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Análise
O respiro da luta de classes em março e seus possíveis desenvolvimentos
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História
Pedro Oliveira

Mesmo em um ano marcado pelas eleições, os processos germinais da luta de classes ganham terreno. A atuação do PT, nos dois "laboratórios" de Minas Gerais e Rio de Janeiro, mostra que a contenção e isolamento de greves são moeda de troca para acordos eleitorais com o PSD. Em um governo Lula essas trocas e acordos com frações da classe dominante se intensificaria ainda mais para a aprovação de mais ajustes e ataques, assim como foi nos governos petistas anteriores.

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Outro setor onde se apresentam greves pela recomposição salarial é no serviço público federal. Após Bolsonaro acenar com uma possibilidade de reajuste, mas reagir afirmando que o reajuste seria apenas para a Polícia Federal, o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), passou a demandar um reajuste de 19,99%.

Os servidores do INSS foram os primeiros a entrar em greve, pelo reajuste e também pela abertura de concurso para o órgão, que não ocorre há 5 anos. Junto a eles, os trabalhadores do Banco Central iniciaram paralisações parciais, e definiram pelo início da greve no dia primeiro de abril, reivindicando 26,3% de reajuste e reestruturação da carreira. Com estes movimentos já foram remarcados atendimentos nas agências do INSS, e estatísticas elaboradas pelo BC, inclusive o Boletim Focus, saíram atrasadas e a Folha de São Paulo diz que o Pix está em risco.

Contudo, dois processos, pela sua força, combatividade e rechaço aberto aos governos, destacam-se como os mais desenvolvidos e dinâmicos: as greves da Educação em toda Minas Gerais e dos trabalhadores da Comlurb, os garis, do Rio de Janeiro. Estados esses onde, embora seja dominante o controle da burocracia sindical e a separação de lutas operárias, um certo caldo de luta de classes indica certas tendências germinais, como a recomposição subjetiva da classe trabalhadora e a aglutinação das diversas mobilizações que ocorrem entre diferentes categorias.

O panorama internacional das últimas semanas

A invasão criminosa de Putin à Ucrânia se localiza no topo de uma sequência de eventos internacionais e nacionais entrecruzados, cujo peso se acumula sobre as costas da classe trabalhadora brasileira: as reformas e privatizações do regime golpista, de Temer à Bolsonaro, um momento de fortes holofotes à política nacional, se conectou à uma pandemia e a crise econômica internacional e, agora, a barbaridade capitalista na Ucrânia.

O aumento criminoso dos preços dos combustíveis aprovado pelo governo Bolsonaro foi reflexo imediato das turbulências internacionais que fizeram o preço do petróleo dispararem. As condições para esse aumento foram a lei aprovada por Temer em outubro de 2016 de paridade de preços internacionais (PPI), as privatizações na Petrobrás e a insuficiência no refino nacional, efeitos de uma rota privatista aberta há décadas, incluído nos governos petistas. O preço das commodities alimentícias, em especial o trigo, também vem sofrendo um forte salto, o que deve pressionar a inflação no Brasil e no resto do mundo.

Com este exemplo, vemos que diferentes etapas da crise capitalista, de aspectos nacionais e internacionais, se combinam. A mesma lógica vale para os fertilizantes, cujas indústrias estatais geridas pela Petrobras foram fechadas e vendidas. A acumulação é sentida com extremo peso sobre as costas da classe trabalhadora brasileira.

O mundo não é só feito de economia e geopolítica, e o Brasil faz parte do mundo, também o determina, sobretudo, a luta de classes. O medo da classe dominante de que revoltas e rebeliões populares surjam aumentou com a eclosão da guerra na Ucrânia e sua consequência no encarecimento da vida das massas, aqui e fora.

No Brasil, a inflação de 2021 chegou à 10,06%,com 19,99% de inflação acumulada nos três anos de governo Bolsonaro; o desemprego atinge 11,1% da população na força de trabalho, ou 12 milhões de pessoas, ao fim de 2021. Após três anos sem reajuste salarial, com diversas crises sobrepostas, a classe trabalhadora brasileira aquece seus músculos e começa a demonstrar algumas forças, mesmo que silenciadas pela grande mídia e esquecidas pela maioria da esquerda.

