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Entrevista
Por que refundar uma juventude trotskista?
Redação

O Esquerda Diário conversou com alguns estudantes e jovens trabalhadores que estão construindo ativamente o Encontro Nacional Ideias Trotskistas para Revolucionar o Mundo, impulsionado pela juventude Faísca Anticapitalista e Revolucionária e fez a seguinte pergunta: afinal, por que construir uma juventude trotskista no Brasil?

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No próximo dia 10 de dezembro começa o Encontro Nacional “Ideias Trotskistas para revolucionar o mundo” e para saber um pouco mais dos debates que irão acontecer, conversamos com alguns dos jovens que estão na linha de frente da construção desse projeto de Norte a Sul do país. São eles: Mariana Duarte, estudante de Letras da USP e educadora; Luiza Eineck, estudante de Serviço Social da UnB, coordenadora do Grupo de Estudos Marxistas e estagiária pelo CIEE; Luno Pires, coordenador do CADI na UFRGS e bolsista do PIBID; Ana Carolina, estudante de Pedagogia da UERJ; Marie Castañeda, professora e coordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Sociais Marielle Franco na UFRN; Juliana Begiato, coordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Humanas da UNICAMP; Elisa Campos, coordenadora do Centro Acadêmico de Filosofia da UFMG; Pedro Pequini, estudante de Letras da USP e professor e Vitória Barros, estudante de Letras da UFRJ e ex-trabalhadora terceirizada da saúde.

Esquerda Diário: Para começar, porque vocês acham que é necessário refundar uma juventude trotskista no Brasil hoje?

Mariana Duarte: Bom, grande parte da juventude tem ódio do Bolsonaro e dessa extrema direita que se levanta em outros lugares do mundo, como estamos vendo agora no Chile. A crise capitalista produz barbáries como as filas do osso, a guerra das vacinas, aumenta o racismo contra imigrantes, a violência policial e uma longa lista de coisas que eu poderia citar aqui. Então nesse momento retomar as ideias trotskistas e construir uma juventude que defenda abertamente essa perspectiva é parte de batalhar para uma saída da classe trabalhadora e de todos os setores oprimidos. E para responder mais profundamente essa pergunta, eu queria retomar nosso passado recente, porque as lições desse período nos ajudam a pensar no futuro.

Em 2016 eu fui parte daqueles 400 jovens que se reuniram em São Paulo para fundar uma juventude anticapitalista e revolucionária. A gente estava vivendo um momento de grande viragem no país e tínhamos uma ideia central: era preciso construir uma juventude que estivesse na linha de frente da luta contra o golpe institucional e a Lava Jato, apresentando uma saída à esquerda do PT. Foi assim que reunimos centenas de secundaristas, jovens universitários e trabalhadores num encontro que marcou profundamente a minha vida e a de tantos outros jovens. Desde então estivemos em cada uma das batalhas em defesa da educação, contra as reformas, as privatizações e tudo que chamamos de “obra do golpe institucional”. Lutamos contra a ascensão da extrema-direita e dos militares na política, contra os ataques que eram promovidos por instituições burguesas, como o Congresso e o STF, estivemos na luta das mulheres, negros, LGBTs, dos povos indígenas e em especial nas greve dos trabalhadores. Essa experiência é a base que nos permite pensar as mudanças necessárias para hoje.

Marie Castañeda: Sim como a Mari contou, foi um desafio manter uma política de independência de classe em meio à profunda crise política, econômica e social que atravessa nosso país, aprendemos muito com tudo isso. Nossas ideias foram sendo compartilhadas com novos setores, fomos nos expandindo para outros estados e regiões. Mas o que está colocado agora é se preparar para esse novo momento. Tem um livro que eu gosto muito das Edições Iskra, que se chama “Brasil: ponto de mutação”, eu super recomendo a leitura porque ele ajuda a entender desde uma análise marxista esse momento de viragem no país. Uma ideia central dele é que esses anos foram parte de uma transformação no regime político brasileiro, como já aconteceu em muitos momentos da história.

