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CRISE POLÍTICA NACIONAL
Armando Boito discute a natureza da crise política no IFCH
Vitória Camargo

Na última quarta-feira, Armando Boito, professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, falou sobre “A natureza da crise política brasileira” em Aula Magna para o curso de Ciências Sociais. Queremos, a partir disso, abrir um debate com as ideias expostas.

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“Luta de projetos” ou crise de partido?

O eixo de desenvolvimento da argumentação de Boito afirma que não se trata de uma luta entre personalidades, e muitos menos por combate à corrupção, mas, ao contrário, a crise política encontra-se na disputa entre projetos políticos e econômicos, aos quais estariam ligadas classes e frações de classe distintas. Para ele, trata-se de um conflito distributivo da riqueza, sendo que, de um lado, encontra-se o projeto neodesenvolvimentista do governo do PT, característico por suas concessões populares, e, de outro, o projeto “neoliberal ortodoxo”, implementado nos anos 90 e cujos interesses se ligam à oposição de direita no Brasil.

Assim, esclarece que não é o Estado que está em crise e nem mesmo a democracia burguesa – apesar de, segundo Boito, sua instabilidade diante dos questionamentos à legitimidade das eleições de 2014 e da ameaça de impeachment. O que está de fato em crise é a política neodesenvolvimentista do PT, frente a uma ofensiva restauradora do capital internacional e da fração da burguesia nacional integrada a esse capital.

O problema que coloca em xeque a argumentação de Boito é que, de fundo, relacionar a crise política apenas à conjuntura de ofensiva do capital, devido à qual “o governo Dilma teve de recuar no projeto neodesenvolvimentista”, significa não questionar o projeto em si, mas situar a crise no “recuo” deste.

Não perpassam na análise de Boito as bases nas quais, na conjuntura dos anos 2000, com o ascenso dos governos pós-neoliberais na América Latina, como uma maneira de conter a instabilidade das massas ao final dos governos liberais, e com o boom de exportação de matérias-primas, houve um cenário favorável que permitiu ao PT ceder as concessões populares características de seu neodesenvolvimentismo, bem como favorecer sobretudo a burguesia nacional ligada ao setor primário da economia. Foi também o governo que ocasionou a “célebre” frase de Lula, “nunca antes na história deste país ps bancos lucraram tanto”. Isso ilustra o caráter central do projeto de partido do PT: a conciliação de classe.

É possível conciliar as classes?

O ciclo de reformas parciais da década passada propiciou uma melhora na vida dos trabalhadores, da juventude e do povo pobre, no que diz respeito ao acesso aos bens de consumo, a empregos e ao Ensino Superior. Mais do que nunca, fortaleceu-se o mito da classe média e da possibilidade de conciliar interesses burgueses aos dos trabalhadores. Estes, e seus filhos, olharam para o governo do PT como sua alternativa à miséria e ao desemprego e sua porta de entrada para a universidade. O número de postos de trabalho criados, o FIES, as cotas, o PROUNI, o REUNI alimentaram o sonho da juventude e dos trabalhadores brasileiros. O fato, entretanto, é que esse sonho veio carregado de contradições. A precarização do trabalho é uma face intrínseca ao neodesenvolvimentismo, isto é, o PT criou postos de trabalho, mas triplicou a terceirização. A entrada da juventude na universidade veio acompanhada de contrapartida, seja em favor dos lucros dos grandes monopólios de educação, via FIES e seu endividamento dos jovens, por exemplo, seja pela ausência de permanência nas universidades. Isso revela que todas as concessões que marcaram o ciclo pós-neoliberal não ameaçaram a aliança do petismo com a acumulação capitalista, por isso foram reformas parciais, que agora, em meio a um aprofundamento da crise econômica internacional, são as primeiras a serem retiradas.

Isso escancara algo que Boito não considera: apesar do avanço atual do capital internacional pelo ajuste frente à crise econômica, os governos do PT nunca deixaram de servir aos interesses desse capital. Logo, Boito contrapõe os projetos da oposição de direita e do PT como se suas bases não servissem, ambas, de maneiras distintas, a interesses burgueses. Nesse sentido, não contestar o projeto de partido do PT, e todos esses aspectos que acompanham a conciliação de classes, significa manter uma ilusão de que há progressismo no petismo e, mais que isso, que esse projeto deve ser defendido, mesmo quando está mais do que escancarado que o PT abriu espaço para a direita reacionária. O giro à direita na superestrutura política atual não só está ligado a essa aliança intrínseca do neodesenvolvimentismo com a burguesia, que atribuiu bases neoliberais mesmo no auge da sua máscara “progressista”, como hoje também é alimentado pelas tarefas que o governo Dilma assume – como entregar o pré-sal ao imperialismo, lançar a “lei anti-terrorismo” e aplicar os ajustes. Os trabalhadores, as mulheres, os jovens, os negros e LGBTs rompem cada vez mais com esse projeto, que não foi uma alternativa contra a precariedade de suas vidas e que, na verdade, serve mais à ordem do que ao seu auto-proclamado “progresso”, e é justamente isso que revela a falência das tentativas de conciliação de classe.

Uma saída institucional ou confiar nas próprias forças?

Ao mesmo tempo, essa contraposição polarizada sugere que não há uma alternativa que possa ser independente desses dois campos, quando ambos se mostram mais do que dispostos a aplicar os ajustes e nos cobrar a conta da crise. Esse é um debate fundamental em um momento histórico em que também a empreitada da Lava-Jato pode suscitar confiança no Judiciário e na Polícia Federal, como se quisessem combater a corrupção e solucionar a crise política.

Os secundaristas do estado de São Paulo mostram o caminho – confiarmos em nossas próprias forças. Enquanto Boito contrapõe os projetos, defendendo, em última instância, um governo que fortaleceu a burguesia que hoje tanto nos ataca, essa juventude, por meio das ocupações de escola, foi um contragolpe na luta pela educação e contra os governos, assim como os jovens da África do Sul, que questionaram o imperialismo, o acesso e o trabalho terceirizado nas universidades, e como são também hoje os franceses na luta junto aos trabalhadores contra os ajustes de Hollande. Combater a precariedade da vida, que também foi alentada no governo do PT, só é possível se confluirmos com essa juventude e com os trabalhadores para construir essa alternativa independente, isenta de qualquer herança de petismo, para que nos mobilizemos nacionalmente contra os ajustes.

 
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