www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
Ideias de Esquerda
Um grande militante morreu… Gramsci
Redação

Após onze anos de prisão, Antonio Gramsci morreu de apoplexia em Roma, em uma clínica para a qual a brutal repressão fascista havia sido obrigado a transferi-lo há dois anos, para evitar que o homem mais amado do proletariado da Itália acabasse morrendo no fundo de sua cela.

Ver online

Antonio Gramsci chegou ao socialismo nos anos imediatamente anteriores à guerra de 1914, quando, como um jovem estudante, filho de camponeses pobres de sua Sardenha natal, foi a Turim a fim de continuar seus estudos. Foi na capital do Piemonte, em contato com o proletariado industrial mais concentrado e mais experiente na Itália, que ele deu seus primeiros passos no caminho da revolução. Embora de aspecto externo extremamente descuidado e fisicamente penoso, provocava rapidamente uma grande impressão naqueles que tinham a oportunidade de falar com ele [1]. Mussolini, que em 1914, antes de renegar o socialismo, havia sido convidado a Turim pelo grupo de estudantes socialistas, lembrava-se de Gramsci oito anos depois, quando escreveu que a cabeça do Partido Comunista era um corcunda extraordinariamente inteligente e astuto…

A turbulência de 1914 e a entrada na guerra da Itália, em 1915, encontrou Gramsci, ainda ignorado, ainda obscuro, em seu posto de combate. Ele não se dobrou. Os rumores segundo os quais ele teria hesitado, ou mesmo manifestado simpatia ao movimento intervencionista, são apenas insinuações habilmente espalhadas por certos “discípulos” tardios a fim de justificar sua deserção e covardia [2]. Em 1917, no ano mais difícil da guerra, quando a reação atingia sem piedade os revolucionários, enquanto Ercoli (o atual secretário do Comintern [3]), renunciou ao partido em nome da “Magna Anglia”, Gramsci continuou seu trabalho modesto, garantiu o serviço de correspondência para o órgão central do Partido, o “Avanti!” [Avante!], e fez a ligação com os companheiros que permaneceram em Turim, ou que retornavam da zona de guerra [4]. O próprio Gramsci me disse, em 1922, que ele nunca havia sido intervencionista.

Mas foi só em 1919 que Gramsci revelou completamente todas as suas qualidades de polemista, de cérebro e coração da classe operária e, especialmente, do proletariado industrial do Piemonte.

Em 1919, o proletariado italiano estava em completa efervescência revolucionária. Os recuos sucessivos da burguesia aproximaram extraordinariamente, aos olhos da classe operária e das massas trabalhadoras, a possibilidade da vitória final, o triunfo da revolução. As notícias da Rússia sobre as vitórias e a consolidação do poder soviético encheram as massas de entusiasmo. O emblema da foice e do martelo cobria as paredes das cidades e aldeias de toda a Itália. Os nomes de Lênin e Trotsky eram saudados como incitamento à luta por milhões de trabalhadores, soldados, pequenos camponeses. O Partido Socialista, que crescia dia-a-dia, comprovava-se absolutamente impotente para coordenar o movimento das massas, para organizar a revolução. Mesmo os elementos revolucionários mais conscientes e determinados avançavam com passo irresoluto e incerto.

Dois nomes surgiram: Bordiga e Gramsci.

Bordiga, já conhecido pelos jovem antes da guerra, estava mais familiarizado do que que Gramsci com os homens do Partido Socialista e com o próprio partido, fundou o semanário “Il Soviet” [O Soviet] com sede em Nápoles e organizou por toda a Itália sua fração, a qual foi mais tarde chamada de “fração abstencionista”, porque defendia a abstenção nas eleições parlamentares. A luta de Bordiga era a luta pela cisão com os reformistas e centristas; a luta pela construção de um Partido da revolução. Há mais de um ano combatia sozinho com esse objetivo. Gramsci ainda não via essa necessidade. Da experiência da Revolução de Outubro e das revoluções em outros países, reteve, especialmente, o fenômeno do crescimento e desenvolvimento dos “Conselhos de Fábrica”. Ele via nesses conselhos a forma revelada pela história do autogoverno das massas trabalhadoras, as células vivas da Nova Ordem.

“L’Ordine Nuovo” [A Nova Ordem] era o título do semanário que fundou em Turim e do qual assumiu a liderança. Toda a verdadeira personalidade de Gramsci, sua originalidade, sua grandeza podem ser encontradas neste jornal. Por dois anos, em artigos escritos de forma muito pessoal, mas que refletem todo o tormento e todo o esforço criativo da vanguarda revolucionária do proletariado, em Turim, Gramsci consumiu os tesouros da sua inteligência, sua cultura e sua paixão revolucionária para impulsionar os conselhos de fábrica, para demonstrar o valor destrutivo da ordem capitalista e a necessidade daqueles conselhos como as células constitutivas da “Nova Ordem”, a ordem socialista e comunista. Os operários das grandes fábricas de Turim, os membros das “Comissões Internas”, se agitavam em torno dele. Os burocratas sindicais o acusaram de minar a autoridade e as funções dos sindicatos, mas ele respondeu conquistando para sua linha a maioria sindical e, assim, transformando os poderosos sindicatos em potentes apoiadores dos conselhos de fábrica, em vez de serem seus adversários.

