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Editorial MRT
Por que uma juventude trotskista no Brasil de Bolsonaro, da fome e precarização?
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
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O sonho dela de entrar na faculdade teve que ser novamente adiado, desta vez, a empresa não quis liberar os trabalhadores para fazer o Enem. O medo da demissão, de ser mais uma na estatística da fome e do desemprego a fez desistir. Lembrou da menina que desmaiou porque não conseguiu esperar a hora do recreio, pensou que poderia ser sua irmã. Engoliu o choro e a raiva, e seguiu para mais um atendimento, se não bater a meta vai ter que ouvir mais um sermão do chefe. Na pausa do almoço, passou os 20 minutos tentando ajudar seu amigo, ele tá novamente com crise de ansiedade, não sabe como vai pagar as dívidas que contraiu com o financiamento da faculdade. O pai foi demitido, a fábrica disse que precisava cortar gastos, mas os lucros bateram recordes durante a pandemia. O dinheiro extra que ele ganhava com as entregas pelo aplicativo não tá dando mais para nada, a maior parte fica para pagar a gasolina. Enquanto tentava se acalmar da crise, contava para amiga que mais uma vez foi parado numa batida, o policial olhou nos seus olhos e disse que tinha que mostrar os documentos para provar que não roubou a moto, porque preto no Brasil é sempre bandido. Ele lembrou da chacina da semana passada, teve medo que sua mãe também tivesse que retirar seu corpo no mangue. Mas depois só conseguia sentir ódio. Lembrou da notícia no jornal, de jovens como eles que saíram às ruas para dizer basta!

Essa é uma história cujos protagonistas podem ser encontrados em muitos lugares do país. De norte a sul, esse é um retrato da juventude no Brasil de Bolsonaro, Mourão e das instituições que levaram adiante o golpe institucional de 2016, as reformas e ataques contra a classe trabalhadora e a população. São relatos que chegam até nós pelas denúncias no Esquerda Diário, que debatemos quando nos auto-organizamos nas assembleias estudantis e sindicais. Uma realidade que muitos de nós vivem na pele todos os dias. Os capitalistas, seus governos e suas instituições estão arrancando o direito da juventude sonhar. Nesse novo regime, a extrema direita herdeira dos escravocratas, os militares defensores da ditadura e os neoliberais privatizantes vão moldando suas preferências com o sangue e o suor da população.

A crise capitalista internacional acentuou tudo que esse sistema tem de mais podre. Os latifundiários donos da terra se sentem à vontade para provocar dias de fogo, para destruir nossas florestas e biomas, para perseguir os povos indígenas, quilombolas e pequenos produtores rurais. Os empresários defensores das reformas buscam aumentar sua extração de mais-valia aprofundando a precarização do trabalho. A violência contra mulheres, LGBTs e o assassinato do povo negro aumenta, enquanto grandes empresas e instituições, como o STF, fazem demagogia com nossos direitos. Querem nos convencer que agora estaríamos vencendo o preconceito porque alguns de nós estão nos espaços de poder. Mas quando olhamos para o chão, ele é vermelho vivo, pintado com o nosso sangue.

A política de conciliação petista não alterou nenhum problema estrutural do nosso país, governaram com os empresários, o agronegócio, os militares e as igrejas abrindo caminho para que esses setores, que hoje são base de apoio do bolsonarismo, pudessem se fortalecer. Enquanto isso, burocratas que há muito tempo não sabem o que é acordar cedo e ir trabalhar, tentam vender a ideia de que a classe trabalhadora deve subordinar seus interesses às disputas eleitorais. Que as demandas dos trabalhadores são diferentes das demandas dos estudantes e, por isso, é melhor cada um organizar sua luta sozinho. Mas quando olhamos para o lado podemos encontrar a inspiração e a força para seguirmos firmes em nossa luta contra a extrema direita e para que os capitalistas paguem pela crise.

