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FINANCIAMENTO À PESQUISA
Alckmin, a Fapesp e as ’pesquisas inúteis’ de sociologia
Fernando Pardal

Em reunião com seu secretariado nessa quarta-feira, 27, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), criticou a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por financiar pesquisas ’sem utilidade prática’. A verdade sobre o financiamento é muito diferente.

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A Fapesp é a principal agência de fomento à pesquisa no estado de São Paulo. Ela possui, desde 1989, um orçamento fixo de 1% do total de impostos arrecadados no estado, e sua verba é destinada ao financiamento de pesquisas através de concessão de bolsas de estudo e custeio de despesas, como realização de congressos, seminários, viagens etc.

Segundo três secretários presentes na reunião, o governador teria afirmado que “Gastam dinheiro com pesquisas acadêmicas sem nenhuma utilidade prática para a sociedade. Apoiar a pesquisa para a elaboração da vacina contra a dengue, eles não apoiam. O Butantã sem dinheiro para nada. E a Fapesp quer apoiar projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma relevância.” E também teria se referido à comunidade acadêmica, cujas pesquisas se beneficiam do financiamento da agência, como uma ““máfia das universidades sugando dinheiro público”.

Alckmin teria defendido na reunião que o orçamento da agência deixe de financiar esse tipo de “pesquisa inútil”. A Fapesp possui, legalmente, autonomia diante do governo para atribuir suas verbas e decidir suas prioridades orçamentarias.

Quanto dinheiro foi destinado a cada área de conhecimento?

Apesar do que disse Alckmin, segundo levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, nos últimos 25 anos a Fapesp financiou 446 bolsas e auxílios à pesquisa destinados ao estudo do Aedes aegypti e das doenças transmitidas por ele, como a dengue, o vírus Chikungunya e o zika vírus. 76 dessas pesquisas ainda estão em andamento e em dezembro 12 receberam recursos adicionais para redirecionar parte de suas atividades ao estudo específico do zika vírus. Além disso, entre 2008 e 2011 a Fapesp aportou com R$ 1.926.150,00 para o projeto do Instituto Butantan que tem como meta o desenvolvimento de uma vacina tetravalente contra a dengue.

Do orçamento total destinado às pesqusas pela Fapesp em 2015, que foi de R$ 1.188.693.702, o maior percentual foi destinado às pesquisas na área da saúde, totalizando 27,93%, ou, em valores absolutos, R$ 332.002.767. Já na somatória de todas as Ciências Humanas e Sociais, foi alocado 10,31% do orçamento, ou R$ 123.176.082. Logo, podemos perceber que não se trata de que a “sociologia”, que representa apenas um setor dentro do campo das Ciências Humanas e Sociais, onde estão abarcadas diversas áreas, esteja consumindo uma verba desproporcional.

O que se trata é da ideologia tecnicista, pragmática e voltada ao mercado que Alckmin e a burguesia vêm crescentemente procurando implementar na lógica da pesquisa desenvolvida nas universidades. O discurso de Alckmin entre seus secretários é muito semelhante ao que baliza as declarações públicas dos gestores e governantes, ainda que nem sempre seja tão franco e direto, e está a serviço de precarizar o ensino e privatizá-lo. Vejamos mais sobre isso.

As verbas da Fapesp e o setor privado

Vendo alguns outros dados disponíveis na página da Fapesp, podemos chegar a conclusões um pouco distintas daquelas de Alckmin. No mesmo ano referido pela Folha, 2015, foram destinados, para pesquisas em políticas públicas no SUS, R$ 6.584.903,14, ou 0,55% do orçamento; para a pesquisa em políticas públicas em geral foram destinados R$ 6.639.703,78, ou 0,55%.

