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Consciência Negra
20N vamos às ruas: No Nordeste das rebeliões negras é preciso lutar contra o racismo junto à classe trabalhadora
Cristina Santos
Recife | @crisantosss
Caroline Silva
Natal

O 20 de novembro, data que marca o assassinato de Zumbi, líder do Quilombo Palmares, em 1695, se tornou símbolo da consciência negra no nosso país. Há 326 anos do assassinato de Zumbi, a celebração e luta nesse dia tem muitas indicações sobre o caminho para derrotar Bolsonaro, Mourão e todas as forças desse regime herdeiro do golpe institucional e sua burguesia racista.

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Muito pelo contrário do que canta a historiografia oficial, que pouco ou nada resgata das experiências dos quilombos e mocambos ao longo de todo o país, estes símbolos da resistência de negros e negras coloca em cheque a tese do negro dócil e de que a abolição foi praticamente um presente do império dado pelas mãos da princesa Isabel. Até o ano de 2018 haviam sido contabilizadas mais de 3 mil comunidades quilombolas por todo o país, sendo que a região Norte e Nordeste concentra a maior quantidade dessas comunidades nos estados do Maranhão, Bahia e Pernambuco, que junto com Minas Gerais e Pará conformam os estados com maior número de comunidades quilombolas do Brasil.

São nestas regiões onde também vemos se expressar as contradições de uma sociedade que se mostrou incapaz de acertar as contas com seu passado escravista: em todo o país somos negras e negros os que nos encontramos nas piores condições de vida, vivendo em moradias precárias, desempregados ou em empregos terceirizados ou informais, somos também os mais afetados pela precariedade da saúde, as maiores vítimas da pandemia, do desmonte da educação, do serviço de transporte e os primeiros a sentirem o roncar da fome em um país que já tem 10% da sua população vivendo o assombro da insegurança alimentar, com cenas de apertar o coração e nos encher de ódio, como pessoas fazendo fila para pegar comida no lixo em Fortaleza, cadeias de supermercado colocando à venda vísceras e restos de ossos, tratando a fome como “oportunidade de negócio”. Vale lembrar que é aqui no Nordeste onde se chega aos maiores índices de insegurança alimentar, que segundo dados de novembro de 2020, atingia, entre níveis graves e moderados, naquele momento, cerca 73,1% da população regional.

O que também salta aos olhos é a precariedade das moradias e como essa questão também envolve um elemento de raça: os assentamentos precários no Recife tiveram um grande salto com a política racista de erradicação dos mocambos dos mangues centrais do Recife no governo de Agamenon Magalhães (1937 - 1945), que removeu mais de 12 mil mocambos e entregou apenas 5 mil moradias, menos da metade. A maior parte da população expulsa de suas casas buscou assentamentos em regiões periféricas que hoje configuram os morros de Casa Amarela e ao longo da Avenida Norte; o bairro Subúrbio Ferroviário em Salvador, de aproximadamente 500 mil habitantes, em sua maioria negros e negras, compõe uma das maiores concentrações de pobreza da cidade junto com regiões como Fazenda dos Coutos e Liberdade, todas localidades com maioria negra. Esta configuração entre precariedade e cor da pele, se repete na maioria das capitais brasileiras. Um retrato de que aquela luta, travada por escravizados e escravizadas pela liberdade, segue vigente no marco de que sob o sistema capitalista, a população negra é subjugada e relegada às piores condições de existência.

A pandemia não criou, mas deixou mais nítidos ainda os contornos do racismo. O caso Miguel, que chocou o país, foi expressão na cidade do Recife. Miguel foi abandonado pela patroa de Mirtes Renata, sua mãe, sozinho em um elevador de um dos prédios mais caros da cidade. Mirtes teve que sair com o cachorro da família da patroa, Sarí Corte Real - rica, ex-primeira dama de Tamandaré e membra da elite local - e deixou seu filho, Miguel Otávio, aos cuidados da patroa. Vale lembrar que Mirtes foi obrigada a levar seu filho ao trabalho, já que Bolsonaro havia decretado o trabalho doméstico como serviço essencial e Paulo Câmara, governador do estado de Pernambuco, acatou. Sem escola, sem ter com quem deixá-lo, Mirtes teve que levá-lo ao trabalho. Ao abandoná-lo no elevador, a patroa apertou um botão que levou Miguel ao nono andar, de onde caiu. O que explica tamanho abandono de uma criança negra? O racismo escancarado da elite herdeira da casa grande. O que teria acontecido se fosse Mirtes Renata, uma mulher negra, a que tivesse abandonado um dos filhos da patroa?

São inúmeros os casos onde vemos expressar o racismo inerente a este sistema, administrado pelos herdeiros da elite colonial. No estado da Bahia, o governador Rui Costa (PT) mandou reprimir os paredões sob a justificativa do consumo de drogas, quando sabemos que o que efetivamente se está reprimindo é a livre expressão da juventude negra, ampla maioria dos frequentadores dessas festividades musicais.

