Educação de Jovens e Adultos), projeto que ensinou seus pais e vizinhos a lerem e que ele agora coordenava. Pensou num projeto,
    que denominou: “#maisejaemenosveja”.

    Mais educadores que incentivem a transformação, menos colunistas que disseminem o ódio.

    E assim, repleto de vontade e de projetos, seguiu o educador Paulo, lecionando na Vila Autonomia, que não mais se sentiu inferior e muito menos aceitou opinião de quem ainda tenta diminuir o legado de pessoas que lutaram para tornar o mundo um lugar menos injusto.

    Os moradores, alfabetizados na palavra e no mundo, não mais careciam de “formadores de opinião”,pois eles mesmos nomeavam e decidiam as próprias ações. E, como em todo lugar, eles não foram felizes para sempre, mas aprenderam a construir e perceber o que possibilitava felicidade, que para Paulo, consistia em continuar caminhando.

    OBS: Este pequeno conto é uma resposta poética a quem, por desconhecimento ou desfaçatez, solicitou que a obra de Paulo Freire fosse jogada no lixo. Tentei imaginar como se daria a recepção do legado do educador por aquelas bandas. Deu-se o conto.

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