Efeitos da guerra: a crise dos combustíveis e alimentos no Brasil e a resposta dos trabalhadores

O acúmulo de ataques traduz-se, também, em acúmulo de energia potencial, ódio e capacidade de ação. Como um motor prestes a explodir, é necessário mecanismos para aliviar a pressão. As burocracias sindicais suportam o imobilismo até determinado ponto. O mesmo vale para as esperanças de que Lula vá trazer de volta o lulismo. Expectativas essas que mantém-se, ainda que com muito fulgor, como esperanças. O salário precisa aumentar agora. Chegada a Data-base e frente à acumulação de fatores para que a luta de classes respire, nem a burocracia e a conjuntura eleitoral foram capazes de conter diversas categorias pelo Brasil de protagonizarem processos de lutas.

Mesmo que a burocracia sindical - da CUT à UGT - possam desviar esses processos de lutas econômicas da classe para os objetivos eleitorais de Lula em 2022 e assim já o fazem, certas tendências podem ser observadas.

O laboratório carioca da luta de classes

Manifestação de garis em frente ao Tribunal Regional do Trabalho

Se a máxima leninista, atualizada com a invasão de Putin à Ucrânia, é de que os tempos se aceleram diante de uma etapa histórica de crises, guerras e revoluções, o mesmo vale para as dinâmicas nacionais da luta de classes, ou seja, das experiências de organização, políticas e de luta da classe trabalhadora.

No final de 2020, os garis do Rio organizaram um abaixo assinado exigindo uma assembleia de seu sindicato para que pudessem organizar a luta pelo reajuste de seus salários, congelados desde o último acordo coletivo de 2019, e contra o novo plano de Saúde precarizado, sem aviso prévio por parte da prefeitura de Paes (PSD). A relação entre a categoria para com o sindicato (Siemaco), a burocracia pró-patronal da UGT, detinha um histórico de perseguições, demissões e ameaças de trabalhadores da vanguarda, em cumplicidade aos interesses do prefeito. Uma categoria que, embora tenha seu sindicato nas mãos de aliados dos governos, apresenta uma base e vanguarda com tradição de luta, como vimos na greve de 2014.

Após 2 dias do ato em comum entre garis, cozinheiras e trabalhadores da saúde e educação, no dia 28 de março, mesmo com o decreto de ilegalidade vindo do Judiciário e a constante perseguição da administração municipal, a greve foi decretada por reajuste para cobrir as perdas salariais dos últimos anos, a prefeitura elevou de míseros 2,5% para 5% sua proposta, e também nada disse sobre o novo plano de saúde. Os trabalhadores mantiveram sua decisão e ímpeto. A decretação da manutenção da greve aconteceu em meio a manifestação de Garis na porta de seu Sindicato, o Siemaco-Rio, exigindo que o sindicato acatasse e se posicionasse com a imensa maioria dos trabalhadores e seu pedido de greve.

Já são 5 dias de greve, pressionada, por um lado, por ataques de Paes, como a contratação de empresa terceirizada para furar a greve dos garis, e por outro lado pela burocracia sindical, que diariamente realiza manobras para tentar retomar o controle e acabar com a greve. Ela se mantém e demonstra força, apesar da política de perseguição estatal e desmobilização sindical, além da ausência de uma intervenção por parte de sindicatos com peso da esquerda, como de petroleiros e professores (Sindipetros e SEPE), para aumentar a força real do fenômeno através da unificação e coordenação de lutas, o que dependeria da pressão sobre a CUT e CTB.

Se antes já eram grandes a resistência e negação da esquerda por políticas de exigência à burocracia sindical por unificação e coordenação da classe trabalhadora, no momento tal problema se intensifica. As negociações super estruturais para as eleições de 2022 ocupam o centro da atividade política, com o PSOL tomado por uma crise existencial, com um salto histórico frente à federação com a Rede.

Lula vem adotando uma política eleitoral que coloca em prática seu desejo de “ganhar para governar” como bem deixa claro, o que depende da aliança com partidos ajustadores, golpistas e que lucram com as reformas do golpe de 2016. Para a CUT e o PT, portanto, a derrota da greve dos garis - objetivo que se aproxima caso a categoria se mantenha isolada de outras lutas e do progressismo carioca - serve como uma moeda de troca para com o PSD de Paes, com quem Lula possui franco diálogo por apoio no primeiro turno.

Neste final de semana, o sindicato aproveitou-se das fortes chuvas no Rio de Janeiro e do final de semana para suspender a greve, para felicidade de Eduardo Paes. Contudo, a vanguarda não foi derrotada e persiste um sentimento de indignação entre os garis.

Veja mais sobre a greve dos garis aqui

A conciliação de classes é estratégica para a vitória eleitoral de Lula e, não só o isolamento da greve dos garis do Rio, como também a separação e iniciativas de imobilização das greves da Educação que ocorrem por todo o Estado de Minas Gerais, em especial em BH, cuja prefeitura também é do PSD de Kalil, estão à serviço da governabilidade de Lula em 2023. A burocracia da CUT e CTB trabalha para que as esperanças se confirmem em voto, como veremos mais no próximo laboratório avançado da luta de classes brasileira.

