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SÉRIES
(SPOILERS!) Breaking Bad e seus personagens injustificáveis
Gabriela Farrabrás
São Paulo | @gabriela_eagle

Após dois anos de seu fim Breaking Bad ainda é mencionada como a melhor série dos últimos tempos, e é citada pela crítica como uma das maiores séries norte americanas chegando a entrar para o Livro Guinness dos Recordes em 2014 como o seriado mais bem avaliado pela crítica de todos os tempos.

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Ganhadora de vários prêmios durante sua exibição, foi uma das maiores audiências no Estados Unidos com seu episódio final. Muito bem construída desde a narrativa até figuras de linguagem usadas durante a série, passando por cada personagem, com sua personalidade, a série de Vince Gilligan ainda vive e alimenta discussões entre os fãs.

Com cinco temporadas, a série que se passa em Albuquerque, Novo México - o que dá maior autenticidade à série, visto que esse é um lugar onde o tráfico impera, e que rende imagens espetaculares em uma fotografia muito bela e bem feita - conta a história de Walter White (Bryan Cranston), um professor de química do ensino secundário, e que trabalha em um lava rápido para completar a renda, pai de um adolescente com paralisia cerebral, Junior (RJ Mite) e casado com Skyler (Anna Gun), uma mulher grávida aos 40 anos, e cunhado de um policial da polícia anti-drogas, Hank Schrader (Dean Norris). Após descobrir um câncer de pulmão, Walter decide começar a fabricar metanfetamina junto com seu ex-aluno, Jesse Pinkman (Aron Paul), para, segundo ele, deixar um dinheiro necessário à sua família se sustentar após sua morte devido ao câncer.

O nome da série, segundo Bryan Cranston, é uma gíria do Sul dos Estados Unidos que significa que alguém foi por um caminho errado na vida; é exatamente o que Walter White fez e o que vai gerar toda narrativa dessa série.

Na primeira temporada, que estreou em 2008, conhecemos Walter White descobrindo o câncer de pulmão em estado avançado. Acompanhando seu cunhado, Hank, em seu trabalho, ele descobre como se fabrica a metanfetamina em laboratórios improvisados e o lucro que a venda dessa droga gera, e encontra seu ex-aluno Jesse Pinkman, que agora é traficante de metanfetamina. A partir da descoberta do câncer ele se junta a Jesse e começa a fabricar metanfetamina e encontra diversos problemas para entrar no mundo do tráfico já dominado. As ações que a dupla terá que tomar para resolver as diversas burrices que eles cometem é o que mantém o espectador preso nessa primeira temporada, que ao fim revelará um Walter White menos submisso em relação ao que era no início da série, através da criação de sua nova persona, Heisenberg – essa mudança aparecerá até na cor das roupas desse personagem, que vão escurecendo ao decorrer da série.

A trama é muito bem amarrada – chegando ao ponto de encontrarmos pistas do fim da quinta temporada já na segunda -, mas o que mais surpreende é a construção muito bem feita dos personagens; em meio a séries com ótimos enredos, mas personagens vazias, sem personalidade e história própria, essa característica nos surpreende. Essa característica passa a se acentuar mais a partir da segunda temporada, com o surgimento de personagens como Saul Goodman (Bob Odenkirk), um advogado especializado em livrar bandidos e que passa a ser o advogado da dupla para questões mais administrativas. Hoje esse personagem tem sua própria série chamada "Better Call Saul" (melhor chamar Saul) – o seu lema. É também nessa temporada que surge um dos personagens mais importantes e que conseguirá fazer frente ao que Walt vai se tornando durante a série; Gus Fring (Giancarlo Esposito), líder de uma rede de tráfico milionária que usa a lanchonete Los Pollos Hermanos para gerir os seus negócios ilegais.

Gus Fring é um personagem brilhante que tem seu passado contado no decorrer da série. Jovem, começou seu negócio no tráfico no México, junto com seu companheiro que produzia a metanfetamina. Tem seu companheiro morto por um dos líderes do tráfico, Hector Salamanca (Mark Margolis) e vai para o Novo México, onde recomeça o seu negócio, que se torna milionário, até se encontrar com Walt, com quem pretende fazer uma parceria; mas que será também seu principal inimigo. Hector Salamanca é outro personagem brilhante. O conhecemos em uma cadeira de rodas se comunicando através de uma campainha. Ex-membro do alto escalão do tráfico no México, ainda se mantém como um dos líderes do tráfico em Albuquerque até a morte de seu sobrinho que mantinha os seus negócios; possui a fidelidade de não denunciar Jesse por se negar a cooperar com a DEA (departamento anti-drogas do Estados Unidos) e ao ponto de se unir com os causadores da morte de seu sobrinho, Walt e Jesse, contra Gus, um inimigo maior e mais antigo, se sacrificando no assassinato desse – a morte mais cinematográfica da série.