No Chile a juventude que durante 30 anos conviveu com a herança de uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina, se rebelou contra a lógica neoliberal defendendo educação pública, gratuita e laica para todos. Um movimento que se auto-organizou nas escolas e nas universidades e deu a tônica na última década até culminar na rebelião de 2019, conseguindo impor uma nova Constituinte no país. Ao contrário do que disse a esquerda brasileira, do PSOL aos stalinistas da Unidade Popular e do PCB, mesmo com toda essa força eles não varreram a herança da ditadura de Pinochet, ainda não acabaram com o neoliberalismo e não conquistaram a educação gratuita para todes.

Mas então, de onde vem o exemplo? Vem do fato de que a força para combater a extrema direita, representada por Kast nas eleições presidenciais chilenas, ainda persiste e precisa ser potencializada com parte das lições desse processo. O desvio realizado pela Frente Ampla e Gabriel Boric, que disputa as eleições com Kast, foi parte de possibilitar que a extrema direita pudesse se rearticular, ao abandonar o programa que foi parte das demandas motoras da rebelião e pactuar com os partidos do regime um acordo para uma constituinte com poderes limitados, que mantém encarcerados os presos da rebelião, ao invés de ser uma constituinte livre e soberana como era a reivindicação das ruas. Isso permitiu que os setores mais reacionários, que haviam sido questionados profundamente, busquem agora querer atacar as aspirações que vieram das ruas. Tudo isso com a conivência do Partido Comunista Chileno, que dirige os principais sindicatos e entidades estudantis do país e não organizou desde as bases para que a juventude e a classe trabalhadora pudesse se opor a isso.

Em oposição a esse projeto, como parte da Juventude Vencer e do Partido Revolucionário de Trabalhadores, impulsionamos junto a dezenas de trabalhadores e jovens o Comitê de Emergência e Resguardo de Antofagasta e outros organismos para coordenar e defender as demandas da rebelião chilena. Construímos candidaturas anticapitalistas juntamente com outros setores da esquerda e dos movimentos sociais, defendendo a liberdade dos presos políticos e um programa contra o trabalho precário e a terceirização, questionando pilares estruturantes da herança da ditadura. Essas ideias ganharam mais de 80 mil votos a nível nacional.

Na Argentina, a experiência de um novo governo peronista, que mantém intacta a subordinação ao FMI com o pagamento da dívida, tem pela primeira vez na história a esquerda trotskista, reunida na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade (FIT-U), como terceira força nacional, à frente inclusive dos amigos de Bolsonaro, os “liberfachos” de Javier Miley. Uma posição conquistada apoiando cada luta operária e popular, firmando compromissos de luta. Com a força das revolução das filhas que conquistou o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, e segue em luta para garantir educação sexual e laica nas escolas. Defendendo a divisão das horas de trabalho entre empregados e desempregados, sem redução salarial e garantindo que o salário mínimo seja o suficiente para sustentar uma família, colocando em discussão como os capitalistas roubam nosso tempo de trabalho para garantir seus lucros. Foi com esse programa que a FIT-U encantou milhares de jovens e trabalhadores pelo país, conseguindo eleger 4 deputados nacionais. Conquistando pela primeira vez na história que um deputado trabalhador e de origem indígena, Alejandro Vilca, rompesse o bipartidarismo de uma das províncias mais pobres do país. Essa é a esquerda mais radical do planeta, como diz um dos principais analistas políticos do país. A esquerda trotskista que se prepara para os embates da luta de classes e usa suas tribunas parlamentares para impulsionar as lutas nas ruas, nas fábricas, escolas e universidades.

E o que tudo isso tem a ver com construir uma juventude trotskista no Brasil de Bolsonaro? Porque diante da crise esse programa se torna cada vez mais concreto na vida de milhares e pode se transformar em força material ao confluir com setores que se colocam em luta na busca por uma alternativa às mazelas sociais. A batalha levada adiante por Trotski na defesa do legado revolucionário de Marx, Engels, Lênin, Rosa e dos bolcheviques contra a degeneração estalinista ganhou forma programática no documento fundacional da IV Internacional. O Programa de Transição busca apresentar um método para construção de uma resposta que compreenda as particularidades de cada país, partindo do princípio de que a luta pela revolução social precisa se expandir para uma luta internacional, e de que é preciso forjar uma ponte de transição entre as demandas mais sentidas pelos trabalhadores e as tarefas da revolução socialista.