Acreditamos que hoje estamos nos preparando para entrar num novo regime político e quando debatemos a necessidade de refundar a juventude partimos em especial desse elemento: diante desse projeto de país que a extrema direita e a direita está moldando com o sangue e suor da população, a gente não pode se limitar à ilusão de que é possível conciliar nossos interesses mudando o governo. Nós vemos justamente que nesse momento nossa tarefa como jovens comunistas e trotskistas é conseguir apresentar o nosso projeto revolucionário, dialogando mais fortemente com as aspirações que estão colocadas e preparando o terreno para que as ideias revolucionárias possam ganhar cada vez mais força material. É nesse sentido que estamos debatendo o porquê de refundar a juventude.

ED: Mas por que refundar uma juventude numa situação tão difícil?

Luiza Eineck: Como a Mari e Marie colocaram, são tempos difíceis, não há como negar. E além desses elementos da situação no próprio Brasil temos que ter uma perspectiva internacional para ver como tudo está conectado. Somos a juventude que cresceu naquele momento de viragem, quando a era da globalização neoliberal encontrava seu limite com a eclosão da crise capitalista em 2008. Ao invés do suposto “fim da história” vimos a luta de classes ressurgir com toda força, com a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, o Occupy nos EUA e tantos outros movimentos que tiveram um forte protagonismo da juventude. Como resultado do desvio desses processos surgiram fenômenos políticos à esquerda e à direita, do neorreformismo fracassado do Syriza e Podemos, e a extrema direita de Trump, Bolsonaro e companhia.

Não vimos revoluções acontecerem, mas fomos imersos em sagas distópicas da indústria cultural, como Jogos Vorazes, Black Mirror, etc., que buscavam transmitir a ideia de que é muito mais possível imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. A ideologia neoliberal que por muitos anos alimentou essa ideia, combinava profundos ataques para dividir e fragmentar a classe trabalhadora, com uma ofensiva ideológica para apagá-la de suas narrativas hegemônicas, inclusive dentro das universidades, combatendo abertamente a perspectiva marxista com suas diferentes variantes teóricas, do pós-modernismo ao reformismo. Eu converso com muitos jovens que sentem na pele como nossa geração está muito mais precarizada do que há 10 anos, tendo que se equilibrar na corda bamba do desemprego massivo por um lado, e da fome por outro, em cima de uma bike para ganhar centavos por quilômetro rodado. Mas somos parte dessa juventude que se rebelou contra o destino de miséria que os capitalistas nos reservam, e queremos que essa indignação, que muitas vezes se expressa em memes, reclamações no twitter, no tiktok e em outros lugares, também possa se transformar em força organizada, queremos lutar por outro futuro lado a lado da classe trabalhadora, e por isso, todos os dias batalhamos por um programa para que sejam os capitalistas que paguem por essa crise.

Pedro Pequini: E complementando o que a Lu falou, é nesses marcos que tem se colocado na cabeça de boa parte de nós, como é possível enfrentar o Bolsonaro e esse projeto da extrema direita? Bom, vemos por um lado a tentativa de reedição do projeto petista, o qual, de forma conciliada com a burguesia, promete uma evolução gradual da melhoria de vida. Esse mesmo PT e Lula que fortaleceram em seus anos de governo a Bancada do Boi, da Bíblia e da Bala que depois configuraram-se como a principal base de apoio de Bolsonaro, hoje acenam para uma chapa Lula-Alckmin e já dizem que não vão revogar as reformas, ou seja, administrarão a obra do golpe institucional que massacrou a juventude ainda mais. Deixam bastante claro que a proposta do possível governo petista é de alianças e garantia constantes dos interesses dos setores financeiros e empresariais, aqueles que exploram e oprimem nossa juventude todos os dias.