Para o programa de Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), foram desembolsados R$ 10.499.591,98, ou 0,88% dos recursos. Esse programa estabelece uma parceria entre os pesquisadores das universidades (públicas ou privadas) e as empresas privadas (sendo que estas não precisam nem ao menos ser brasileiras ou estar sediadas no Brasil), sendo que a Fapesp irá financiar uma parte da pesquisa e a empresa outra. O financiamento da Fapesp varia entre 20% (para projetos “que tenham por objetivo desenvolver inovação em projeto cuja fase exploratória já esteja praticamente completada”, ou seja, desenvolver uma tecnologia para a empresa com um destino já certo), a até 70% (para projetos “que tenham por objetivo desenvolver pesquisa para inovação tecnológica associada a altos riscos tecnológicos e baixos riscos de comercialização, mas com alto poder “fertilizante ou germinativo”, ou seja, que podem levar a novas pesquisas e tecnologias).

Para o programa de Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (PIPE), foram destinados 29.936.641,82, ou seja, 2,52% do orçamento. Esse programa estabelece uma parceria entre os pesquisadores das universidades e as micro, pequenas e médias empresas do estado de São Paulo. Segundo a Fapesp, seus objetivos são:

“1. Apoiar a pesquisa em ciência e tecnologia como instrumento para promover a inovação tecnológica, promover o desenvolvimento empresarial e aumentar a competitividade das pequenas empresas.

2. Incrementar a contribuição da pesquisa para o desenvolvimento econômico e social.

3. Induzir o aumento do investimento privado em pesquisa tecnológica.

4. Possibilitar que as empresas se associem a pesquisadores do ambiente acadêmico em projetos de pesquisa visando à inovação tecnológica.

5. Contribuir para a formação e o desenvolvimento de núcleos de desenvolvimento tecnológico nas empresas e para o emprego de pesquisadores no mercado de trabalho empresarial.”.

Essa modalidade de financiamento é dividida em três fases, sendo a primeira a “Análise de Viabilidade Técnico-Científica”, cujo financiamento pode chegar a R$ 200.000, e a segunda é a de desenvolvimento da pesquisa, com um financiamento que pode chegar a um milhão de reais. A terceira fase da pesquisa “espera-se que a pequena empresa realize o desenvolvimento comercial e industrial dos produtos ou processos”. Os recursos para o desenvolvimento da fase 3 “devem ser obtidos pela empresa junto ao mercado ou outras agências de financiamento a empresas”.

Assim, podemos verificar que, enquanto a Fapesp destina 0,55% do seu orçamento a financiar pesquisas em políticas públicas para o SUS, sistema público de saúde do qual depende toda a população pobre e trabalhadora, para parcerias com o setor privado e pesquisas que servirão diretamente para o incremento de lucros das empresas e cujo direcionamento é pensado apenas e exclusivamente de acordo com as necessidades dos patrões, a Fapesp destina diretamente 3,44% de seu orçamento, ou seja, mais de seis vezes o que vai para às pesquisas destinadas à políticas de saúde pública. Se somarmos às pesquisas destinadas ao SUS as demais pesquisas em políticas públicas, chegamos a 1,1% do orçamento, ainda cerca de 3,5 vezes menos do que as pesquisas diretamente ligadas à iniciativa privada (sendo que dentro do campo de “políticas públicas” certamente estão inclusas muitas pesquisas que vão diretamente contra os interesses da população, como aquelas relacionadas à segurança pública – leia-se repressão policial – em detrimento de políticas públicas que atendam às necessidades elementares da população, como moradia, saneamento, educação etc).

A pesquisa aplicada e a pesquisa básica

Outra dicotomia que os gestores e governantes capitalistas, tais como Alckmin, insistem em colocar no financiamento das pesquisas é a de pesquisas aplicadas e pesquisas básicas. Porque, na lógica do capital, só interessa aquilo que pode virar mercadoria, patente, gerar lucro imediato e interessar à iniciativa privada. A pesquisa perde totalmente seu caráter crítico e livre, e torna-se absolutamente utilitária, dependente de quanto dinheiro vai render.

