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Justiça por Moïse
O caso Moïse e as feridas estruturais do país: superexploração e racismo
Yuri Capadócia
João Salles
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

Por todo o país milhares de pessoas saíram às ruas revoltadas diante do brutal assassinato do jovem Moïse Kabagambe, trabalhador precário, negro e imigrante congolense. Um crime que fez saltar aos olhos temas sensíveis no país: a generalizada precarização do trabalho, fruto da Reforma Trabalhista e dos ataques capitalistas, bem como o racismo e a xenofobia crescentes da extrema-direita, fomentados pelo governo Bolsonaro-Mourão e sustentados pelo regime político podre e autoritário.

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Nesse sábado, por todo o país foram vistos atos importantes repudiando o bárbaro crime cometido no Rio contra a vida de um jovem trabalhador imigrante. Não à toa, esses atos contaram com imigrantes de diversas nacionalidades na linha de frente. Venezuelanos, bolivianos, angolanos, haitianos, enfim, imigrantes de variadas origens manifestaram o rechaço à superexploração combinada com o racismo e a xenofobia que vitimou Moïse e que cotidianamente eles sentem na pele.

A superexploração e o racismo como pilares do Brasil

Quando discutimos a imigração no Brasil, é imprescindível tomar como ponto de partida a imigração forçada de centenas de milhares de africanos para o nosso país, arrancados a força para servir como mão de obra superexplorada. Essa barbárie dos séculos de acumulação primitiva do capitalismo produziu como justificação ideológica o racismo, baseado na negação da humanidade das pessoas de pele preta, ou seja, dos povos africanos. Essa base escravocrata, da superexploração econômica, e essa ideologia racista transformaram-se em pedra de toque da sociedade brasileira, feridas que vimos explodir no brutal assassinato de Moïse.

Do século XIX para o século XX o racismo se transformou, com a consolidação do mito da democracia racial, que buscou assimilar as contribuições culturais africanas na constituição da sociedade brasileira, através de uma imaginária harmonia entre as três raças. Uma tese que construiu a imagem falaciosa do Brasil acolhedor a todos os povos. Um mito insustentável tanto no passado colonial, caracterizado pela superexploração violenta dos negros, quanto na época da formulação dessa teoria, em que os negros seguiram economicamente marginalizados, a parte de qualquer processo de integração no pós abolição, enquanto se incentivou uma imigração europeia com a finalidade do embranquecimento da população. E uma teoria que segue negada pela realidade racista, em que os negros são os primeiros nos postos mais precários, recebendo 73,3% a menos do que a população branca.

A recente face africana e latino americana da imigração para o país

No período mais recente, durante os anos correspondentes ao "superciclo" das commodities internacionalmente, o país em ascensão econômica tornou-se destino para migrantes de países com traços mais marcadamente semicoloniais, em especial imigrantes bolivianos, haitianos, venezuelanos e congoleses.

À esse elemento de atração, se somaram fatores como o nefasto papel desempenhado pela ocupação das tropas brasileiras no Haiti e na República Democrática do Congo, a mando do imperialismo; o terremoto na ilha caribenha em 2010; e a oposição ideológica de Bolsonaro à Venezuela, que demagogicamente passou a conceder o passaporte de refugiado aos imigrantes venezuelanos. Com isso, o ano passado registrou o maior número de solicitações de refúgio no Brasil considerando toda a série histórica: foram 82.520 pedidos de reconhecimento da condição de refugiado somente em 2019. A maioria desses pedidos feitos no ano passado era de imigrantes provenientes da Venezuela: 28.133 solicitações, seguida pela Síria (3.768) e pela República Democrática do Congo (1.209).

Dessa forma, na última década o número de imigrantes empregados no Brasil com carteira assinada quase triplicou, saltando de 55,1 mil para 147,7 mil, segundo números do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Entretanto, se na população geral, a maior parte dos trabalhadores estão na informalidade, marca da precarização do mercado de trabalho pós reforma trabalhista, entre os imigrantes a tendência é que a proporção seja ainda maior. Sendo assim, podemos considerar que esses dados subdimensionam o tamanho da população imigrante no país, ao deixar de fora a grande parcela deles que tem de se submeter a bicos como camelô, ao trabalho análogo a escravidão na indústria têxtil, na construção civil, entre outros.

Um aspecto vil e sórdido da burguesia, ainda mais da nossa burguesia herdeira dos barões de café escravocratas, é justamente se aproveitar da vulnerabilidade em que se encontram os imigrantes para submete-los a regimes de trabalho análogos a escravidão, com remunerações baixíssimas e condições degradantes de vida. Por sua vez, este aspecto funciona como uma espécie de mecanismo para o rebaixamento geral dos salários e da condição de vida da classe, ao manter um contingente imigrante pauperizado e desempregado no que Marx descreveu como exército industrial de reserva. O racismo estrutural do país e xenofobia são empregues mais uma vez de maneira funcional ao capitalismo intensificar a exploração dos trabalhadores.