A morte do jovem natalense Giovanni Gabriel pelas mãos da polícia da governadora Fátima Bezerra (PT) é mais um fato de racismo escancarado na nossa região. Gabriel passou nove dias desaparecido, ele saiu no dia 5 de junho no bairro Guarapes e foi encontrado morto no dia 19 de junho do ano passado, numa região de mata, há 30 km distantes da capital. Gabriel foi encontrado em adiantado estado de decomposição, vítima de execução por três policiais que o “confundiu” com um responsável pelo roubo de um veículo.

Outra perversa expressão do racismo é a violência policial, expressa no fato de sermos a maioria entre as vítimas fatais da polícia. No Brasil de Bolsonaro e Mourão a violência policial tem cor e a bala não erra o alvo. A morte de Gabriel se soma a tantas outras vidas negras que foram ceifadas pelo Estado, que já mostrou para que serve: para assassinar jovens pretos, pobres e periféricos, atacar a juventude e a classe trabalhadora. Pesquisa divulgada pelo Observatório da Segurança sobre violência policial em 2019, mostra que nove em cada dez pessoas assassinadas pela polícia em Pernambuco são negras e o índice de letalidade entre os negros é de 96%; na Bahia esse índice sobe para 97%; no Ceará 87%; em São Paulo, onde a população negra é de 35%, os mesmos representam 64% dos mortos pela polícia. Uma expressão de como o racismo é elemento comum nas polícias, instituição que no Brasil descende diretamente dos capitães do mato e da necessidade burguesa de evitar um grande levante negro no país. É bastante escandaloso observar que alguns desses estados, como Bahia e Ceará, são governados pelo PT, com Rui Costa e Camilo Santana, respectivamente; no Pernambuco, o governador do PSB Paulo Câmara, se coloca no campo “democrático”; o que nos confirma que a violência da polícia - cão de guarda da burguesia - contra a população negra é requisito de Estado.

Por todas estas razões é preciso levantar alto as bandeiras de todos os processos de luta e resistência do povo negro que aconteceram ao longo da história em todo nosso país e especialmente na região Nordeste. Desde a revolta dos Malês em Salvador, que foi derrotada mas causou tanto medo na elite colonial da época que transformou todos os protocolos para recepção de escravizados em outras regiões do país, os inúmeros levantes de escravizados durante a travessia dentro dos navios mesmo sob o risco das mais degeneradas torturas, os levantes e resistências que se condensaram nos inúmeros Quilombos e Mocambos que se formaram ao longo do país, os jangadeiros do Ceará, que com sua greve se negando a transportar escravizados para serem comercializados no sul do país, abriram passo para este ter sido o primeiro estado a abolir a escravidão até a grande classe trabalhadora rural que nos anos pré-golpe protagonizaram a resistência contra os latifundiários escravistas desde as ligas camponesas e os sindicatos rurais.

Desde nossa perspectiva, a luta antirracista é aspecto decisivo para pensar a revolução no Brasil, primeiro pelo fato do racismo em sí ser uma das expressões mais acabadas da degeneração burguesa - lembremos que embora opressões como o machismo datem de antes do capitalismo, o racismo foi diretamente inventado pelos capitalistas para justificar o roubo das terras e povos das colônias - mas também pelo elemento da própria composição da nossa classe trabalhadora, uma maioria feminina e negra.

Quando fazemos esta afirmação, estamos colocando em primeiro lugar que as demandas da classe operária no Brasil são também as demandas do povo negro – educação, saúde, moradia de qualidade, salário mínimo de acordo com o custo de vida, divisão das horas de trabalho para acabar com o desemprego – e que as demandas específicas do povo negro – igualdade salarial entre brancos e negros, efetivação sem concurso público a todos os terceirizados, reforma urbana, fim da polícia, cotas raciais nas universidades – devem ser as demandas da classe trabalhadora em seu conjunto. Estes são elementos que devemos ter presentes na luta política e também na sindical, lutando contra qualquer falsa divisão entre o que são os interesses das e dos negros e os da classe em seu conjunto. Assim como os negros e negras foram a vanguarda na luta contra a burguesia escravocrata ao longo de toda a história do Brasil, também serão na luta contra Bolsonaro e o capitalismo hoje, tomando a frente não apenas a luta contra o racismo, mas contra a exploração e miséria de toda a classe trabalhadora.

Neste 20 de novembro estaremos nas ruas com o Quilombo Vermelho - luta negra anticapitalista, grupo de mulheres Pão e Rosas, juventude Faísca e Esquerda Diário e chamamos a estar com a gente por #ForaBolsonaroeMouraoRacistas, contra a fila do osso, a precarização e as chacinas e para que os capitalistas paguem pela crise.

 
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