A Fapesp entra de cabeça nessa lógica a partir de 1995, com a criação do PITE, o primeiro programa voltado totalmente para a “inovação tecnológica”, como eles denominam a pesquisa diretamente aplicada à criação de produtos capazes de interessar ao mercado. Em 1997 criam o PIPE, e em 1999, enfim, surgem algumas linhas de apoio à pesquisa tecnológica que não estão diretamente vinculadas à empresas (mas nem por isso deixam de ser direcionadas, muitas vezes, pelo mercado e a iniciativa privada, que possuem outras mil maneiras de enfiar seus podres tentáculos nas pesquisas universitárias para tentar transformá-las em lucro). Nesse setor de pesquisas de inovação tecnológica não atreladas ao setor privado estão, por exemplo, o programa BIOTA, que pesquisa biotecnologia, biodiversidade e seu uso sustentável. Essa linha de pesquisa recebe apenas 0,88% do orçamento da agência.

Segundo o site da Fapesp, hoje 13% de seu financiamento é destinado diretamente à “inovação tecnológica”. O discurso de Alckmin, que vê como “inútil” qualquer pesquisa que não gere tecnologia (leia-se, na cabeça pragmática de um gestor burguês, mercadoria e lucro), é aquele que vê como inúteis todas as pesquisas em arte, literatura, filosofia, ciência básica, matemática, enfim, qualquer área do conhecimento que “não sirva” aos interesses desses governos.

A privatização dos resultados das pesquisas

Além de todo o incentivo para que as pesquisas se voltem às necessidades das empresas, a Fapesp possui uma grande preocupação para que os resultados das pesquisas não sejam de propriedade pública, que sejam privatizados e, assim, possam ser mais facilmente comprados e monopolizados por empresas que possam gerar milhões ou bilhões de reais em lucros e, por isso mesmo, se interessem em “desinteressadamente” financiar as pesquisas.

É por isso que em 2015 a agência destinou R$ 261.253,43 do dinheiro que deveria ir para o financiamento das pesquisas, para o programa denominado Apoio à Propriedade Intelectual PAPI-NUPILITEC. No discurso hipócrita de alguns, o apoio à propriedade intelectual deveria servir ao pesquisador preservar seu interesse, já que dedicou anos de sua vida àquela pesquisa e tem direito de usufruir de seus resultados. Na prática, o interesse de preservar a patente é o interesse empresarial. Apesar de todo o dinheiro que financia a Fapesp ser público, extraído do suor da classe trabalhadora, o resultado das pesquisas financiadas com esse dinheiro é transformado em uma patente privada. Por isso, mesmo as pesquisas não diretamente relacionadas às empresas, podem ser privatizadas por essas, que ao final pode adquirir as patentes, monopolizando o direito àquele conhecimento que deveria beneficiar a sociedade. A própria Fapesp admite o interesse empresarial da propriedade intelectual ao colocar como um dos objetivos desse programa o de “Apoiar a criação de base forte e estratégica de parcerias universidade/empresas/FAPESP para o desenvolvimento de projetos de pesquisa (Ex. PIPE/PITE)”.

O discurso de Alckmin é um sinal de novos ataques ao caráter público da universidade

A visão de Alckmin, que quer cada vez mais pesquisas ligadas ao setor privado e ao desenvolvimento de mercadorias para este, não é novidade. Mas o momento de crise econômica que o país passa coloca na agenda da burguesia a necessidade de redobrar os ataques sobre a universidade. E isso já vem sendo feito.

Cortes colossais nas verbas das agências de fomento foram feitos por todos os governos, desde o governo Dilma da “pátria educadora”, que protagonizou ataques imensos à educação de conjunto, até os governs estaduais de cada partido burguês. Além disso, nas universidades o programa de precarização e privatização avança a passos largos. Na USP, a “queridinha” da burguesia em termos de universidade, e que serve de modelo nacional, isso já vem ocorrendo. Algumas das medidas que já foram implementadas ou estão em via de ser são: diminuição dos prazos de pesquisa; fusão dos programas de pós-graduação; corte de bolsas; desvinculação de ensino e pesquisa no regime de contratação docente; reestruturação dos estatutos da pós-graduação; descredenciamento de docentes que não atinjam as metas de produtividade acadêmica estabelecida pelos padrões de “internacionalização”. Por tudo isso, é preciso colocar de pé um grande movimento nacional em defesa da educação pública que possa enfrentar os ataques dos governos, que só tendem a se intensificar se assume o governo Temer, representante ainda mais duro desses interesses.

 
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