Ao longo da série, Walt perde aquilo que era sua justificativa para seguir no caminho do tráfico; juntar dinheiro para o sustento da sua família após sua morte devido ao câncer. Tudo passa a ser uma questão de orgulho. Walt teve em seu passado a oportunidade de se tornar um grande químico, dono de uma empresa milionária junto com seu amigo, Elliot Schwartz (Adam Godley), e a esposa desse e aparentemente ex-namorada de Walt, Gretchen (Jessica Hetch), mas acusa sua esposa Skyler de ter largado tudo isso pela sua família. Agora, no presente, se tornar o melhor “cozinheiro” de metanfetamina e mais milionário que Elliot se tornam seus objetivos. Não é uma mera coincidência Walt ter um câncer, ele é a personificação do que é um câncer; uma célula doente que vai contaminando tudo a sua volta, esse é Walt. Ele tem que dominar tudo e nesse caminho vai causando mal a tudo o que lhe cerca.

Walt e Jesse criam uma relação de afetividade profunda em que Walt se vê como pai de Jesse – essa relação e afetividade serão usadas até na construção de diversas cenas. Jesse é um dos poucos personagens no qual conseguimos encontrar justificativa para seus erros, e sua principal justificativa está na figura das crianças. São sempre mortes de crianças que levam Jesse a cometer os maiores erros, e é também isso que leva ele a ser sempre tratado como uma criança problemática quer seja por Walt, Hank, Gus, ou Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks) – funcionário fiel de Gus e que também cria uma relação de afeto por Jesse; mais um personagem brilhante. Esse afeto que Jesse é capaz de gerar em personagens cruéis até certo ponto também conduz sua história; desprezado pelos pais pequeno burgueses porque não foi o filho perfeito que eles esperavam, instável e usuário de drogas. No início da terceira temporada o encontramos em depressão pela morte da namorada Jane (Krysten Ritter), acontecimento que também mostra pela primeira vez a crueldade de Walt. Jane, após descobrir os negócios de Jesse e Walt passa a chantagear Walt e coloca um contra o outro. Em uma noite em que Walt invade a casa de Jesse para pegar a metanfetamina que estava guardada lá, encontra Jane drogada e se afogando no próprio vômito, quando poderia ter virado ela e salvo sua vida, ele a deixa morrer se livrando do problema de ter uma chantagista.

Na quinta temporada Walt passa a trabalhar no laboratório construído por Gus com um ajudante, Gale (David Costabile), que na verdade é colocado no laboratório para aprender tudo com Walt e poder passar a ser o cozinheiro principal para que Gus possa futuramente se livrar de Walt. Mais uma vez a solução que Walt encontra é simples e fria: matar Gale e se livrar daquele que poderia o substituir, mas nesse caso ele terceiriza a ação e faz com que Jesse tenha que o matar. Esse ato acentua a rivalidade entre Gus e Walt, e a distância entre ele e Jess, e torna mais densa toda a trama.

Após descobrir que Walt está envolvido com o tráfico de drogas, Skyler primeiro pede o divórcio depois se torna sócia dele e cria um esquema para lavar o dinheiro que o marido consegue. Skyler não é em nenhum momento submissa, comete alguns erros como o envolvimento com seu chefe e a tentativa de livrar ele de ser incriminado por sonegação em sua empresa, mas nunca aceita calada o mal que Walt causa a sua família e tenta a todo custo, fingindo até depressão, resguardar sua família. Chega ao fim da série sendo uma personagem odiada por grande parte do público por ser persuasiva e impositiva. Anna Gunn chegou a receber ameaças de morte por parte de alguns fãs mais malucos, e em carta que escreveu em resposta a essas ameaças ela apontou o quanto de machismo existia em não se aceitar uma personagem feminina, que não aceitava e apoiava o marido em todas as suas escolhas, e que tenta em certa medida ter também protagonismo com o que era feito envolvendo sua família. "Eu percebi que a maioria do ódio das pessoas em relação a Skyler tinha muito pouco a ver comigo e muito com a percepção do que deveria ser o papel das mulheres e esposas. Isto porque Skyler não se adapta ao ideal arquetípico feminino. Ela se tornou um teste para a sociedade, uma medida de nossas atitudes sobre questões de gênero." Nesse sentido, Skyler é o fiel da balança de sua irmã, Marie (Betsy Brandt), que apoia seu marido, Hank, e se mantém ao lado dele apesar de tudo.

O problema para se manter no negócio que é o tráfico é tão grande quanto os problemas pra lidar com as diversas relações humanas nessa situação limite. Isso fica mais evidente ainda na quarta temporada, onde o pouco de afeto que ainda existia entre os personagens e as justificativas que os levavam a fazer o que eles sabiam que era errado vão se definhando até acabar, e isso segue degringolando até o fim da série. Os personagens se desumanizam e nos três últimos episódios – que segundo especulações serviriam cada um como um fim paralelo – é a ultima oportunidade de se salvarem após as inúmeras traições e mortes causadas e cabe a cada espectador decidir se Skyler ter feito tudo o que fez para salvar sua família, se Walt ter se sacrificado para salvar Jesse, e esse ter conseguido sua emancipação de Walt, após ter perdido a única pessoa que ainda amava os redime.

 
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