Nós queremos batalhar por uma outra alternativa. É por isso que viemos debatendo em cada local de estudo e de trabalho, a necessidade de construir uma juventude trotskista e revolucionária que seja uma alternativa à esquerda do PT, que aponte os limites da conciliação de classes levado à frente por Lula e o PT e também do reformismo. Uma juventude que defenda a independência de classe e a aliança com os trabalhadores para lutar contra a extrema direita e esse sistema capitalista. Isso é parte central do porquê consideramos necessário refundar uma juventude que esteja à altura dessas tarefas. Entendendo inclusive que esse desafio vai muito além da construção de uma única agrupação, pois se trata de um processo que vai envolver diversos setores que se reivindicam revolucionários e socialistas em nosso país, mas em nossa opinião construir desde agora uma juventude que defende abertamente essas ideias é parte de contribuir com esse processo. A gente busca resgatar o melhor da tradição revolucionária, que tem seus fios de continuidade na tradição trotskista, porque essas ideias não se dão em abstrato, mas também na política concreta de cada país, por isso estamos aprofundando os debates sobre a situação do Brasil.

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ED: Mas diante da fome e de tantos ataques, a perspectiva da revolução não parece algo muito distante?

Vitoria Barros: Olha, conversando com meus amigos e colegas eu sinto muito como no meio desse mar de ataques, reacionarismo e promessas vazias, só nos oferecem resignação. Sinto uma contradição grande entre primar o ceticismo, a passividade e a desmoralização no coração dos millennials, da minha geração Z e de camadas ainda mais jovens. Mas ao mesmo tempo um interesse pela ideia de transformar tudo, pela revolução e o marxismo. Ainda que isso não seja claro, muitos têm uma visão meio eclética do que é ser um revolucionário, afinal basta discordar do Bolsonaro e você já pode ser taxado de comunista. Outro dia vi um meme da direita chamando o Moro de comunista, às vezes temos que explicar coisas elementares tipo essa.

Mas como eu disse, nesse cenário a depressão e os problemas de saúde mental ganham uma importância grande na vida dos jovens e adolescentes. Porque sempre vem um relato de algum colega tentando tirar sua própria vida ou notícias como aquela, de uma menina que desmaiou de fome na aula, ou chacinas contra a juventude negra como a mais recente no Complexo do Salgueiro. São coisas que nos marcam muito, eu fico com muito ódio porque enquanto isso o Bolsonaro viaja por Dubai, o centrão, os militares e os juízes abusam dos seus privilégios. Enfim, sei que tem muitos jovens que também sentiram isso, que ficaram indignados, mas também vi muito uma falta de perspectiva do que fazer.

Eu entrei na universidade e me deparei com o ensino remoto, nem consegui conhecer meus próprios colegas, to aqui procurando um emprego para conseguir me manter estudando. Com a pandemia passei vários meses sem poder ver meus amigos, familiares e viver a experiência da universidade. Trabalhei por muitos anos como trabalhadora terceirizada na saúde e sei na pele como é difícil a vida de muitos jovens que sequer tem a perspectiva de entrar na universidade hoje em dia. Isso tudo vai limitando nosso horizonte de poder fazer algo diferente, é parte de como materialmente a ideologia burguesa vai ganhando posições e fazendo a revolução parecer algo distante. A possibilidade de transformação e, principalmente, a percepção de que nós podemos fazer algo nesse sentido enquanto sujeitos da história são destruídas. Mas ao contrário dos reformistas, não queremos que a grande tarefa da nossa geração seja somente depositar nossa fé nas eleições e apertar um botão a cada quatro anos. Não se trata disso. O que está em jogo é se vamos ser sujeitos no debate sobre os rumos de qual o projeto de país precisamos construir.

Ana Carolina: A verdade é que a saída eleitoral e da conciliação de classes não resolveu nenhum dos grandes problemas estruturais do país, o que abriu brecha para o golpe institucional e vivenciarmos o governo Bolsonaro. As transformações que a Mari falou antes estão acontecendo também porque vivemos em um país herdeiro do período colonial e da escravidão, e que parte das elites dominantes e burguesas do Brasil ainda é latifundiária e proprietária de terra, em que os industriais nos querem em suas fábricas para nos explorar como escravizados assalariados, os banqueiros nos acorrentam aos empréstimos, e os novos burgueses, como os donos dos app de entrega, nos retiram todos os direitos, deixando apenas o sol e a chuva todos os dias na exploração em cima de duas rodas de nossas bicicletas. Esse é o capitalismo brasileiro, e é uma utopia reformista sem sentido achar que gerir esse sistema de exploração e opressão é a saída. Por isso, o debate que queremos fazer também parte do questionamento da universidade de classe e vai até o questionamento da sociedade de classes.