Esse programa que buscamos resgatar para responder à crise social, política e econômica em que vivemos. Um programa que toma forma como parte do movimento real de todos aqueles que saem em luta, para que possamos passar da revolta à revolução. Um programa que aponta um caminho para expropriar os latifundiários e as grandes empresas, combatendo a propriedade privada e garantindo a planificação democrática dos recursos econômicos, a partir do controle dos trabalhadores em aliança com os movimentos sociais. Que busca colocar o acesso à cultura, os avanços da ciência e da técnica a serviço das amplas maiorias. Que defende a necessária construção de um governo de trabalhadores por meio de uma revolução social, na qual as decisões devem ser tomadas de forma democrática e em base a auto-organização dos trabalhadores e da população explorada e oprimida. Caminhando assim para a construção de uma sociedade sem classes e sem Estado, uma sociedade comunista.

Esse programa é cada dia mais atual e necessário. Mesmo em um momento reacionário como o que vivemos no Brasil. Porque utopia é achar que o capitalismo pode um dia deixar de oferecer catástrofes e barbárie, para constituir-se como um sistema mais humano. Manter a defesa dessas ideias trotskistas e conseguir apresentá-las como parte de um projeto político de construção de uma organização revolucionária é parte dos desafios que levamos à frente no Brasil, na Argentina, no Chile e em outros 11 países do mundo com a Fração Trotskista pela reconstrução da Quarta Internacional (FT-CI). Buscando resgatar o melhor da tradição revolucionária, cujo fio de continuidade está na tradição trotskista, com um programa e estratégia que ganhou mentes e corações na juventude e na classe operária em diferentes momentos, mesmo nos mais reacionários como na luta contra os integralistas no Brasil, constituindo como parte da batalhar por uma Frente Única, uma batalha campal conhecida como Revoada dos Galinhas Verdes, ou na luta contra a ditadura militar. Diante de Bolsonaro, Mourão e do projeto de país de fome e precarização da burguesia brasileira essas ideias se tornam cada dia mais necessárias, resgatando o Programa de Transição, a Teoria da Revolução Permanente e o internacionalismo revolucionário para pensar os desafios da atualidade como a única forma de conseguir apresentar uma alternativa para que sejam os capitalistas que paguem pela crise.

Esses são alguns dos debates que estamos fazendo como parte da refundação da nossa juventude e da construção do nosso Encontro Nacional nos dias 10, 11 e 12 de dezembro, em formato presencial com todos os cuidados sanitários necessários, mas também online para aqueles que queiram acompanhar. Um encontro impulsionado pela juventude Faísca Anticapitalista e Revolucionária e pelo Esquerda Diário, que vai contar com delegações de diversos estados, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. Com jovens estudantes e trabalhadores dispostos a debater as Ideias trotskistas para revolucionar o mundo, contando com mesas como “A crise capitalista: reforma ou revolução?” e “A atualidade da revolução permanente no século XXI”, e uma plenária nacional sobre “Os desafios da revolução internacional e a juventude”. Além das presenças especiais de Iuri Tonelo, Letícia Parks e Diana Assunção, e de saudações internacionais.

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Fazemos esses debates com a consciência de que esses desafios não se encerram em nossa organização, mas são parte dos desafios colocados para todas as organizações que buscam construir uma alternativa à esquerda do PT, como parte da reflexão sobre as tarefas colocadas no próximo ano e mais estrategicamente para nossa preparação diante dos cenários colocados na luta de classes internacional. Sendo essa uma das formas como buscamos contribuir com discussões políticas, programáticas e estratégicas para a construção de uma alternativa revolucionária e socialista em nosso país. Como diria Leon Trotski em seu Programa de Transição:

“A IV Internacional presta uma atenção e um interesse excepcional à jovem geração do proletariado. Toda sua política se esforça em inspirar na juventude a confiança em suas próprias forças e em seu futuro. Apenas o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem assegurar os primeiros triunfos da luta e somente ela trará de volta ao caminho da revolução os melhores elementos da velha geração. Sempre foi assim e assim será.”

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