O laboratório mineiro da luta de classes

Assembleia de professores em Belo Horizonte

No último dia 16 de março, os trabalhadores da educação de Belo Horizonte entraram em greve pelo piso salarial e progressão de carreira, se somando à luta dos trabalhadores da educação de Minas Gerais, que já estavam em greve desde o dia 9 de março também pelo piso, além da denúncia do Regime de Recuperação Fiscal de Romeu Zema (NOVO). Destacam-se as assembleias massivas, com milhares de professores e outras profissões como cozinheiras, na aprovação dessas greves. Dois dias depois, os professores da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) também entraram em greve e, no dia 21 de março os metroviários da CBTU retomaram a paralisação de suas atividades contra a privatização do Metrô, implementada por Guedes e apoiada por Zema.

Diferente do Rio, o potencial concreto de unificação das greves em curso é dado, sendo impedido pela atuação das burocracias sindicais, como a CUT, cujo sindicato dos trabalhadores da educação do Estado (Sind-UTE) é filiado.

A repressão odiosa da polícia também foi um elemento presente. Os trabalhadores da educação se manifestavam em Uberlândia quando foram atacados pela PM a mando de Zema. Em Belo Horizonte não foi diferente, um professor, dirigente do PSTU e da CSP-Conlutas foi parar no hospital após golpe de cacetete na cabeça e outro foi preso e, depois de um ato-vigília dos grevistas na delegacia, foi solto.

Em Minas Gerais podemos observar melhor a abnegação da burocracia petista em demonstrar serviço para o PSD de Kalil, potêncial aliado de Lula na disputa presidencial, em troca do apoio ao prefeito na disputa pelo governo do Estado. O significativo processos de greves pelo estado surge como moeda de troca, assim como no Rio, para a estratégia eleitoral petista. Diante de assembleias massivas de professores e educadores, incluindo funções mais precarizadas como de cozinheiras, a CUT mantém as greves separadas e as figuras petistas aproveitam como palanque para a disputa eleitoral de 2022.

Confira a cobertura e intervenção do Esquerda Diário na greve da Educação de MG

Um exemplo interessante, que demonstra a disposição de unificação das lutas, foi a proposta do Movimento Nossa Classe aprovada nos espaços de auto-organização dos grevistas. Após dura repressão do governo Kalil, professores municipais e estaduais fizeram um ato unificado com a presença de metroviários. Ainda que pequeno, levando a repressão e política de boicote da burocracia sindical, expressa um exemplo raro e potente em um país cuja estrutura sindical e direções sustentam a atomização da classe entre categorias.

O PT e a esquerda frente às greves

O que se pode ver, até agora, em relação a esses processos é que há uma reserva de força na classe trabalhadora, perante a situação de crise e inflação, para lutar por reajustes salariais. Em sua atuação, as burocracias sindicais irão levar em conta, sempre, os cálculos eleitorais dos partidos aos quais são vinculados para definir o quanto segura ou solta os freios das frações da classe que controla. Estimular lutas controladas como maneira de desgastar algum governante pode ser algo que ocorra em categorias onde, na conjuntura anterior, o papel da burocracia era de sobretudo imobilizar. Já em outros, é de extrema importância desestimular processos de luta, como no Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Para o PT, nesse momento se colocam cálculos complexos na busca de desgastar um Bolsonaro que começa a se recuperar, ou de governos como o de Zema. Ao mesmo tempo, precisa demonstrar para a burguesia seu poder para controlar o movimento operário, e evitar que aliados seus, como Kalil em Belo Horizonte e Paes no Rio, ou seus próprios governos, sejam também desgastados por processos grevistas, que nos dois estados assumiram um caráter marcadamente contra os governos municipais.

No artigo O Brasil diante de tendências internacionais explosivas, Danilo Paris colocas as seguintes hipóteses:

“Nesse contexto, há duas hipóteses ou tendências que podem influenciar a dinâmica atual do ponto de vista da luta de classes. A primeira, e mais provável, é que sigam se desenvolvendo greves mais controladas, ou inícios de organização de categorias que não saiam em greve, mas que obtenham reajustes acima do que vinha se prometendo, de tal forma que essa ginástica sirva para iniciar uma recomposição de categorias que tinham sido muito atacadas em anos anteriores. A segunda está relacionada à possibilidade de choques de fome e de miséria, a partir de parcelas da população pobre que não estão organizadas em categorias e sindicatos mais tradicionais, que começam a se colocar em movimento, de maneira mais disruptiva devido ao aumento da carestia da vida. Por ora, esse cenário é menos provável no curto prazo, porque todas as grandes centrais vão atuar para frear qualquer tendência desse tipo, em função dos seus interesses próprios, além das medidas já referidas que o governo busca implementar.”