ED: E como vocês questionam a universidade de classes?

Juliana Begiato: Nós estamos a frente de entidades estudantis no Rio Grande do Sul, em Campinas, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Rio Grande do Norte, como parte do programa dessas entidades e da nossa atuação em geral no movimento estudantil levantamos a necessidade de uma mudança radical das universidades e suas estruturas de poder. Defendemos que é necessário uma universidade a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, pública e de acesso universal. Para isso partimos do combate ao projeto de Bolsonaro e Mourão, que querem uma “universidade para poucos” como disse o seu ministro da educação. Declaramos guerra a esse projeto reacionário e construímos uma juventude que batalhe em todos os cantos do país pelo direito ao estudo e ao futuro. Defendemos as cotas contra a extrema direita racista, o direito à permanência estudantil, com alimentação, moradia e bolsas para que todos os estudantes possam se manter estudando. Ter o direito de estudar é o mínimo, ainda mais hoje que vemos altos índices de evasão nas universidades e escolas, principalmente com uma juventude que está ainda mais proletarizada e precarizada.

Luno Pires: É importante partir desse elemento que a Ju colocou, até mesmo entrar na Universidade hoje é um sonho distante, muitos jovens sequer cogitam estudar. Porém, mesmo para a minoria que consegue furar o filtro social e racial do vestibular, se manter estudando é uma tarefa quase impossível. Sou bolsista do PIBID, e recebemos só agora no final de novembro nosso salário referente a setembro. As bolsas de permanência e pesquisa não têm reajuste há anos. Quando tentamos nos organizar fazendo assembleias, a direção majoritária da UNE fez de tudo para cercear o direito dos estudantes falarem sobre como achavam que era preciso seguir a mobilização e nos manteve sem um plano mais efetivo que pudesse tirar a nossa demanda do isolamento e se unificar com o sentimento de milhares de estudantes que também precisam de bolsas para permanecer estudando. Nossa atuação sempre busca batalhar para impulsionar a auto-organização dos estudantes, fazendo das entidades estudantis ferramentas de organização, dialogando em especial com aquelas que são dirigidas por organizações que se colocam como oposição de esquerda a direção majoritária da UNE, sobre a diferença que faria se construíssemos de forma unitária uma forte campanha para garantir os direitos dos estudantes, o que passa por impulsionar nossa auto-organização com assembleias democráticas, com direito a voz e voto, e outras iniciativas para que os estudantes possam ser sujeitos.

Elisa Campos: Isso que o Luno coloca é bem central, aqui na UFMG saímos agora do processo eleitoral do DCE, e foi muito interessante como em cada discussão programática que fizemos com os estudantes a defesa do direito de estudar se ligava muito diretamente com o questionamento da estrutura de poder que mantêm as universidades fechadas para a juventude, permeada por fundações privadas e com burocracias acadêmicas que detêm todo o poder. Esse programa para garantir uma democratização radical das universidades com um governo tripartite, composto por estudantes, funcionários e professores de acordo com o peso de cada setor na comunidade universitária, e eleitos por sufrágio universal abre muito a cabeça para pensar como essa democratização interna se liga com a luta pela democratização real, destruindo os muros e filtros sociais, como os vestibulares ou o ENEM, obrigatórios para o ingresso. Defendemos esse programa faz muitos anos, mas justamente nesse momento de maior crise, no qual muitos jovens sequer aspiram entrar na universidade, essa demanda acaba se tornando mais concreta na sensibilidade de milhares, porque apresenta um questionamento mais de fundo. Por exemplo, permite ver como para defender a educação pública necessariamente também vamos ter que nos enfrentar com os grandes barões da educação superior e por isso, levantar uma forte campanha pela estatização das universidades privadas, começando pelos grandes monopólios.

ED: E por que esse programa fortalece uma perspectiva revolucionária de luta da juventude?

