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Coluna
A Petrobras no olho do furacão
Pedro Oliveira

O novo reajuste nos preços do diesel e da gasolina, anunciados pela Petrobras na sexta-feira, dia 17, aprofundaram a crise política em torno da estatal e levaram à renúncia de José Mauro Coelho, que já havia sido demitido por Bolsonaro, mas ainda era presidente enquanto o processo de aprovação do novo presidente corria. O novo presidente será Caio Paes de Andrade, ex-secretário de Guedes.

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Esta troca se insere em uma situação difícil para Bolsonaro, que se encontra entre a cruz e a espada: precisa sinalizar para a burguesia que irá defender seus lucros, mas precisa também acenar para a população que sofre com os altos preços, pois sabe que é um fator importante em sua impopularidade, seja na população em geral, seja entre os caminhoneiros, uma de suas importantes bases.

Também no Congresso Nacional existe um jogo duplo: onde o presidente da Câmara, Arthur Lira, assume o lado de Bolsonaro contra os aumentos, enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, assume uma linha mais institucional, contra intervenções na companhia, mas defendendo medidas, como o vale-diesel, que poderiam amenizar o impacto para a população.

Em meio a seus inflamados discursos contra os lucros da Petrobras, e em meio aos projetos aventados para buscar diminuir o preço dos combustíveis, existe uma linha que Bolsonaro parece não ousar cruzar: a de tocar no Preço de Paridade de Importação (PPI), a política de preços adotada em 2016, no governo do golpista Michel Temer, e que foi um dos fatores que levou a Petrobras aos seus maiores lucros da história, após ter a imagem manchada pela Operação Lava-Jato.

O PPI define que os preços cobrados internamente pela Petrobras devem ser baseados nos preços internacionais e nos custos de importação, como transporte, e em dólares. Dessa maneira, variações cambiais ou variações nos preços internacionais do petróleo influenciam diretamente o preço interno, mesmo que se trate de petróleo produzido no Brasil, em reais. Mas apesar de a maior parte dos custos da empresa ocorrerem em real ela lucra em dólar em cada transação com ela mesma: um petróleo produzido no pré-sal a um custo médio de R$22 por barril é “vendido” a uma refinaria da própria Petrobras a preço internacional, levando a um lucro imenso e compondo os “custos” do refino que repassa ao consumidor através do PPI. Essa política de preços é parte do processo de privatização da companhia, pois garante não só lucros aos acionistas mas também garante aos compradores de refinarias, que vêm sendo vendidas em ritmo recorde, que eles terão lucro compatível com o mercado internacional. Junto com o PPI, vem a privatização da BR Distribuidora, a venda de refinarias e de fábricas da Petrobras, como a Fafen, no Paraná, e a transformação da Petrobras em uma empresa que meramente extrai o petróleo. E essa privatização é um ponto que Bolsonaro tem buscado aprofundar.

E é o PPI o principal culpado pelos seguidos aumentos de preços da companhia nos últimos anos. Em 2021, o preço da gasolina na bomba aumentou 46,5%, o diesel subiu 46,8% e o gás de cozinha, 35,8%, segundo dados da ANP. No mesmo ano de 2021, a Petrobras teve um lucro líquido de R$ 106,6 bilhões, dos quais R$ 72,7 bilhões foram distribuídos aos acionistas. Fica cristalina a relação entre os lucros dos grandes acionistas e o aumento dos preços para o consumidor interno.

No entanto, o problema para Bolsonaro são as eleições de outubro, onde ele pode perder no primeiro turno, e um dos principais fatores de descontentamento da população é a inflação, tão influenciada pelo preço dos combustíveis. As tentativas de intervenção do presidente na empresa são uma via de buscar se descolar da política de preços da estatal.

Sua outra aposta é culpar os governadores e o ICMS pela alta dos preços. Vai nesse sentido a lei aprovada no Congresso que limita os ICMS sobre diversos produtos, incluindo combustíveis, a 17% ou 18%, a depender do estado. Além das rusgas com governadores, que irão perder arrecadação, é improvável que esta medida tenha grande efeito sobre os preços. Segundo cálculos da Petrobras, o ICMS representa 24,2% do preço da gasolina (R$ 1,75 de um preço médio de R$ 7,22) e 11,7% no diesel (R$ 0,82 de um preço médio de R$ 7,01). Isto não significa, porém, que essas reduções serão repassadas integralmente aos consumidores.

Além disso, existe a possibilidade de outros reajustes até o fim do ano, o que não parece improvável perante o atual cenário internacional. A situação da taxa de juros de estar a frente da curva começa a se reverter com os aumentos agressivos das taxas básicas do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e do Bank of England (BoE), além das instabilidades nos mercados de ações globais, e as recentes quedas da Bovespa, que tendem a diminuir fluxos de dólares para o Brasil, pressionando o câmbio, que vinha mais baixo em 2022, e chegou a um nível de cerca de R$ 4,70 no fim de maio. No entanto, no mês de junho o dólar voltou a subir e está na casa dos R$ 5,20, o que, devido ao PPI, deve pressionar os preços da estatal.