O PT e as grandes centrais sindicais parecem apostar na primeira hipótese, a partir de sua necessidade de manobrar com servidores públicos e categorias de tradição sindical perante a inflação e a crise social. A manifestação nacional de uberizados, ainda que em pequena escala, vai no sentido da segunda hipótese. A greve de garis no Rio combina as duas tendências, uma categoria que possui tradição de luta, com uma vanguarda considerável e uma burocracia no poder, mas que sofre com condições de trabalho precárias e a desvalorização.

Já os partidos da esquerda, como o PSOL, PCB e UP, parecem estar muito mais ocupados com reuniões superestruturais, cálculos eleitorais e busca por alianças. O PSOL, em crise terminal com a debandada de parlamentares e figuras, sela sua federação com a Rede pelos próximos 4 anos, e mantém seu curso de subordinação ao PT e a Lula. Já a UP, em pré-campanha por Leonardo Péricles, segue um curso de convocar atos como os do último sábado, onde exigem de supermercados a doação de cestas básicas, mas ainda passando por fora de levar uma solidariedade ativa as greves em curso, especialmente desde as diversas entidades estudantis onde estão presentes ou diretamente são direção por todo país. Tanto na greve do Rio como de Minas Gerais a atividade desses partidos não apresentou até agora qualquer alternativa à burocracia sindical.

Prognósticos da luta de classes de um governo Lula sem lulismo

A burguesia, no entanto, apresenta fortes preocupações em relação às possibilidades explosivas que podem fugir do controle das direções do movimento operário e estudantil. Tal fato já era realidade antes da guerra, mesmo antes da pandemia, o medo burguês crescia diante dos coletes amarelos franceses ou da rebelião chilena, assim como o Black Lives Matter que explodiu nos EUA e se espalhou pelo mundo.

A disjuntiva de crise e estagnação econômica, de uma pandemia que parece não ter fim em vista, ao se chocar com o retorno do militarismo, fragiliza as opções de desvio que tiveram lugar contra as lutas globais dos últimos anos. No Brasil, a chapa Lula-Alckmin é a maior alternativa para a estabilização do regime e a preservação da "paz social" junto aos ataques de Temer e Bolsonaro.

Porém, mesmo em um ano marcado pelas eleições, os processos germinais da luta de classes ganham terreno. A atuação do PT nos dois "laboratórios" de Minas Gerais e Rio de Janeiro mostra que a contenção e isolamento de greves são moeda de troca para acordos eleitorais com o PSD. Em um governo Lula essas trocas e acordos com frações da classe dominante se intensificaria ainda mais para a aprovação de mais ajustes e ataques, assim como foi nos governos petistas anteriores.

As direções burocráticas do movimento operário, estudantil e social, terão um papel aberto de propagandear a vitória de Lula como a grande saída para todas as crises que se abatem sobre os trabalhadores do Brasil.

Contudo a contradição entre as esperanças depositadas em um hipotético governo Lula, que não só seria incapaz de oferecer concessões da mesma monta das que foram feitas nos anos 2000, como também terminaria sendo o agente de mais ataques, no que seria uma repetição, em outra escala de proporção, do que significou a Reforma da Previdência de 2003. Diferente daquele momento de ataques do governo Lula, que deram origem ao PSOL, o movimento desse partido hoje é da completa adaptação ao PT e ao regime do golpe, sacramentado com a aliança com a Rede a expectativa de cargos ministeriais.

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A esquerda socialista, que defende a independência de classe e auto organização como ferramentas centrais dos trabalhadores para lutar contra o fim da opressão e exploração, deve intervir com todo peso nas lutas econômicas que já ocorrem, como em Minas Gerais e no Rio, tendo em vista a preparação para momentos da luta de classes. Buscamos atuar no Polo Socialista e Revolução nesse sentido. Em um possível governo Lula, a vanguarda operária precisa estar pronta para experiências aceleradas da classe trabalhadora com o governo, e se colocar como uma alternativa revolucionária diante do choque das aspirações prometidas na campanha eleitoral de Lula-Alckmin e as condições concretas de vida, da crise e da força da extrema direita, que se manterão com força na realidade brasileira.

 
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