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Literatura feminista
As inseparáveis: a amizade segundo Simone de Beauvoir
Meke Paradela
@mekepa

Escrito em 1954 e inédito até agora, sua filha adotiva decidiu publicar este relato no final de 2020 apesar das reservas que a filósofa e escritora francesa teve em vida. Um revelador e interessante relato sobre a relação íntima com sua melhor amiga de infância.

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“Se tenho esta noite nos olhos cheios de lágrimas, é por que você morreu ou por que estou viva? Deveria dedicar essa história a você, mas sei que já não está em nenhum lugar, e se me dirijo a você aqui, é como um artifício literário. Além disso, essa não é sua história de verdade, e sim uma história baseada em nós duas. Você não era Andrée e eu não sou essa Sylvie que fala em meu nome”. Com essas palavras, Simone de Beauvoir começa As inseparáveis, uma novela dedicada a “Zaza” e que, tal como é adiantado neste prólogo, conta a história de duas amigas que funcionam como alter egos da própria autora e de Élisabeth Lacoin.

Ambas as amigas se conheceram aos 9 anos na escola. De Beauvoir, ao longo das páginas, desenvolve a personalidade e o caráter forte, decidido e marcado de Zaza em comparação com o seu próprio, que venerava com fervor o chão que sua melhor amiga pisava. É possível que se trate do primeiro amor que a autora conheceu fora de seu próprio âmbito familiar, que inclusive quase não fala, já que a narrativa se refere exclusivamente à relação de amizade e ao mundo opressor, rígido e conservador que rodeava Zaza e que era diferente do seu, de origem humilde, mas com maiores liberdades.

Desde o começo fica claro o lamento de Sylvie e o destino final de Zaza, a quem é dedicado o livro e que falece de forma repentina antes de cumprir 22 anos, em 1929. Entretanto, o que De Beauvoir conta neste livro que talvez seja sua produção mais pessoal, foram as circunstâncias que rodearam a vida de sua melhor amiga, a tenaz briga física e mental que travou contra os mandatos familiares e a maneira em que neste círculo, conforme foram passando os anos, foi cerceando sua grande personalidade até que murchasse e morresse.

Denominadas “As inseparáveis” por suas professoras de escola e depois por elas mesmas no decorrer da relação, a opressão à mulher, a liberdade, o amor, a religião e o “dever ser” são os tópicos que se podem encontrar na narrativa. É possível considerar que nesta relação juvenil foi que De Beauvoir pôde depois pensar a mulher como pessoa desde um ponto de vista particular e concreto, não determinada por seu sexo, e sim por seu entorno. Foi esse meio burguês e social que terminou sufocando Zaza e contra isso que a filósofa teorizou e produziu grande parte de sua obra.

Ainda que possam ser encontradas referências à sua amiga em algumas outras obras, somente veio tudo à tona em 1954, quando a escritora decidiu fazer um texto sobre a relação que as uniu desde a infância. Foi seu companheiro, Jean-Paul Sartre que assessorou e aconselhou que não publicasse, argumentando que essa história era “demasiado íntima”. Por conta disso, De Beauvoir manteve em segredo este manuscrito sem título durante décadas e conservou-o de forma intacta, possivelmente pelo grande apego que tinha, deixando aberta a possibilidade de uma possível publicação após sua morte que ocorreu em 1986. Somente ano passado, em 2020, sua filha adotiva, Sylvie Le Bon de Beauvoir, decidiu publicá-lo e até escreveu um epílogo.

De curta duração por suas escassas, mas potentes páginas, é impossível saber quanto há de ficção e quanto de realidade, ainda que se baseia na história real entre De Beauvoir e Lacoin. Sua amizade e brutal perda perseguiram a autora através dos anos e é possível encontrar eco dela em, por exemplo, Memórias de uma jovem formal. Segundo a própria editora do livro, “Se só fosse um rascunho, não estaria mecanografiado. Acredito que era algo tão íntimo que lhe fosse difícil publicá-lo em vida. É um livro terminado. É um bom livro”. Pode haver opiniões díspares, mas não deixa de ser uma decisão contrária às posições da autora De Beauvoir, ainda que, claramente, por ser um lindo relato de uma amizade tão forte pode ser que tenha querido preservar (e preservar-se), do olho público julgador.

 
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