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Editorial de Pernambuco
O racismo e a desigualdade em Pernambuco
Gabriel Girão
Renato Shakur
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

No último dia 20 de novembro foi o dia da Consciência Negra. No Recife, centenas se mobilizaram na Praça do Carmo, onde fica o monumento em homenagem a Zumbi. Nós do Esquerda Diário, Quilombo Vermelho e do MRT estivemos presente, no somando à mobilização. Aqui nesse texto, buscaremos expor também um pouco mais sobre o racismo estrutural no estado.

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A cor da desigualdade social

Num Estado onde 62% da população é negra – segundo o censo de IBGE de 2010 – a questão racial se faz sentir em todos os âmbitos sociais. No entanto, a grande política do governo de Pernambuco no dia foi divulgar uma postagem de “expressões racistas a se evitar”.

O partido de Marcelo Freixo e talvez de Alckmin - e aliado de primeira ordem do PT - está há 15 anos a frente do governo do estado de Pernambuco e há quase 10 na prefeitura do Recife. E durante esse tempo só fizeram aprofundar o racismo estrutural e a desigualdade social no estado.

Recife é a capital com maior índice de desigualdade do país e ao mesmo tempo, Pernambuco é o terceiro estado com maior concentração de renda. Os dados da Síntese de Indicadores Sociais 2020 (SIS) realizado pelo IBGE, mostram também que 160 mil pessoas no estado vivem com até 11 reais por dia. Segundo a pesquisa, 501.600 pessoas vivem com 436 reais por mês, esses números superam a média nacional das pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza (Brasil 24% e Pernambuco 41,8%).

Se observamos alguns bairros de Recife vemos como se apresenta essa desigualdade. As comunidades do Ibura, Vasco da Gama, Joana Bezerra e Cohab, por exemplo, têm renda domiciliar média entre 775 reais e 1.189,90 reais. O que já seria uma média bem baixa se comparados a bairros como Boa Viagem e Jaqueira que pode chegar até 11.339,80 reais, se levarmos em conta que em Recife segundo censo do IBGE de 2010, haviam 164.222 domicílios com de 5 a 11 pessoas morando. Ou seja, há centenas de milhares de famílias que não vivem nem sequer com 1 salário mínimo para alimentar até 11 pessoas dentro de casa. Essa é a cara da desigualdade social em Recife.

Essa desigualdade também tem cor. A população autodeclarada negra no Ibura é 65,53%, em Joana Bezerra 74,39%, Vasco da Gama 65,11% e Cohab 66,68%. Chama a atenção que nesses bairros a população negra é superior que a média do próprio estado. Em Boa Viagem a população branca é de 66,35%, em Jaqueira o número sobe para 68,82%. Esses dados expressam as marcas profundas da herança da escravidão em Recife, que o PSB ao longo dos anos só fez aprofundar.

Racismo e violência policial

Além de políticas que só fizeram aumentar a desigualdade racial e social, uma das marcas do PSB em Pernambuco é o Pacto pela Vida (PPV). Nas eleições de 2006, Eduardo Campos colocou a questão da segurança pública à frente, com um viés bem conservador.

Em 2007, à frente do governo do estado, Eduardo Campos inaugura o PPV. No discurso, o programa visava combater a violência em várias frentes, inclusive a social. Na prática, significou um fortalecimento do aparato repressivo e da repressão à população negra. Em um relatório de 2015 sobre o programa, aparece o seguinte balanço:

“Ao longo da implantação do Pacto pela Vida, outras atividades e processos foram desenvolvidos e suscitaram a melhoria das condições de trabalho e a modernização tecnológica da rotina policial. O investimento médio anual na atividade policial foi triplicado, possibilitando: i) substituição de toda a frota de viaturas policiais e aquisição de helicóptero; ii) aquisição de equipamentos básicos de trabalho como armas, coletes e algemas; iii) reequipagem completa do Corpo de Bombeiros; iv) reforma de trinta Delegacias de Polícia e construção de seis Áreas Integradas de Segurança no Estado; v) construção de seis sítios de telecomunicação, reposição de rádios e implantação de videoconferência para comunicação entre o comando da Polícia Militar e os Batalhões do interior; vi) informatização das Delegacias; vii) implantação de uma Central de Videomonitoramento, a maior de todo o Norte e Nordeste do país, com a instalação de câmeras de alta resolução em 450 pontos estratégicos da cidade do Recife; viii) reestruturação organizacional das forças policiais; ix) contratação, através de concurso público, de mais 6.000 policiais militares, 3.000 policiais civis e 1.000 bombeiros; x) concessão de melhorias salariais e implantação da remuneração por meritocracia; e xi) realização de operações policiais especiais idealizadas e implantadas no escopo do Pacto pela Vida.”