Vitória Barros: Fortalece porque uma juventude socialista tem que questionar o capital imperialista na educação, mas também como esse capital acorrenta nosso país com a dívida pública. Metade do nosso orçamento nacional vai para pagar bolsa-banqueiro, enquanto os jovens na universidade não têm direito a bolsa, moradia, alimentação. Precisamos criar um forte movimento estudantil que coloque em suas bandeiras o não pagamento da dívida pública e que se aumente para 10% do PIB para a educação, para conseguirmos realmente dar um passo fundamental nesse âmbito em nosso país, e não só em palavras. Essa lógica é parte daquela que está expressa no Programa de Transição, documento fundacional da IV Internacional, que aponta como os revolucionários podem criar uma ponte entre as demandas mais sentidas da população com os nossos fins comunistas. Essa lógica permeia muito do nosso programa, que vai estar condensado no rascunho de manifesto programático que publicaremos em breve como base das discussões da plenária final do nosso Encontro.

Luno: Isso se liga a pensar uma juventude que busque responder mais de conjunto os problemas sentidos. Diante da fome, ver o papel da reforma agrária contra os latifundiários. Nas cidades, onde a juventude trabalhadora foi apartada dos centros, espremida nas favelas, morros, periferias e quebradas o Estado só chega na forma de violência, repressão e balas da polícia, não nos garante saneamento básico, transporte, educação ou saúde, por isso defendemos uma reforma urbana radical. Diante das chacinas policiais, ser parte da juventude que se levanta pelo mundo contra o racismo e violência policial, defendendo o fim das polícias. E diversos outros elementos desse programa que vai estar mais desenvolvido no Manifesto, como a Vi falou. Em nossa visão, defender esse programa nos permite unificar mais concretamente todos os jovens que não se conformam com essa situação, dizer para eles que podemos organizar nosso ódio e revolta para dizer basta! Esse manifesto vai condensar todo acúmulo que fomos tendo nos últimos anos, em especial com a construção da Faísca, desenvolvendo melhor as perspectivas que levantamos aqui. Nas próximas duas semanas vamos para um intenso processo de debate desse conteúdo com centenas de jovens pelo país, mesmo aqueles que não poderão estar presencialmente no encontro queremos que sejam parte de opinar e construir essa elaboração que fundamenta a construção desse novo projeto.

ED: Mas como vocês acham possível levar esse programa a frente?

Juliana: Para que possamos levar esse programa à frente é necessário que a juventude tenha como norte estratégico que só a classe trabalhadora pode levar à frente um programa político com independência de classe que responda os problemas estruturais do país, ao lado dos mais oprimidos. Esse princípio de independência de classe balizou profundamente o sentido de existência da Faísca como os camaradas abordaram. Vamos discutir esse manifesto e nossas ideias com todos os setores em nossos cursos e locais de trabalho, preparando também para o retorno presencial nas universidades. Queremos debater com outras organizações políticas da esquerda, pois, ainda mais nesse momento, acreditamos que o debate de ideias é fundamental, apesar das diferenças que existem e que são debates públicos, como no debate sobre as marchas pelo Fora Bolsonaro e na questão do impeachment, que nós consideramos um desvio e batalhamos pela auto-organização e por uma nova constituinte imposta pela força da nossa mobilização, que seja Livre e Soberana para mudar não somente os jogadores, mas as regras do jogo. Consideramos essencial avançar no debate programático na esquerda e nosso projeto de refundação também está relacionado com essas iniciativas, como levamos a frente na construção do Polo Socialista, nas articulações das entidades estudantis e nos debates da oposição dentro da UNE.

