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OPINIÃO
O que os negros têm a ver com o impeachment?
Daniel Alfonso
São Paulo
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

Este domingo será um dos dias mais significativos do regime político brasileiro consolidado durante a transição pactuada com a ditadura militar. A Câmara votará se aceita ou não pedido de impeachment. Em um processo que não esconde a ninguém seu conteúdo ideológico e político, uma casta de políticos corruptos decidirá o futuro da presidente. Querem nos fazer acreditar que a situação só pode ser entendida entre aqueles “anti” e “pró” governo do PT. O Esquerda Diário tem dedicado seu espaço a denunciar esta operação e a defender a necessidade de uma saída independente da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido. Entre os setores da esquerda que não enxergam a possibilidade de ser contrário ao impeachment e ao governo do PT ao mesmo tempo, cabe uma pergunta: o que sua posição diz em relação ao drama da população negra?

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A crise política e econômica se faz sentir com toda a força entre a população negra. Os cortes em educação, saúde, nos salários, o aumento do custo de vida, o desemprego, são sentidos de maneira mais intensa entre a população negra. Afinal, o capitalismo é um sistema social racista por natureza. Entretanto, o racismo também se manifesta concretamente. A violência contra a população negra e pobre é, junto com a diferenciação salarial entre brancos e negros, podem ser considerados dois dos pilares do racismo no capitalismo.

A classe média acomodada que dá suporte político e ideológico ao processo de impeachment entende que “cada povo tem o governo que merece”; se o PT está no poder por responsabilidade dos mais pobres, a culpa da situação econômica e política é...dos mais pobres. E que são os mais pobres no Brasil? Os negros. O impeachment, tendo como carro-chefe a Operação Lava-Jato e seus inúmeros abusos constitucionais tem sido a maneira (aguda) pela qual a burguesia brasileira – essencialmente os setores não beneficiados com os anos de lulismo – tem se localizado em uma conjuntura política de ataques no conjunto da América Latina.

A polícia brasileira é uma das mais assassinas do mundo e cerca de 40% dos presos no Brasil sequer foram julgados. Os métodos da Operação Lava-Jato são, essencialmente, os mesmos que garantem a “paz da bala” nas cidades e defendem os grandes proprietários rurais; a diferença é de grau. Para os defensores de “Eleições gerais”, não há diferença entre a queda de Dilma por um golpe institucional ou pela ação independente das massas. Em um país tão antidemocrático e conservador como o Brasil uma posição dessas desarma completamente a classe trabalhadora e o povo pobre e acaba sendo funcional à direita. Seria tragicômico se a única consequência fosse a utilização pela FIESP do material de agitação do PSTU.

O problema, no que diz respeito à situação das negras e dos negros neste país, é que a esquerda que deveria ser defensora inconteste dos oprimidos, apesar de sua vontade, acaba fortalecendo setores da sociedade brasileira que querem o negro em “seu lugar”.

A esquerda e a Questão Negra frente à crise política

A esquerda das “Eleições Gerais” (e do pró-impeachment envergonhado) tem se esquecido que a forma pela qual se busca um objetivo (queda de Dilma) afeta de múltiplas maneiras o objetivo em si. A queda de Dilma pelo impeachment não significa, somente, a queda da Dilma. Significa o fortalecimento de uma direita racista, machista que não poupará esforços em atacar ainda mais os trabalhadores.

Tampouco a derrota do impeachment, pelas artimanhas do governo significa, somente, a permanência de Dilma. O governo federal petista tem leiloado cargos e usado todo tipo de meandros da política tradicional burguesa para se manter no poder. Ao mesmo tempo em que se aliava à direita, tratava de ser, demagogicamente, o porta-voz dos setores oprimidos – que constituem parte fundamental de sua base. Para isso o PT buscou, em seu momento, implementar medidas como o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei de Cotas, entre outras, buscando representar demandas históricas dos negros. Através dessa combinação, serviu como uma ferramenta de contenção dos setores sociais que depositavam (e aqueles que ainda depositam) no PT essa expectativa. Apesar dessas medidas, se o PT governou para a burguesia por mais de 13 anos, hoje não hesita em rifar abertamente os direitos da classe trabalhadora para se manter no poder.

Em tempo de leituras “8 ou 80”, melhor nos precavermos. Quando dizemos que a esquerda que clama por “Eleições Gerais” fortalece a posição da direita racista ao não questionar (e até embelezando) os métodos da justiça burguesa, significa que o peso sindical e político dessas organizações não está sendo mobilizado para barrar o avanço da direita. E qual o alvo primeiro e preferido da direita? Os negros, as mulheres em primeiro lugar. Quando o impeachment ganha força, não se fortalecem somente as forças que marcham contra Dilma e o PT; pois essas forças que hoje se colocam pelo impeachment são forças que buscam atacar frontal e diretamente os trabalhadores e suas conquistas. É a direita de Cunha, que afirmou esta semana a quem quisesse ouvir que só pautará terceirização a partir da semana que vem; dos paladinos da redução da maioridade penal capitaneados por Marcos Feliciano e Bolsonaro; que tem em suas fileiras sujeitos da estirpe de Fleury, que comandou o massacre do Carandiru em 1992; é a direita de Paulo Telhada, ex-comandante da Rota; é a direita anti-cotas nas universidades. E, claro, a FIESP, que defende com força a PL 4330 por supostamente “criar empregos”.

Em outras palavras, a posição do PSTU e MES não tem passado à prova da mais profunda crise política desde o fim da ditadura, o que se revela nas consequências desastrosas de sua política para os setores negros da população. É nas consequências relacionadas à questão negra que se escancaram os limites e erros da política do MES e PSTU, justamente porque aí que se encontram os “nós centrais” da possibilidade de desenvolvimento de uma política revolucionária.

Ser contra o avanço dessa direita significa ser a favor do PT? Como defender um governo que até hoje manda tropas para o Haiti, que durante seus anos à frente do país não mexeu uma palha para combater as chacinas policiais? Um governo que sustentou seu crescimento em base ao aumento descomunal de trabalho precário – majoritariamente negro e de mulheres –, tentando vender a imagem de uma nova “classe média”?

É urgente e necessário lutar por uma saída operária independente, na qual os negros sejam protagonistas, com métodos de independência de classe. Os sindicatos da esquerda devem ser exemplo e adotar um plano de lutas para barrar o impeachment, o avanço da direita racista e os ataques do PT. Um plano de lutas consequente dará voz às reivindicações da população negra e mostrará como uma posição de independência de classe é o único caminho para lutar contra a opressão racial. Além do benefício de evitar que a FIESP se embandeire dessa política, esse meio de combater os efeitos da crise econômica e responder à crise política traz em seu germe uma resposta de fundo aos problemas enfrentados pela população negra.

A capacidade do marxismo de se fundir com setores de massas, no Brasil, está indissociavelmente relacionada à maneira pela qual as organizações e partidos políticos marxistas encaram as várias dimensões da questão negra. Para aqueles que querem tomar o céu por assalto, é necessário apostar tudo nessa relação.

 
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