O plano ainda tinha a Gratificação Pacto Pela Vida (GPPV), que davam gratificações aos policiais por apreensões. Como resultado, a população carcerária saiu de 17.244 em 2004 para quase 30mil em 2014, chegando a 40mil em 2019, colocando o estado como o primeiro em superlotação prisional. Se o estado é o primeiro na superlotação, é o último no quesito de informar os dados dos presos. Em 2018, o estado revelou dados de etnia de apenas 26% dos presos e, dos dados revelados, 83% eram negros. Em 2019, 93% dos mortos “oficiais” pela polícia eram negros, apesar da subnotificação desses dados. Recentemente, saiu um estudo que Pernambuco é o estado que menos gasta por preso. Dessa forma, a verba para alimentação de cada detento é de 6 reais por dia, a mais baixa do país, o que mostra as condições absurdas dos cárceres pernambucanos. E longe de diminuir a violência, em 2017 o estado bateu recorde na taxa de assassinatos, com mais de 57 homicídios por 100 mil habitantes.

Um exemplo da repressão racista no estado é o caso de André Arcanjo, que após passar por um roubo que terminou com o latrocínio de um amigo seu, está sendo acusado de participar no crime apenas por ser negro. Nesse sentido, nós do Esquerda Diário e do MRT nos juntamos à exigência de liberdade por André!

A extrema direita em Pernambuco

A extrema direita bolsonarista, expressa de maneira ainda mais profuda o ódio contra negro e negras no estado. A deputada estadual Clarissa Tércio (PODEMOS) e seu marido, o pastor e vereador de Recife Junior Tércio (PSC) se reuniram no mês passado com Damares Alves para debater “políticas de drogas” e “dependência química”. A velha retórica da direita da guerra às drogas que só faz aumentar a violência policial. Em Pernambuco a cidade de Cabo de Santo Agostinho é a 2ª cidade brasileira com maior taxa de homicídios e aumentou em 48% o número de mortes por policiais no estado entre 2019 e 2020. Não bastasse defender uma política que só encarcera e assassina a juventude negra pernambucana, Clarissa Tércio teve a coragem de dizer em pleno mês da consciência negra no ano passado que Nego Beto não foi assassinado por conta de racismo e que aconteceria a mesma coisa se o homem fosse branco.

Esse discurso já tinha sido repetido ano passado por Clarissa, na discussão de um projeto de combate ao racismo nas escolas e nos eventos, onde afirmou que era preciso parar o ativismo racial por que isso “dividia seres humanos pela cor da pele”. No dia da consciência negra desse ano, Clarissa postou um vídeo do Morgan Freeman colocando que comemorar o dia da consciência negra era ridículo.

Outro representante da extrema direita aqui é o prefeito de Jaboatão Anderson Ferreira. Ainda que publicamente evite dar declarações tão ridículas como a de Clarissa, também não fala nada sobre a questão do racismo.

Ambos são pré-candidatos ao governo do estado e, com distintas estratégias, buscam disputar o eleitorado conservador do estado para levar ao poder um projeto ultra reacionário que só aprofundará o racismo estrutural.

O PSB e o choque à direita nas relações raciais

A outra marca do governo PSB é a ausência de qualquer política visando a questão racial. A única política, adotada apenas em 2018, é o Programa de Combate ao Racismo Institucional, que aparentemente se limita a meia dúzia de postagens nas redes e a colocar mais negros e negras nas secretarias de governo.

Na realidade, a política do PSB mostra na prática que tem um discurso progressista e uma prática racista e reacionária. Ainda que se apoie na representatividade para mostrar que se importa com a questão racial em seu governo, teve como carro chefe ao longo dos anos aprofundar a violência policial e as desigualdades sociais e econômicas. Isso mostra a falência da estratégia de que mais negros e negras em “espaços de poder” é uma arma para combater o racismo, enquanto tem um ou outro no topo, são centenas de milhares abaixo da linha da pobreza em Recife.

Por outro lado, essa política de Paulo Câmara mostra que o PSB tenta se diferenciar do bolsonarismo e o choque à direita nas relações raciais, que proporcionou uma feroz reação contra a identidade negra (perceptível a nível nacional n recrudescimento da violência policial, no aumento dos crimes de injúria racial, nos ataques a terreiros de candomblé e umbanda e nas chacinas). Na prática o PSB se aproxima dessa política, tendo a 2ª polícia que mais mata negros no Brasil. Também não podemos esquecer que Sérgio Hacker, ex-prefeito de Tamandaré e marido de Sarí Corte Real, assassina do menino Miguel, é do PSB.

Mas isso tem um motivo, ainda que hoje o cenário eleitoral aponte um debilitamento dos candidatos da 3ª via, o PSB quis mostrar ao capital financeiro que poderia ser um administrador da obra econômica do golpe. E não apenas deu sinais disso com seus deputados votando reformas e ajustes, mas também que é um partido à altura de manter toda herança escravocrata da burguesia brasileira. Com o regime do golpe institucional mais à direita e as relações raciais mais à direita, o PSB aprofundou o racismo estrutural em Recife, através da violência policial e da desigualdade social

Como combater o racismo, a direita e a extrema-direita em Pernambuco

Mesmo frente a direita e a extrema direita tentando da forma que podem aprofundar o racismo estrutural no estado, não podemos deixar de perceber que a populção autodeclarada supera a média nacional de negros e negras do país. Há bairros de Recife que a população negra é próxima de estados com a Bahia, o estado mais negro fora da África. Ainda que pese a ideologia da democracia racial sobre a população pernambucana de conjunto, é um fato importante que a identidade negra seja reivindicada por amplas massas trabalhadoras e de juventude. As nações de maracatu, grupos de afoxé, o coco, a ciranda, o brega e o brega funk também expressam desde a força da cultura negra e regional a força da identidade negra pernambucana. Mas não podemos deixar de mencionar também um contingente populacional de descendência indígena que muitas vezes se auto declara enquanto pardo.

A eleição de Dani Portela (PSOL) como vereadora mais votada em Recife por um lado expressa um fenômeno progressista de jovens e trabalhadores que depositam confiança em uma mulher negra e antirracista frente a toda podridão da direita bolsonarista representa e da política do PSB. Ainda que seja a expressão de um fenômeno identitário sem um programa de independência de classes, apoiado na representatividade como um fim em si mesmo. Há elementos progressistas em querer eleger uma mulher negras que defenda o direito dos trabalhadores e dos setores oprimidos, um fenômeno eleitoral que vimos surgir em algumas capitais após o assassinato de Marielle Franco. Mas queremos debater os limites os limites dessa estratégia eleitoral que circunscreve a luta antirracista ao parlamento. Tanto a extrema direita, como também o PSB que hoje é o principal represtante das oligarquias tradicionais em Pernambuco, são fieis representante do choque à direita nas relações raciais, e mudanças estruturais só podem ser alcançadas no terreno da luta de classes.

Nesse sentido, fica claro que não podemos confiar em saídas reformistas ou num futuro governo petista de conciliação de classes, como faz parte do PSOL. Se por um lado, a extrema direita bolsonarista avança com o discurso que o racismo não existe, os 15 anos de gestão da oposição do PSB, com um discurso mais progressista, mostrou que seu objetivo é manter a repressão policial e impor a miséria à população negra para preservar os interesses da burguesia e das oligarquias locais.

O PT quando estava à frente do governo federal foi responsável por implementar medidas como as UPPs e as ocupações das favelas no Rio de Janeiro, além da ei de drogas que foi um dos mecanismos responsáveis por aumentar exponencialmente o encarceramento da população negra. A frente dos governos estaduais, é ainda pior. A PM baiana, comandada pelo governador petista Rui Costa registrou o segundo maior número de mortos pela polícia, sendo que em Salvador 100% desses eram negros.

Portanto, a solução para o problema do racismo só pode ser com uma saída de independência de classe, que lute contra Bolsonaro e Mourão mas também contra todo o regime do golpe institucional que só faz aprofundar o racismo estrutural no país.

 
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