Marie: Outra coisa que queria abordar é que como parte de uma juventude que reivindica o legado de Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Lênin e Trótski, sabemos que o verdadeiro sujeito revolucionário é a classe trabalhadora, que aliada à juventude, pode incendiar a velha sociedade e reconstruir um mundo novo digno de ser vivido. Somos, portanto, uma juventude que tem em seu DNA a luta de classes, e que busca fomentar a nossa auto organização em cada local de trabalho e estudo. Estivemos apoiando diversas lutas operárias pelo país, como na Ford de Taubaté, na MRV em Campinas, na metalúrgica Sae Towers em Minas Gerais, na greve da Carris em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, na greve do Detran no Rio Grande do Norte, na ProGuaru em Guarulhos e agora estamos junto com os aeronautas e aeroviários. Nessa lutas pudemos ver concretamente o papel das centrais sindicais que alimentam as ilusões nas eleições e no desvio institucional da luta, enquanto hoje os operários estão sendo demitidos e atacados, além de separar essas batalhas das lutas que nós estudantes construímos contra os cortes e ataques à educação.

Mari: Nós tivemos a experiência de atuar dia a dia na solidariedade ativa, levantando campanhas e comitês em apoio, chamando outras organizações de esquerda para atuarmos em unidade nesse apoio. Tudo isso também nos levou à conclusão de que é necessário refundar uma juventude que coloque no centro as ideias trotskistas no Brasil, porque precisamos de uma juventude cada vez mais pró-operária, que busque se ligar à cada uma das lutas em curso, batalhando pela unificação de todas e para que sejam os trabalhadores e estudantes que decidam os rumos. Essa tem sido a linha da Juventude Faísca nesses últimos anos, e nós queremos nos apoiar nessa tradição correta para construir uma juventude que se dê ainda mais esse papel, confluindo com outros setores de jovens que também sentem essa necessidade.

Luiza: Também estivemos lado a lado dos povos indígenas na sua marcha em Brasília, contra a votação da PL 490, o Marco Temporal e todos os interesses do agronegócio, assim como dos estudantes indígenas e quilombolas que lutavam pela permanência estudantil. Essas experiências foram muito importantes, pois os indígenas estão tendo suas terras invadidas e devastadas pelos garimpeiros e o agronegócio, estão sendo brutalmente assassinados. Nessa luta ficou muito claro para nós como o STF e o Congresso são parte das instituições que mantêm nosso país nas mãos dos grandes empresários e do agronegócio. E ao mesmo tempo a diferença que faria se ali se colocasse uma aliança entre os povos originários e a classe trabalhadora, uma aliança dessa poderia barrar tanto os ataques aos indígenas quanto às reformas e privatizações em curso.

ED: Então para irmos concluir voltando a pergunta inicial: porque trotskistas?

Elisa: O trotskismo nada mais é do que o marxismo do século XXI. Através de todo o legado estratégico que Trótski nos deixou, como parte daqueles que batalharam pela continuidade da tradição marxista contra a degeneração stalinista. Ele viveu diversas experiências centrais na luta de classes, ao dirigir a tomada do poder na Rússia em 1917 ao lado de Lênin, na construção e direção do exército vermelho para proteger a revolução dos ataques de 14 potências imperialistas e na batalha mortal contra a burocratização da URSS, que infelizmente, por conta da não expansão da revolução internacional, acabou dando origem à burocracia stalinista que nada mais foi do que a negação do marxismo. Todas essas batalhas resultaram na fundação da IV Internacional, organismo que diante da degeneração da III, se deu o desafio de defender o legado do marxismo revolucionário batalhando pela construção de partidos revolucionários internacionais e assim orquestrar a revolução mundial. É essa perspectiva que hoje batalhamos para reconstruir, como parte de uma juventude impulsionada pela Fração Trotskista pela Quarta Internacional, que está em 14 países.