A derrota do proletariado italiano, em setembro 1920, após o abandono das fábricas ocupadas, assinala o fim do e movimento de conselhos de fábrica, ao qual Gramsci deu o melhor de sua vida [5]. “L’Ordine Nuovo” deixou de ser um semanário e passou a sair diariamente, mas era então é uma coisa diferente daquela que ele havia fundado.

Os filisteus e burocratas, aqueles que agora procuram explorar Gramsci em benefício da traição e da enganação staliniana, já nos apresentam um falso Gramsci, irreconhecível aos olhos daqueles que o conheciam e para si mesmo se ainda estivesse vivo.

Acreditamos que podemos dizer, pelo contrário, que Gramsci, apesar de suas qualidades notáveis, também havia se equivocado e em questões importantes. E podemos acrescentar que ele tinha plena consciência e não tinha medo de dizê-lo. A prova é que durante anos se recusou a recolher seus escritos em um volume. Finalmente, ele decidiu fazê-lo, mas começou a escrever um prefácio (ele já tinha escrito cerca de 100 folhinhas com sua pequeníssima mas clara caligrafia) na qual criticava a si próprio com aquela honestidade intelectual que o caracterizava [6].

Este projeto foi interrompido por sua prisão no momento da leis de emergência e agora com a sua morte [7].

Nós não sabemos como foi a evolução de Gramsci, durante os onze anos de prisão, mas podemos dizer o seguinte: todas as atividades de Gramsci, toda a sua concepção do desenvolvimento do Partido e do movimento operário se opõem totalmente ao stalinismo, às suas vis políticas e suas falsificações descaradas. Um dos últimos atos políticos de Gramsci antes de sua prisão em 1926 foi a aprovação pelo B.P. [Bureau Político] do partido italiano de uma carta ao B.P. do partido russo, pedindo-lhe para conter o confronto com o camarada Trotsky dentro dos limites de uma discussão entre camaradas, e não adotar métodos que distorcessem as questões controversas e impedissem que o Partido e da Internacional decidissem com pleno conhecimento de causa. Esta carta também foi aprovada por Grieco (Garlandi), Camilla Ravera e Mauro Scoccimarro.

Mas ela foi enviada por “um trilho morto”, por meio de Ercoli, que, estando em Moscou, sondou os destinatários e achou por bem mantê-la em seu bolso [8].

Podemos dizer, também, que, pelo menos desde 1931 e até 1935, a ruptura moral e política de Gramsci com o Partido stalinizado estava completa. A prova é dada não só pelo fato de que durante estes anos a imprensa colocou na surdina a campanha para a libertação de Gramsci, mas também pelo fato de que Gramsci foi oficialmente deposto como chefe do Partido e que em seu lugar puseram esse palhaço bom para todos os usos que responde pelo nome Ercoli [9]! Os companheiros que saíram da prisão disseram-nos, há dois anos, que Gramsci havia sido excluído do Partido, exclusão que a direção decidiu ocultar pelo menos enquanto Gramsci não pudesse falar livremente [10].

E isso, a fim de poder explorar a imagem de Gramsci para seus próprios fins. Em qualquer caso, os burocratas stalinistas haviam conseguido enterrar Gramsci politicamente antes do regime de Mussolini fazê-lo fisicamente.

Gramsci morreu, mas para o proletariado, para as gerações mais jovens que vêm para a revolução através do inferno fascista, será sempre aquele que mais do que qualquer outro, ao longo dos últimos vinte anos, encarnou os sofrimentos, as aspirações e a vontade dos trabalhadores e camponeses pobres Itália.

Ele continuará a ser um exemplo de integridade moral e honestidade intelectual absolutamente inconcebível para a congregação dos aproveitadores stalinistas, cujo lema é “vire-se”.

Gramsci morreu, mas depois de testemunhar a decadência e morte do partido que ele tinha potentemente ajudado a criar e tendo sentido em seus ouvidos os tiros da pistola carregada por Stalin que abateram uma geração de velhos bolcheviques.

Gramsci morreu, mas depois de saber que outros velhos bolcheviques como Bukharin, Rikov e Rakovski já estavam prontos para serem abatidos [11].

Gramsci morreu de um golpe no coração, talvez nunca saberemos quem mais contribuiu para matá-lo: se os onze anos de sofrimento nas prisões de Mussolini ou os tiros de pistola na nuca de Zinoviev, Kamenev, Smirnov, Piatakov e seus pares nas masmorras da GPU que Stalin ordenou [12].

Adeus Gramsci

(Tradução e notas de Alvaro Bianchi a partir do texto Un grand militant est mort… Gramsci. La Lutte Ouvrière, n. 44, 14 Mai 1937.)

Originalmente publicado pela Revista Movimento

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui