Em meados do século XIX no ano de 1854 em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano, nasceu Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata. Da Bahia foi para o Rio de Janeiro e nesta cidade entrou para história popular da cultura e da identidade negra: essa é a trajetória da Tia Ciata, mulher negra, baiana, uma das principais responsáveis pelo fortalecimento do samba carioca.
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Além do seu papel na história do samba, Tia Ciata também era mãe de santo no candomblé, religião de matrizes africanas que, principalmente durante o período da escravidão, sofreu duras repressões e perseguições do Estado, da polícia e da corte real. Até os dias atuais as religiões de matrizes africanas sofrem duras represálias que são consequências históricas da relação entre o capitalismo e o racismo que, por inúmeras vias, buscam oprimir o conjunto dos negros e negras.
A Bahia durante os séculos da escravidão era conhecida internacionalmente como “A pequena África no Brasil”. Isto era resultado da densidade demográfica baiana que concentrava batalhões gigantescos de negros e africanos que foram protagonistas de numerosas revoltas e rebeliões contra os donos de engenhos e escravos. É com base nesses processos históricos que o professor João José Reis aprofundou suas pesquisas nas revoltas, rebeliões e greves negras na Bahia principalmente no século XIX e traz como constatação histórica que os negros, negras e os africanos na Bahia tinham tradição rebelde. É exatamente em terras baianas e nesse contexto histórico que o mundo e a história abrem passagem para Tia Ciata.
Aos 22 anos de idade junto com milhares de baianos, Tia Ciata deixou a Bahia para ir morar no Centro do Rio de Janeiro. Assim como no Rio de Janeiro, os negros na Bahia sofreram duras repressões do Estado que, após o fim da escravidão, buscou reprimir e perseguir o conjunto da população negra, particularmente suas manifestações religiosas e culturais. É nesse processo de migração que os baianos, em especial as mulheres baianas, trazem para o Rio de Janeiro influências de ritmos musicais africanos que no decorrer dos anos deram origem ao que hoje entendemos e conhecemos por samba brasileiro.
“Como Marx e Engels observaram há muito tempo, a arte é uma forma de consciência social, uma forma peculiar de consciência social, que tem o potencial de despertar nas pessoas tocadas por ela um impulso para transformar criativamente as condições opressivas que as cercam. A arte pode funcionar como sensibilizadora e catalisadora, impelindo as pessoas a se envolverem em movimentos organizados que buscam provocar mudanças sociais radicais. A arte é especial por sua capacidade de influenciar tanto sentimentos como conhecimento.“ Angela Davis- Mulheres, cultura e política. [p. 166]
Certamente as observações de Angela Davis através das contribuições de Marx e Engels se encaixam perfeitamente no sentido real e profundo da existência do samba. O samba em si representa a voz e os sentimentos dos setores oprimidos de nossa classe, que encontrou nas armas da arte um espaço vivo e necessário para a manifestação da cultura e da identidade negra popular. Do século XIX pra cá, as grandes elites e o governo através do mito da democracia racial tentou desvincular o samba da identidade e da cultura negra. Intencionalmente, buscou colocá-lo como parte da identidade em geral do Brasil. Obviamente o samba é identidade e patrimônio da cultura brasileira, e isso foi e continua sendo uma conquista do povo negro e pobre, contudo, pela ótica e interesses da burguesia dizer que o samba é da identidade brasileira é uma tentativa racista e falaciosa de diminuir a contribuição e o papel dos negros para o surgimento de um dos principais ritmos musicais do mundo.
Todo e qualquer grande compositor sambista reconhece a importância de Tia Ciata e das baianas recém chegadas da Bahia para o fortalecimento do samba carioca. Foi na casa de Tia Ciata, localizada na Cidade Nova no Centro do Rio de Janeiro, que foi criado o primeiro samba que fez mais sucesso “por telefone” em 1917 de autoria de Donga e Mauro de Almeida.
A residência de Tia Ciata foi berço do samba carioca, e abriu espaço para grandes compositores do samba popular como Hilário Jovino, Pixinguinha, Donga e a antiga velha guarda da Portela e do Partido Alto e vários outros sambistas.
Diante de uma realidade racista, machista, patriarcal, e capitalista, Tia Ciata representa o que existe de uma arte criativa, subversiva e revolucionária que inseriu as mulheres negras em um lugar de destaque.
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