A guerra na Ucrânia, umas das principais culpadas por aumentos no preço internacional do petróleo, também segue sem um fim rápido em vista, e nesta semana a Rússia diminuiu a exportação de gás para a Europa, afetando em especial a Alemanha, que começa a falar da possibilidade de racionamento. Se o preço do petróleo parece ter se estabilizado, ele ainda acumula alta de cerca de 40% no ano, e não podem ser descartados novos choques, com aumentos bruscos.

É em meio a esse cenário de combustíveis mais caros que as pesquisas eleitorais começam a mostrar, com alguma frequência, uma derrota de Bolsonaro no primeiro turno, em outubro. Em resposta a isto é que Bolsonaro começa a tentar medidas desesperadas com o intuito de melhorar sua situação nas pesquisas.

A primeira medida aventada pelo governo foi uma PEC para zerar o ICMS dos combustíveis até o fim do ano, junto a criação de um fundo para compensar os estados pela perda de arrecadação. Diversos governadores protestaram contra a medida, além dos questionamentos em relação ao Teto de Gastos e a chamada responsabilidade fiscal.

Pouco depois o governo recuou desta medida e anunciou um novo pacote, com o reajuste do Auxílio Brasil para R$ 600, a criação de um vale de R$ 1000 para caminhoneiros, e a mudança do pagamento do Vale Gás de bimestral para mensal. As medidas durariam até o fim deste ano. Para driblar a lei eleitoral, seria decretado estado de emergência no país.

Para além da discussão sobre equilíbrio fiscal, que se mantém, setores burgueses têm questionado a legalidade da decretação deste estado de emergência. O jornal O Globo entrevistou diversos advogados que afirmam que esta medida é ilegal e poderia ser questionada judicialmente, e inclusive diz que membros do TSE têm uma leitura similar, ainda que sempre falando anonimamente.

Após uma certa recuperação de Bolsonaro nas pesquisas, com a criação do Auxílio Brasil, a situação é que sua candidatura estagnou e a diferença para Lula tem aumentado. O pacote proposto é claramente um aparelhamento da máquina pública para tentar virar a eleição, e também uma evidente quebra da lei eleitoral.
É imprevisível também se o governo terá apoio suficiente no Congresso para aprovar essa medida, dado que seria mais um furo no teto de gastos, tão caro para a burguesia, e abriria um precedente para novas decretações de estado de emergência sem uma razão clara, o que gera uma insegurança jurídica para a própria burguesia e a necessidade da responsabilidade fiscal para garantir o pagamento da dívida pública.

Nesses marcos, a burguesia se encontra dividida entre Lula e Bolsonaro, e os setores que apostavam na terceira via terão que se decidir em breve. Esse novo pacote, e as tentativas de interferência na Petrobras, contribuem para um possível afastamento de setores burgueses de Bolsonaro, em especial nos mercados financeiros, ainda que este possível afastamento está longe de ser algo dado. O encontro de Bolsonaro com Biden, se serviu para um maior disciplinamento do presidente brasileiro, serviu para mostrar também que o imperialismo não está com Lula e não largou totalmente Bolsonaro, e principalmente que quer manter boas relações com as Forças Armadas brasileiras, que apoiam Bolsonaro.

Em suma, pela sua importância dentro da economia nacional, a Petrobras se tornou o último cabo de guerra de Bolsonaro com setor mais ligados ao capital financeiro internacional. Para evitar um conflito aberto, para além de suas bravatas, Bolsonaro não toca nos lucros dos acionistas e centra suas forças em minorar os impactos dos seguidos reajustes para a população, ainda que isso possa, por si, abrir novos flancos de atritos com o judiciário, mas também com setores burgueses, sendo a grande mídia o principal setor que vocifera contra as medidas desesperadas de Bolsonaro, que tenta correr atrás de Lula nas pesquisas.

É nessa situação das pesquisas que Bolsonaro sobe o tom contra as urnas eletrônicas e mantém suas ameaças golpistas e, segundo O Globo, prepara um novo golpe de força para o dia 7 de setembro, como tentou, de maneira fracassada, em 2021.

Quando foi presidente, Lula não reverteu em nenhum ponto as medidas privatizantes de FHC na companhia, além de que no governo petista de Dilma Roussef foram promovidos leilões dos campos do Pré-Sal, em base a uma dura repressão sobre os movimentos que se opunham, como foi no leilão do Campo de Libra.

Os petroleiros vêm sendo profundamente atacados nos últimos anos, com a demissão de centenas de milhares de trabalhadores, entre efetivos e terceirizados, o que leva a jornadas maiores e mais extenuantes e maior número de acidentes. Uma forte luta dos petroleiros contra a privatização, que piora suas condições de trabalho enquanto aumenta o preço dos combustíveis, tem a capacidade de se unificar com a classe trabalhadora de conjunto, que também sofre com a atual situação da Petrobras, e é a única maneira de reverter a privatização, impondo uma Petrobras 100% estatal, baixando o preços dos combustíveis, bem como enterrar o bolsonarismo enquanto movimento político, que vai seguir mesmo com uma derrota nas urnas, como pode ser visto nos Estados Unidos, onde o trumpismo segue forte nas ruas.

 
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