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Vitória: Lutamos pela urgente recuperação dos fios de continuidade do marxismo revolucionário, o trotskismo, tradição que defende o internacionalismo e a teoria da revolução permanente, em contraposição à concepção stalinista do socialismo em um só país de correntes como o PCB e UP. Queremos nos deixar incendiar por processos de levantes internacionais da juventude, com especial destaque para o Black Lives Matter de 2020 e a Rebelião Chilena de 2019, nos solidarizando internacionalmente e também extraindo lições estratégicas dos desvios, dirigidos nos Estados Unidos pelo Partido Democrata de Biden e Kamala Harris, e no Chile pela Frente Ampla e o Partido Comunista Chileno. Tirando as conclusões necessárias do porque a revolta ainda não se transformou em revolução. Inclusive esse debate da experiência chilena é muito interessante, porque muitos setores da esquerda brasileira, em especial do PSOL, falam que somente com a eleição da Constituinte, que foi pactuada por todos os partidos políticos do regime, inclusive a Frente Ampla, e teve a conivência do PC, o legado da ditadura de Pinochet teria sido enterrado. Mas agora vemos a extrema direita ascender com chances de ganhar a eleição com Kast. Como explicar isso? Senão vendo que o desvio da luta e a falta de desenvolver os organismos de auto-organização, assim como de um partido revolucionário foi o que permitiu essa contradição, como apontam nossos camaradas do PTR e da juventude Vencer, organizações irmã da nossa naquele país.

PODCAST: Eleições no Chile e polarização social pós-Rebelião

Mari: Esse debate sobre o Chile realmente daria uma entrevista a parte, mas como já estamos concluindo aqui, só queria reforçar que a defesa da auto-organização para nós é um eixo estruturante da juventude que queremos construir, recuperando o que Marx e Engels apontam no próprio Manifesto do Partido Comunista, de que a emancipação da classe trabalhadora só pode ser obra da própria classe trabalhadora. Vinculamos isso à experiência da Revolução Russa com os sovietes, conselhos operários e de soldados, nos quais as diferentes tendências existentes no movimento operário disputavam pelas suas posições e se decidia democraticamente quais novos passos seguir, garantindo a atuação em comum que possibilitou a revolução. As conclusões sobre os mais diversos processos revolucionários do século XX também nos ajudam muito, e obviamente, sabemos que vivemos uma situação reacionária no Brasil de hoje, com muitos ataques, batalhas não dadas e uma passividade imposta pelas direções burocráticas, e a adaptação da esquerda à elas, mas defendemos que a perspectiva da auto-organização possibilita o caminho para a superação destas direções tomando os rumos da luta em nossas próprias mãos.

Pedro Pequini: É sobre construir uma juventude que se dá a tarefa de estar na vanguarda do combate decisivo à extrema direita, e que sabe que para isso precisa estar ombro a ombro com a classe trabalhadora, inclusive sendo parte dela. Queremos que nossa geração batalhe por recuperar o que existe de mais subversivo da luta das mulheres, das LGBTQIA+, dos negros, indígenas, na linha de frente de cada demanda e repúdio, e defendendo que, para batalhar por uma vida que valha a pena ser vivida, é necessário destruir este sistema de exploração e opressão e não vincular-se aos nossos inimigos. Construímos o Esquerda Diário, para colocar a luta de classes na sua mão. Como parte do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), que impulsiona a juventude Faísca e também esse Encontro, fazemos esse chamado à construção de um projeto de juventude para defender essas ideias profundas como parte de pensar nossos desafios, que vão muito além de 2022, mas dizem respeito a qual sociedade queremos construir e viver.

Ana Carolina: Queremos aprofundar esses debates no Encontro Nacional em dezembro, mas seguir também em nossas universidades, escolas e locais de trabalho. Convidamos a todas, todos e todes para conhecerem alguns dos nossos principais instrumentos como o Podcast Feminismo e Marxismo, os programas de teoria Falando em Marx e o Espectro do Comunismo, o semanário Ideias de Esquerda e o suplemento de arte e cultura Carcará, o Campus Virtual do Esquerda Diário, o programa Giro Internacional e entre outras iniciativas que você pode seguir acompanhando pelas nossas redes. Somos uma juventude independente dos patrões e dos partidos burgueses, por isso, para construir esse encontro estamos levando a diante diversas campanhas financeiras pelo país e fizemos também uma vaquinha online para pedir contribuições de todos aqueles que apoiam essas ideias. Esses depoimentos estão sendo publicados aqui no Esquerda Diário, porque queremos convidar cada um dos nossos leitores a participar destas reflexões, participar do próprio Encontro Nacional, seja presencialmente ou assistindo às transmissões das mesas e mais do que isso, construir com a gente esta juventude que queremos refundar.

 
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