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DARWIN
O homem que fundou a biologia moderna: 207 anos do nascimento de Charles Darwin
Santiago Benítez Vieyra

Em 12 de fevereiro, há 207 anos, nascia em Shrewsbury (Inglaterra) Charles Darwin, o naturalista que deu origem à biologia como ciência e cujas ideias influenciaram enormemente outras áreas do pensamento.

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Friedrich Engels, fundador do socialismo científico junto a Marx, teria um exemplar da primeira edição de Origem das Espécies, a maior obra de Charles Darwin. Provavelmente a adquiriu em 24 de novembro de 1859, já que a primeira edição desse livro saiu à venda e se esgotou no mesmo dia.

Em dezembro desse mesmo ano, enviou uma carta para Karl Marx: “Darwin, de certo, quem agora estou lendo, é absolutamente esplêndido. Havia um aspecto da teleologia que todavia teria que ser desconstruído, mas isso já está feito. Nunca antes se fez um feito tão grandioso por demonstrar a evolução histórica na natureza, e certamente nunca com tão bons resultados”1. Marx, que leu o livro um ano mais tarde, afirmava em uma carta que “este é o livro que contém os fundamentos na história natural de nosso ponto de vista”2. Apesar da admiração desses pensadores pela obra de Darwin, ela não esteve isenta de críticas, eles notaram sua importância. A teoria da evolução dá corpo a todo um ramo da ciência e sua influência se ramifica em muitas outras. Até hoje podemos afirmar que “nada na biologia tem sentido, sem a luz da evolução”3.

Mas quais eram os pontos que faziam revolucionária a teoria darwinista? Ao meu entender, introduziam dois aspectos chave: o uso de explicações históricas na ciência e a eliminação de causas finais (religiosas, idealistas, metafísicas) e sua substituição por uma concepção materialista para explicar a complexidade dos seres vivos.

As explicações agora são comuns. Por exemplo, para explicar a extinção dos dinossauros, existe a conhecida teoria do asteroide que impactou a Terra há 65 milhões de anos. Essa hipótese difere das usadas em outros ramos da ciência, porque é impossível desenhar um experimento sobre a extinção dos dinossauros. A biologia evolutiva apela, nas palavras do biólogo Ernst Mayr, a “narrações históricas”4 que a distinguem de outras ciências e que só podem ser provadas em combinação com observações. No caso dos dinossauros, com uma enorme cratera de 65 milhões de anos, encontrado na península de Yucatán. Em última instância, alguns dos núcleos centrais da teoria evolutiva, como em que as espécies não são constantes e que descendem de ancestrais comuns, são narrativas. E se encontram tão brutalmente respaldadas pelas observações que foram feitas.

O ingresso da história nas ciências naturais revoluciona o século XIX e desafia as crenças sustentadas na Bíblia sobre um mundo jovem e estável. Não só o mundo natural experimenta inumeráveis trocas, como a duração dessa história é inconcebivelmente grande. Mas o desafio também envolve a contingência histórica. Um asteroide caindo na Terra é um feito extremamente ocasional, mas se não tivesse ocorrido, provavelmente os mamíferos não teriam se diversificado e os seres humanos não existiríamos. Stephen Jay Gould, biólogo e famoso divulgador da ciência, foi campeão em mostrar o papel do azar e a contingência na história da vida, e como a teoria darwinista implica que a evolução não é um mecanismo inevitável que culmina no ser humano.

O segundo aspecto, a desconstrução da teleologia que Engels menciona em sua carta, refere-se ao abandono das explicações religiosa, idealistas ou metafísicas que previamente se usavam para explicar a natureza. A teleologia é a atribuição de uma finalidade, um objetivo pré-concebido a um processo completo. Por baixo dessa ideia, os olhos foram desenhados para ver, os animais e plantas foram criados para satisfazer necessidades humanas e, para os poucos pensadores que sustentavam que as espécies poderiam se transformar, isso acontecia com o fim de uma maior perfeição.

Darwin destrói esse argumento em dois passos. O primeiro passo se baseia em observações ao alcance da gente de seu tempo: os indivíduos de uma população são diferentes em muitas vezes, essas diferenças podem ser herdadas pelos seus filhos. Essas diferenças costumavam pensar como “desvios” em respeito à essência da espécie, mas a genialidade de Darwin foi racionalizar que não existia justificação para essas essências, as diferenças entre os indivíduos eram o único real. O segundo passo consiste em pensar que aconteceria se essas diferenças entre indivíduos levam para que alguns tenham mais descendentes que outros. A conclusão lógica é que a composição das populações trocariam com o tempo. Esse processo em dois passos é a seleção natural.

O abandono das explicações religiosas causou um profundo impacto no próprio Darwin, que demorou mais de 20 anos para apresentar publicamente suas teorias. Como reconhece em sua autobiografia (publicada sem censuras em 1958), “a incredulidade deslizou em mim um ritmo muito lento, mas no fim foi por completo”5.

Tanto Engels como Marx criticaram duramente o uso de Darwin nas ideias do clérigo Thomas Malthus sobre o crescimento populacional e do economista Adam Smith sobre a competência, como base de sua teoria de seleção natural. Darwin se encontrava inevitavelmente sob a influência das ideias predominantes durante a era Vitoriana e, em muitas ocasiões, não foi suficientemente cuidadoso com sua linguagem. Em edições posteriores da Origem das Espécies, muitas vezes substitui seleção natural por “luta pela existência” ou “sobrevivência do mais apto”, esta última frase tomada de Herbert Spencer. Para os darwinistas sociais como Spencer, essas frases aplicadas à sociedade sugeririam que a própria natureza é a garantia de que os melhores competidores asseguram o progresso, e que todas as intenções para reformar a sociedade só interfeririam com a sabedoria da natureza. Tem-se que reforçar que a “luta pela existência” é uma metáfora nas ciências biológicas e que o êxito de um organismo não é um término absoluto sem depender do meio ambiente. A opinião final de Darwin sobre Spencer pode ser encontrada também em sua autobiografia: “Suas conclusões não me convencem (...) Suas generalizações fundamentais (...) Que me atrevo a dizer, podem ser muito valiosas sob um ponto de vista filosófico, são de tal natureza que parece-me não ser de nenhuma utilidade estritamente científica. Participam mais da natureza das definições que das leis da natureza.”

Darwin não se interessava demasiadamente pela política e sempre apresentou que sua frágil saúde o impedia de intervir nos debates de seu tempo, ainda que tenha destacado como oposição à escravidão. Porém, o abandono das explicações idealistas é uma das maiores conquistas da ciência moderna, e só por isso Darwin merece ser recordado.

 
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