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Governo Bolsonaro e a intensificação da xenofobia e da precarização do trabalho

Um mecanismo, de superexploração dos imigrantes, que se tornou ainda mais perverso, se considerarmos o rebaixamento generalizado das condições de trabalho no regime pós golpe. Com o golpe institucional de 2016, e posteriormente a eleição do governo Bolsonaro, uma aliança reacionário que se alça à presidência pela manipulação das eleições de 2018, as marcas da sanha capitalista por lucros cada vez maiores em meio a crise econômica mundial, se fazem evidentes na pele dos trabalhadores. Com a falsa promessa da possibilidade de melhores acordos trabalhistas com negociação direta entre empregado e empregador, bem como o aumento dos investimentos na geração de postos de trabalho com a diminuição dos encargos trabalhistas pelas empresas, o resultado é uma situação de miséria generalizada. O povo trabalhador está em postos de trabalho intermitentes, isso quando não desempregados, sem receberem direitos e com cenas grotescas de jovens pedalando mais de 10 horas por dia para receberem menos de um salário mínimo, ou jovens como Moise que são mortos por exigirem seus direitos.

Também do ponto de vista ideológico essa junção da exploração e do racismo se reconfigurou. A ascensão de Bolsonaro e da extrema direita promoveram uma reatualização à direita da leitura do mito da democracia racial. Bolsonaro, assim como Mourão, fazem questão de negar a existência do racismo se apoiando na ideia da miscigenação brasileira, ao mesmo tempo, que promovem uma perseguição explícita da identidade negra, também imigrante, que fazem questão de vincular a ideia de criminosos. Bolsonaro já disse que refugiados são a “escória do mundo” e uma ameaça à ordem pública. Não à toa, Sergio Moro, quando ministro do governo, editou a portaria 770 que prevê a deportação sumária de pessoas suspeitas de serem perigosas ao Brasil.

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A política externa dos governos petistas e a relação com o trabalho negro imigrante

Dentre diversos aspectos que marcaram uma especificidade da política externa nos anos de governo do PT (2003-2016), cabe ressaltar dois elementos que são pilares para a situação atual abordada neste artigo: a participação do Brasil nas missões de “paz” da ONU - especificamente no Haiti e no Congo - e o avanço da terceirização e da precarização do trabalho no Brasil.

Em relação ao papel cumprido pelas tropas brasileiras, o caso da Minustah é o mais célebre com diversas denúncias de violações de direitos humanas conhecidas, entre elas a escravização sexual de mulheres haitianas por militares em troca de alimentos. Além disso, muitos generais do atual governo Bolsonaro tiveram participação ou comandaram essa missão e esses crimes, como o General Heleno. O general Santos Cruz, que participou do governo Bolsonaro e agora apoia a candidatura de Moro, foi outro a liderar a missão de paz no Haiti e depois a missão no Congo, a Monusco.

Essas missões longe de promover a estabilização e a paz nesses países, apenas serviram para levar a repressão imperialista e a formação de governos fantoches, que aplicaram sob a população os ataques do FMI, como visto no Haiti, onde a população se revoltou em 2019 contra as reformas neoliberais implementadas. No Congo, essas forças são parte de promoverem a militarização e a guerra civil na região, elevando a imigração e a situação dos refugiados que fogem da guerra.

Essa política externa petista, em nome de alcançar maior protagonismo brasileiro, tornou o país agente dos ditames da ONU e do imperialismo. Além disso, deram a expertise do controle social aos generais brasileiros que promoveram uma inédita intervenção militar no Rio de Janeiro em 2017.

Como seguir a luta por justiça a Moïse e contra o racismo e a xenofobia

Frente a esse retrato da precarização do trabalho e do incremento do racismo e da xenofobia no governo Bolsonaro-Mourão e no regime pós-golpe, a luta por justiça a Moïse é inseparável da luta pela reversão dos ataques capitalistas contra a classe trabalhadora. Para lutar por condições dignas de trabalho e vida para os imigrantes, é preciso lutar pela revogação da reforma trabalhista, que legitima a superexploração dos negros e dos imigrantes em postos de trabalho cada vez mais precários.

Nesse sentido, as centrais sindicais deveriam mobilizar toda a classe trabalhadora, tomando a luta dos imigrantes e a luta por justiça a Moïse como uma bandeira, promovendo a unidade entre imigrantes e nativos, brancos e negros, homens e mulheres, dos lgbts para derrubar esses ataques e enfrentar o racismo e a xenofobia dos patrões e da extrema direita.

 
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